Direito privado é a área que compreende diversos ramos do Direito que têm por característica principal regular as relações entre particulares.
Muitas faculdades de Direito no Brasil costumam separar as disciplinas ministradas em dois grandes departamentos: o departamento de Direito Público e o departamento de Direito Privado.
Neste texto vamos abordar o que é o Direito Privado e diferenciá-lo do Direito Público, além de abordar alguns ramos do Direito compreendidos pelo Direito Privado, bem como princípios aplicáveis.
Desejo uma proveitosa leitura! Vamos lá? 😉
O que é Direito Privado?
As origens do Direito Privado remontam ao Direito Romano. Ulpiano dizia que:
o direito público é aquele que tem em vista a situação (status) da coisa (res) romana; o privado o que se volta para a utilidade dos indivíduos”.
Dito isso, tem-se que o Direito Privado não é um ramo específico do Direito, mas um conjunto que compreende diversas áreas do Direito. Essas áreas têm como característica comum regular a relação entre particulares.
Hans Kelsen, apesar de questionar a diferenciação entre Direito Público e Direito Privado, exemplifica o Direito Privado como:
Apresenta-se como típica relação de Direito privado o negócio jurídico, especialmente o contrato, quer dizer, a norma individual criada pelo contrato, através da qual as partes contratantes são juridicamente vinculadas a uma conduta recíproca.”
Qual a diferença entre Direito Público e Direito Privado?
Existem algumas teorias a respeito das diferenças entre Direito Público e Direito Privado. Porém, convém salientar que, no entendimento de Hans Kelsen, as teorias seriam imprecisas, argumentando pela inexistência dessa diferenciação.
Isso porque, para o referido autor, tanto o Direito Privado quanto o Direito Público têm como fonte “um ato do Estado”. Além disso, Kelsen mostra que “a relação entre Estado e seus sujeitos pode ter não apenas caráter ‘público’, mas também um ‘privado’”.
Como exemplo, o doutrinador afirma que:
Na condição de proprietário, credor e devedor, o Estado é um sujeito do Direito privado, já que, nesse caso, ele está em nível de igualdade com os sujeitos com quem se encontra em relação jurídica.”
Contudo, as teorias dualistas prevalecem e, na lição de César Fiuza, podem ser divididas em teorias substancialistas e em teorias formalistas. Confira mais sobre elas!
Teorias substancialistas
A teoria dos interesses em jogo tem foco no interesse a ser tutelado. Fiuza diz que:
Se o interesse tutelado pela norma for público, a norma será de Direito Público; se for privado, a norma será de Direito Privado”.
Enquanto a teoria do fim tem foco no objetivo da norma. Com isso, Fiuza aborda que:
Se o objetivo da norma for o Estado, o Direito será Público; caso seja o particular, o Direito será o Privado”.
Teorias formalistas
A teoria do titular da ação tem por fundamento a ideia de que um direito somente é exercido por uma ação. Fiuza aponta que:
Se a iniciativa da ação couber ao Estado, o Direito será público; ao revés, se couber ao particular, o Direito será privado”.
A teoria das normas distributivas e adaptativas são distributivas as normas que visam a distribuir os bens entre os indivíduos. Neste caso, estaremos diante de normas de Direito Privado. As normas adaptativas dizem respeito a bens de impossível distribuição, como rios e ruas, por exemplo e essas serão normas de Direito Público.
A teoria das relações jurídicas é a teoria costumeiramente adotada para diferenciar o Direito Privado do Direito Público, que se divide segundo a classe de relações jurídicas tuteladas. Ou seja:
Direito Público seria aquele que traça o perfil do Estado e de seu funcionamento e cuida das relações entre as pessoas jurídicas de Direito Público e das relações entre estas e os particulares. Já o Direito Privado regula as relações entre os particulares.”
Veja também os principais aspectos e conceitos para compreensão da teoria geral do direito.
A constitucionalização do Direito Privado
Para a diferenciação entre Direito Privado e Direito Público, é importante ter em mente que o Direito é um só, de modo que suas áreas se intercomunicam e exercem influência umas nas outras a todo instante.
Exemplo disso é o movimento de constitucionalização do Direito Privado, em especial do Direito Civil, verificado com maior intensidade a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, refletindo, posteriormente, no Código Civil de 2002.
Sobre o tema, Alberto Alonso Muñoz e Ana Rita de Figueiredo Nery dizem que:
Como uma lufada de ar fresco numa doutrina constitucional estagnada, o movimento buscou conferir efetividade ao conteúdo do texto constitucional como um todo e espraiar sua primazia sobre a totalidade do direito, que agora deveria não apenas ser formalmente conforme à Constituição, mas também materialmente e, mais ainda, ser interpretado à luz do conteúdo do texto constitucional, especialmente a partir de seus princípios.”
