A nova Lei de Licitações trouxe modernidade e segurança jurídica para aprimorar os contratos públicos. A licitação é o procedimento utilizado pela Administração Pública para contratar com os particulares.
O estudo das contratações públicas é complexo. Envolve conhecimentos amplos do direito constitucional e do direito administrativo, mas igualmente um olhar específico para as transações econômicas entre a Administração Pública e o agente particular.
Para garantir que tais transações respeitem os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, criou-se o regime das licitações, ou seja, o conjunto de diferentes procedimentos que dá ao gestor público a autorização para celebrar contratos com os particulares, vinculando-se mutuamente em obrigações.
Por cerca de trinta anos, as licitações dos três níveis federativos foram regidas pela Lei nº 8.666/1993. Ao longo desse período, as mudanças tecnológicas e a onipresença da internet mudaram a forma como o público e o privado se relacionam e as demandas se tornaram cada vez mais urgentes. Assim foram editadas a Lei do Pregão e a Lei do Regime Diferenciado de Contratações.
O resultado foi uma colcha de retalhos normativos ainda mais complexa, insegura e de baixa eficiência.
A nova Lei de Licitações nasce dessa conhecida dor, tenta remediar a morosidade dos contratos públicos, diminuir o alto custo financeiro para todas as partes e combater as práticas de corrupção que envolvem desde superfaturamento de obras até indicações de licitantes prediletos.
Neste artigo, analisaremos as principais mudanças trazidas pela nova Lei de Licitações e como ela endereça os problemas conhecidos das contratações públicas. Confira!
O que é a nova Lei de Licitações?
Denominada nova Lei de Licitações, a Lei nº 14.133/2021 unificou e substituiu o antigo regime de contratações públicas anterior. Até então, os contratos celebrados com a Administração Pública eram regulados pela antiga Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), pela Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002) e pelo Regime Diferenciado das Contratações Públicas (Lei nº 12.462/2011).
O conjunto esparso de normas estava desatualizado, não dava conta das mudanças relacionais introduzidas pela tecnologia e contrastava com a compreensão dos Tribunais. Após anos em busca de um regime mais coeso e moderno, a nova Lei de Licitações trouxe ao Estado e à sociedade importante avanço em direção a mais celeridade, moralidade, economicidade e eficiência nas contratações públicas.
O que muda com a nova Lei de Licitações?
A nova Lei de Licitações apresenta um novo marco normativo em face das contratações públicas. Foram centenas de modificações, algumas estruturantes, como a estipulação de uma nova modalidade de licitação (o diálogo competitivo) e outras meramente gramaticais, visando mais clareza linguística.
Vamos analisar de forma mais detalhada as mais relevantes:
Modalidades de licitação
Ao unificar os três regimes das contratações comuns, do pregão e das contratações diferenciadas (RDC), a nova Lei de Licitações suprimiu três modalidades e adicionou uma nova. Foram revogadas as modalidades do convite, do RDC e da tomada de preços. Em contrapartida, adicionou-se a modalidade do diálogo competitivo. Confira as mudanças na tabela:
Modalidades | Modalidades |
Regime anterior | Nova Lei de Licitações |
Concorrência | Concorrência |
Pregão | Pregão |
Concurso | Concurso |
Leilão | Leilão |
Convite | Diálogo competitivo |
Tomada de preços | – |
RDC | – |
Como se vê, permanecem vigentes as modalidades da concorrência, do pregão, do concurso e do leilão, além da inovação do diálogo competitivo.
Concorrência
Nesse contexto, a concorrência é a modalidade de licitação para contratação de bens e serviços especiais ou de obras e serviços de engenharia, especiais ou comuns.
Trata-se da espécie padrão das licitações e que pode utilizar, para julgamento do vencedor, os critérios de menor preço, da melhor técnica ou conteúdo artístico, da técnica e preço, do maior retorno econômico ou do maior desconto.
Pregão
Por sua vez, o pregão é modalidade obrigatória para a aquisição de bens e serviços comuns, isto é, para objetos com padrões de desempenho definidos por meio de especificações objetivas de mercado.
Para seleção do vencedor, a Administração poderá utilizar apenas o menor preço ou o maior desconto. Não foram elaboradas grandes mudanças em face da antiga lei do pregão, a maior novidade é a incorporação da modalidade em uma única lei, garantindo coesão.
Concurso
O concurso é a modalidade de licitação para a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, conferindo prêmio ao vencedor.
A nova Lei de Licitações inovou ao trazer três exigências que devem estar presentes no edital: qualificação mínima dos participantes, diretrizes e formas de apresentação do trabalho, condições de realização e prêmio ou remuneração concedida.
Leilão
O objetivo do leilão não é adquirir nenhum bem ou serviço. Ao contrário, destina-se à disposição/alienação de bens da Administração ou de bens legalmente apreendidos. O particular que fizer o maior lance adquire o bem.
Diálogo competitivo
A nova Lei de Licitações causou grande discussão ao introduzir a modalidade de diálogo competitivo no seio das contratações públicas. Trata-se de procedimento que privilegia a transparência, a celebração de acordos e a equidade entre particulares e Administração, todos elementos do Direito Administrativo contemporâneo.
No diálogo competitivo, a Administração Pública pré-seleciona alguns licitantes, mediante critérios objetivos e abre diálogo entre eles, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às necessidades públicas, devendo os licitantes apresentar proposta final após o período de diálogo.
Por se tratar de mecanismo mais robusto, o art. 32 da nova Lei de Licitações elencou as hipóteses que habilitam seu uso. Assim, o diálogo competitivo é restrito a contratações que envolvam:
- Inovação tecnológica;
- Impossibilidade do órgão/entidade ter a necessidade satisfeita com base nas opções de mercado;
- Impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão pela própria Administração.
