O Princípio da Insignificância propõe que o Direito Penal não deve se ocupar de condutas irrelevantes – aquelas em que o resultado não é capaz de afetar de maneira significativa a vida em sociedade.
Também conhecido como Princípio da Bagatela, o Princípio da Insignificância é um vetor interpretativo da Lei Penal e serve para limitar a sua incidência em situações menos relevantes para que os esforços sejam depositados onde há real necessidade.
Dessa forma, ele busca auxiliar na prática no descongestionamento da Justiça Criminal e na própria descriminalização de condutas insignificantes.
Por exemplo, o Art. 155 do Código Penal, ao tipificar o crime de furto, sugere que a subtração de objeto alheio leve a incidência de pena privativa de liberdade de 01 à 04 anos, como podemos ver:
Todavia, não seria proporcional que uma pessoa que furtasse um pacote de bolacha para saciar sua fome viesse a sofrer essa sanção por parte do Estado. Concorda?
Acredito que sim. E é por isso que o Princípio da Insignificância existe e é tão importante. Entenda mais sobre ele a seguir. Boa leitura 😊
O que é o Princípio da Insignificância?
O Princípio da Insignificância é uma causa supralegal (não prevista em lei). Seu objetivo é excluir ou afastar a Tipicidade Penal, não considerando o ato praticado como um crime. Em razão disso, sua aplicação pode resultar – na presença de certos requisitos – na absolvição do réu.
Mas antes de continuarmos, há quatro pontos que valem ser ressaltados aqui:
1. Tipicidade se trata da adequação de uma prática criminosa à Lei Penal;
2. A Tipicidade Penal é formada pela tipicidade formal em conjunto com a tipicidade material;
3. A tipicidade formal se configura quando a conduta praticada pelo agente adequa-se à descrição prevista no ordenamento penal. Observa-se, ainda, que a tipicidade formal é composta pela conduta, resultado naturalístico, nexo de causalidade e compatível subsunção do fato à lei;
4 . Já a tipicidade material consiste na existência de lesão ou exposição de perigo de um bem jurídico penalmente tutelado.
Sendo assim…
Com a incidência do Princípio da Insignificância se exclui a tipicidade em seu aspecto material. Isso porque, ao furtar 1kg de carne, por exemplo, houve a prática do Crime de Furto em termos formais. Mas não sob a ótica da insignificância.
Nela, acredita-se que não há resultado relevante pelo qual se deva mover o aparato do Estado para repelir o furto praticado, se não houve lesão ou perigo de lesão grave.
Para que serve o Princípio da Insignificância?
A utilidade prática da aplicação do princípio da Insignificância se dá em primeiro lugar por razões humanitárias, pois não é dado ao Direito Penal se ocupar de infrações bagatelares.
Dito isso, é importante mencionar o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana nesse contexto (Art. 1º, III, CF).
Afinal, não seria prudente tratar de forma igualitária quem furta uma galinha para satisfazer a sua fome com quem explode caixas eletrônicos para subtrair grandes quantias em dinheiro.
Em segundo lugar, o referido princípio colabora com o descongestionamento da Justiça Criminal, favorecendo a persecução penal apenas em relação a crimes que impactam a sociedade de forma relevante.
Quais os requisitos do Princípio da Insignificância?
Deve ser analisado não apenas o valor do bem jurídico ofendido, mas também certas condições subjetivas do agente, como reincidência, habitualidade na prática de crimes e condições da vítima.
E não para por aí, veja mais requisitos exigidos pelo Supremo Tribunal Federal:
• Mínima ofensividade da conduta do agente;
• Ausência de periculosidade social da ação;
• Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
• Inexpressividade da lesão jurídica causada.
Onde não se aplica o Princípio da Insignificância?
Lesão corporal
O STJ recentemente negou aplicação ao princípio da insignificância em um caso envolvendo lesões corporais em ambiente familiar.
Afirmou-se que a violência física não é compatível com os vetores da insignificância (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 19.042/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/02/2012).
Roubo
É inaplicável ao crime de roubo porque se trata de crime que envolve patrimônio, grave ameaça e a integridade física e psicológica da vítima, havendo, portanto, interesse estatal na sua repressão (STF RHC 111433) (STJ AgRg no AREsp 348.330/SP, julgado em 19/11/2013).
Tráfico de drogas
Não se aplica ao tráfico de drogas, visto se tratar de crime de perigo abstrato ou presumido, sendo, portanto, irrelevante a quantidade de droga apreendida (STJ. 5ª Turma. HC 240.258/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 06/08/2013).
Moeda falsa
Ainda que seja apenas uma nota e de pequeno valor, não se aplica o princípio por se tratar de delito contra a fé pública, considerando a confiança que a população deposita em sua moeda (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1168376/RS, julgado em 11/06/2013).