Ainda, Maria Estela Leite Gomes relata que:
A Constituição Federal deixou de ser o estatuto da constituição – em sentido estrito – do Estado para ser também a diretriz de todas a relações, tanto as que interessam propriamente ao Estado, como as que interessam unicamente aos particulares e que, nos modelos de Estado Liberal e Social, eram reguladas pelo Código Civil.”
Por fim, Daniel Sarmento, citado por Gomes, arremata:
[…] a posição hierárquica superior da Constituição, a abertura de suas normas, e o fato de que estas, por uma deliberada escolha do constituinte, versam também sobre relações privadas, possibilitam que se conceba a Lei Maior como novo centro do Direito Privado, apto a cimentar as suas partes e a informar seu conteúdo. Ao invés de um ordenamento descentrado e fragmentado, tem-se um sistema aberto, em cujo vértice localiza-se a Constituição. A unidade do ordenamento, não apenas no sentido lógico-formal, mas também no substantivo, fica recomposta, pois a Constituição costura e alicerça todo o manancial de normas editadas pelo nada parcimonioso legislador contemporâneo.”
Como consequência desse movimento de constitucionalização do Direito Privado temos, especialmente no âmbito do Direito Civil, o chamado dirigismo contratual ou ativismo judicial, responsável por fragilizar as relações privadas e trazer indesejável insegurança jurídica.
Na lição de Luciano Timm:
Por essa abertura ao ambiente – através de ‘cláusulas gerais’ –, o modelo solidarista é caracterizado por uma maior ‘vagueza semântica’ das normas jurídicas, justamente para dar um significativo espaço normativo ao juiz, a fim de resolver os conflitos sociais cada vez mais complexos, diante de uma sociedade mais especializada e funcionalizada. É, portanto, a ‘cláusula geral’ que ensejará que as normas jurídicas não se engessem com o passar do tempo; assim, troca-se a precisão dogmática da escola da exegese e da ‘jurisprudência dos conceitos’ pela fluidez casuística das decisões judiciais implementadoras de cláusulas gerais (somente executáveis por meio da racionalidade material).”
O mesmo autor assim conclui:
Por óbvio, não se está sustentando aqui que todos os contratos sejam completos e que, por força da eficiência, os tribunais deveriam fazê-los cumprir literalmente. O que se argui é que os tribunais deveriam evitar a interpretação discricionária das cláusulas do contrato livremente entabulado, fazendo-o em nome de termos muito genéricos como a ‘justiça social’ e a ‘função social’, com a visão da justiça distributiva.”
Com o intuito de frear o dirigismo contratual, em 2019 passou a vigorar a Lei nº 13.874/19, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, operando importantes modificações no ordenamento jurídico, em especial no Código Civil.
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Ao adotarmos a teoria das relações jurídicas, podemos destacar como ramos do Direito Privado:
- Direito Civil;
- Direito Empresarial;
- Direito do Trabalho;
- Direito do Consumidor.
O Direito Civil é o ramo do Direito Privado por excelência. César Fiuza leciona que na Roma antiga não havia distinção entre os ramos de Direito como conhecemos hoje; tudo no âmbito do Direito Privado compunha o ius civile, ou seja, o Direito que regulava a sociedade romana.
Hoje, surgidos do Direito Civil, regulam a relação entre particulares o Direito do Trabalho e o Direito do Consumidor. São áreas que, diante das exigências da sociedade moderna, ganharam contornos e disciplinas próprias.
Além dessas áreas, compõe o Direito Privado o Direito Empresarial, que também bebe na fonte do Direito Civil. Inclusive, em nosso ordenamento, passou a ter livro próprio no Código Civil de 2002 (Direito de Empresa – arts. 966 a 1.195).
Quais são os princípios do Direito Privado?
César Fiuza afirma que a importância em se qualificar um ramo como sendo de Direito Privado ou de Direito Público reside na principiologia:
Os princípios que regem o Direito Público são diferentes dos que regem o Direito Privado”.
A diferença substancial reside na regra de que, no Direito Privado, tudo aquilo que não for vedado em lei é permitido. No âmbito do Direito Público, ao contrário, é permitido somente o que estiver previsto em lei.
Regem o Direito Privado os seguintes princípios:
Autonomia privada
A autonomia privada, também entendida como liberdade de contratar, é conceituada por Luciano Timm da seguinte maneira:
A autonomia privada é o poder de autorregulação de interesses concedido pelo ordenamento jurídico aos particulares, não sendo, portanto, um direito que antecederia à formação do Estado (‘direito natural’), mas, sim, um espaço privado reconhecido pela sociedade (‘direito objetivo’)”.