Outros crimes envolvendo a fé pública
Como é o caso do delito de falsificação de documento público (STF. 2ª Turma. HC 117638, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/03/2014)
Contrabando
É inaplicável uma vez que o bem juridicamente tutelado vai além do mero valor pecuniário (relativo a dinheiro) do imposto elidido, alcançando o interesse estatal de impedir a entrada e a comercialização de produtos proibidos em território nacional (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 342.598/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 05/11/2013)
Estelionato contra o INSS (estelionato previdenciário)
Esse tipo de conduta contribui negativamente com o déficit da Previdência, sendo assim, não basta o valor obtido com o estelionato ser baixo.
Se a prática de tal crime se tornar comum e sem qualquer repressão penal da conduta, se agravará a situação deste seguro social, que é responsável pelos pagamentos das aposentadorias e dos demais benefícios dos trabalhadores brasileiros.
Desse modo, o princípio da insignificância não pode ser aplicado para abrigar conduta cuja lesividade transcende o âmbito individual e abala a esfera coletiva (STF. 1ª Turma. HC 111918, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 29/05/2012).
Estelionato envolvendo FGTS
Não é executado em caso de estelionato envolvendo o FGTS, porque a conduta do agente é dotada de acentuado grau de reprovabilidade, “na medida em que a fraude foi perpetrada contra programa social do governo que beneficia inúmeros trabalhadores”.
Pois essa circunstância, aliada à expressividade financeira do valor recebido pelo paciente e à época dos fatos, inibe a aplicabilidade da insignificância ao caso concreto. (HC 110845,Relator Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, julgado em 10/04/2012).
Estelionato envolvendo o seguro-desemprego
Considerando que se trata de bem protegido a partir do interesse público (HC 108674, Relator Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, julgado em 28/08/2012).
Violação de direito autoral
Segundo o STJ, não se aplica o princípio da insignificância ao crime de violação de direito autoral (§ 2º do Art. 184 do CP).
Crime militar
Prevalece que o princípio da insignificância não é aplicável no âmbito da Justiça Militar, sob pena de afronta à autoridade, hierarquia e disciplina. Visto que a preservação de bens jurídicos é importante para o regular funcionamento das instituições militares.
Nesse sentido:
Crimes contra a Administração Pública
Não se aplica, em regra, o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado baixo, uma vez que a norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa.
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Aproveitar desconto *Confira o regulamentoComo funciona o princípio aplicado ao réu reincidente?
Caso se trate de réu reincidente não é possível à aplicação do Princípio da Insignificância, mesmo em relação a crimes que não envolvam grave ameaça e/ou violência, conforme construção jurisprudencial abaixo citada:
Quais crimes se aplica o Princípio da Bagatela?
Furto
A maior incidência se dá em relação ao crime de furto, todavia, precisa ser levado em consideração o valor do objeto,requisitos subjetivos da vida pessoal do agente e outros aspectos relevantes da conduta imputada (STF. 1ª Turma. HC 120016, julgado em 03/12/2013).
Em regra, é inaplicável o princípio da insignificância para o furto qualificado. Confira:
Crimes contra a ordem tributária
O novo valor máximo para fins de aplicação do princípio nos crimes tributários passou a ser de 20 mil reais. (Precedente: STF. 1ª Turma. HC 120617, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 04/02/2014)]
Crimes ambientais
A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o meio ambiente, reconhecendo-se a atipicidade material do fato, é restrita aos casos onde a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social.
Afinal, o bem jurídico tutelado é a proteção ao meio ambiente, direito de natureza difusa assegurado pela Constituição Federal, que conferiu especial relevo à questão ambiental. (STJ. 5ª Turma. RHC 35.122/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/11/2013).
Quem pode aplicar o Princípio da Bagatela?
Para o STJ, apenas o Poder Judiciário possui poderes para reconhecê-lo, não podendo a autoridade policial deixar de efetuar a prisão em flagrante sob a alegação de atipicidade material (Informativo 441).
Conclusão
Como foi demonstrado, o Princípio da Insignificância (ou Bagatela) é um instrumento que descriminaliza determinadas condutas, evitando que o aparato Estatal seja movido para combatê-las de forma enérgica.
Dessa forma, sua aplicação ajuda a descongestionar o sistema de Justiça Criminal em relação a processos que não deveriam estar ali.
E como todo profissional da Advocacia deve estar vigilante como auxiliar da Justiça, vale atenção para que esse princípio seja aplicado na prática processual penal sempre que necessário.
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Conheça as referências deste artigo
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: tp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 1 dez. 2021.BRASIL.
Código Penal. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 1 dez. 2021.
CAVALCANTE, Márcio André. Princípio da Insignificância no direito penal brasileiro. 1ª Ed.Dizer o Direito,2014
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. Parte geral. Vol. 10º ed. rev. atual. São Paulo: MÉTODO, 2016.
Advogado (OAB 5054/TO). Bacharel em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione – FACDO. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal com Metodologia do Ensino Superior (Faculdade Dom Alberto). Pós-graduando em Docência do Ensino Superior (faculdade Porto União). Mestrando em Direito...
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