Rodrigo Fernandes Rebouças traz-nos três graus de autonomia privada, quais sejam:
autonomia privada máxima (interferência estatal mínima), v.g. para as relações contratuais puramente comerciais, uma autonomia privada média (interferência estatal média), v.g. para as relações contratuais puramente civis, e finalmente, uma autonomia privada mínima, v.g. para as relações contratuais puramente de consumo (interferência estatal elevada)”.
Pacta sunt servanda
A pacta sunt servanda representa a força vinculante dos pactos. É dizer, os negócios jurídicos fazem lei entre as partes.
Segundo Rebouças, decorre do princípio da autonomia privada, na medida em que as partes:
criam normas jurídicas particulares que deverão vincular as partes e reger os seus respectivos direitos, obrigações, garantias, não direitos, sujeição, imunidades e demais correlativos jurídicos”.
Boa-fé objetiva
Muito embora a boa-fé objetiva tenha ampliado o seu alcance a partir do advento da nova ordem constitucional, em especial com as previsões contidas no Código de Defesa do Consumidor (art. 4º, inciso III) e, posteriormente, no Código Civil (arts. 113, 187 e 422), tal princípio já encontrava respaldo legal no Código Comercial de 1850, o qual disciplinava em seu artigo 131:
A boa-fé objetiva traduz um padrão de comportamento voltado à cooperação entre as partes. Maria Cristina de Almeida Bacarim e Marta Rodrigues Maffeis assim definem o princípio:
Num primeiro plano, negativo e elementar, comum a qualquer negócio jurídico, podemos definir a boa-fé objetiva como um não agir com má-fé; num segundo plano, positivo, de cooperação, poderíamos defini-la como um agir de acordo com diversos deveres decorrentes do princípio do solidarismo (lealdade, cooperação, solidariedade etc.).”
Entenda a importância do princípio da boa-fé na prática da advocacia.
Livre iniciativa
Ligado ao princípio da autonomia privada, temos a livre iniciativa, consagrada como um dos fundamentos da República, nos termos do art. 1º, inciso IV, e como um dos princípios da atividade econômica, consoante artigo 170, ambos da Constituição Federal.
A livre iniciativa exerce importante função no âmbito do Direito Civil e, principalmente, no Direito Empresarial, onde se verifica maior liberdade de ação pelos particulares, considerando a pressuposição de igualdade entre as partes negociantes.
Direito de propriedade
O direito de propriedade é pressuposto de todos os princípios acima mencionados. Afinal, não havendo a proteção constitucional da propriedade (art. 5º, XXII, CF), que garante ao titular o poder de usar, gozar, usufruir, dispor ou reaver um bem particular (art. 1.228, CC), qual seria o conteúdo sobre o qual recairia, por exemplo, a autonomia privada?
Ressalte-se que o sentido de propriedade aqui empregado não se restringe à propriedade de bens imóveis, mas abrange tudo o que possa ser objeto de reivindicação, incluindo bens imóveis, bens móveis, frutos do trabalho etc.
O direito de propriedade é um direito fundamental, reconhecido como tal pela Declaração dos Direitos do Homem (arts. 2º e 17º) e pela Declaração da Virgínia (art. 1º), importantes documentos históricos.
Conheça os princípios fundamentais da Constituição Federal.
Conclusão
Este texto não tem a pretensão de esgotar o tema, considerando a sua extensão, mas objetiva demonstrar que o estudo do Direito Privado não possui relevância apenas teórica.
Resgatar suas origens desde os tempos romanos, passando pela sua evolução a partir dos ideais que surgiram com as revoluções dos séculos XVIII e XIX, e culminando nos dias atuais, influenciados pelo solidarismo, nos ajuda a compreender os institutos jurídicos presentes em nosso cotidiano.
Em qualquer ramo do Direito Privado em que o operador do Direito atue, seja no Direito Civil, no Direito do Trabalho, no Direito Empresarial ou qualquer outro que componha essa ampla área, a bagagem teórica representará um importante diferencial competitivo.
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Conheça as referências deste artigo
FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 17ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
GOMES, Maria Estela Leite. Contratos empresariais: princípios, função social e análise econômica do direito. Curitiba: Juruá, 2015.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Autonomia privada e a análise econômica do contrato. 1ª ed. São Paulo: Almedina, 2017.
TIMM, Luciano Benetti. Direito contratual brasileiro: críticas e alternativas ao solidarismo jurídico. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
TOLEDO, Armando Sérgio Prado de (coord.). Negócio Jurídico. São Paulo: Quartier Latin, 2013.
Advogado (OAB/PR 52.439). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sócio fundador da Tisi Advocacia, em Curitiba-PR, com atuação em Direito Empresarial, Direito Civil, Propriedade Intelectual e Direito Desportivo....
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