Na prática, o diálogo competitivo é aberto com uma fase de pré-seleção dos interessados, seguido de um intervalo de diálogo para que os licitantes identifiquem a melhor solução para a necessidade pública. Por fim, faz-se a fase competitiva, na qual a Administração seleciona a solução mais vantajosa e especifica os critérios para seleção do vencedor.
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Portal Nacional das Contratações Públicas
Com a criação do Portal Nacional das Contratações Públicas, a nova Lei de Licitações enfrentou o problema crônico da publicidade nas contratações públicas. Até então, quando um município publicava um edital de licitação, o fazia em seu sítio da prefeitura. O mesmo acontecia com as dezenas de entidades da administração indireta.
Como resultado, tínhamos uma infinidade de repositórios de editais, em número impossível de ser conhecido e lido. Inúmeras licitações acabam desertas simplesmente porque os licitantes não as conheciam.
Nesse cenário, a nova Lei de Licitações criou o Portal Nacional das Contratações Públicas – PNCP, sítio eletrônico oficial destinado à divulgação centralizada e obrigatória de todos os atos exigidos nas licitações.
O PNCP é gerido pelo Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas, composto por um presidente, indicado pelo Presidente da República, por três representantes da União, dois representantes dos Estados e do Distrito Federal e dois representantes dos Municípios.
Agente e comissão de contratação
A nova Lei de Licitações trouxe a figura do agente de contratação, servidor ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública responsável por conduzir o procedimento licitatório, auxiliado por uma equipe de apoio.
A ideia do legislador foi profissionalizar a atividade de licitar mediante a escolha de um agente capaz de otimizar todo o procedimento licitatório. Embora essa já fosse uma boa prática utilizada em diversas entidades públicas, a Lei 14.133/2021 positivou a atividade nos artigos 7º e seguintes.
Deu-se amplos poderes ao agente de contratação para tomar decisões, acompanhar o trâmite, dar impulso e executar quaisquer atividades necessárias ao procedimento licitatório.
Em contrapartida, proibiram-se práticas específicas consistentes em fazer ou tolerar atos que comprometam a competitividade do procedimento, que estabeleçam preferências entre os concorrentes, ou que gerem embaraço injustificado ao bom andamento da licitação, nos termos do art. 9º da nova Lei de Licitações.
Combate ao nepotismo
A nova Lei de Licitações manteve o olhar atento ao princípio administrativo da impessoalidade e avançou no combate ao nepotismo, isto é, no combate às contratações que privilegiem apadrinhados das autoridades públicas.
Nesse sentido, a Administração Pública fica impedida de nomear agente de contratação que tenha qualquer espécie de vínculo com os licitantes ou contratados habituais do órgão/entidade. A proibição é ampla e envolve vínculos familiares, colaterais até terceiro grau, de afinidade, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil, nos termos do art. 7º, III, da Lei nº14.133/2021.
Em igual sentido, não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato – direta ou indiretamente – o particular que tenha qualquer espécie de vínculo com o dirigente do órgão/entidade contratante ou com qualquer agente público que desempenhe função na licitação, conforme art. 14, IV, da nova Lei de Licitações.
Destaca-se que o contratado também fica impedido de subcontratar pessoa física ou jurídica para realizar parte da obra, do serviço ou do fornecimento de bens que tenha o vínculo caracterizador de nepotismo. A disposição relativa à subcontratação está alocada no art. 122, §3º, da nova Lei de Licitações.
Trata-se de um enorme desafio à Administração. Nos milhares de pequenos municípios do Brasil profundo, é comum que os licitantes habituais frequentem os mesmos espaços que a própria Administração, ou que tenham com seus agentes públicos vínculos afetivos e culturais, ainda que de modo inconsciente. Teremos que aguardar os novos contornos da jurisprudência dos tribunais de contas para compreender a extensão prática dessa proibição.
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Contratação direta: dispensa e inexigibilidade
Nem sempre a contratação pública é precedida de licitação. Nos casos de dispensa ou inexigibilidade, a Administração pode selecionar diretamente o particular responsável pela execução da obra, fornecimento do bem ou prestação do serviço.
Segundo o art. 75 da nova Lei de Licitações, é dispensável a licitação para contratação que envolva valores inferiores a cem mil reais nos casos de obras ou serviços de engenharia, aí incluídas as contratações de veículos automotores. Para outras compras e serviços, dá-se por dispensável a licitação para valores inferiores a R$ 50.000,00.
Nesse sentido, há uma mudança significativa entre os regimes antigo e novo no critério de preço. Na Lei 8.666/1993, a dispensa era facultada para serviços e obras de engenharia de até R$ 33.000,00 e para demais contratações de valor inferior a R$ 17.000,00.
Não somente, a nova Lei de Licitações autorizou a dispensa para recontratação em período inferior a um ano, quando do procedimento antigo não tenha havido licitantes interessados ou com preços superiores aos praticados no mercado.
Ainda, o inciso IV, do art. 75, da nova Lei de Licitações arrolou treze hipóteses de dispensa de licitação, as quais envolvem, em suma, particularidades que fogem do espaço competitivo em razão do interesse público envolvido.
A título de exemplo, tem-se a compra de componentes originais para equipamentos, quando condição indispensável para a vigência de garantia, materiais de uso das Forças Armadas e aquisição de medicamentos para tratamento de doenças raras.
As regras relativas à inexigibilidade de licitação também sofreram mudanças profundas. Na antiga Lei nº 8.666/1993, o art. 25 tinha redação ampla, valendo-se de conceitos indeterminados que dificultavam sua aplicabilidade. Os exemplos trazidos pela norma envolviam profissionais de notória especialização e artistas consagrados pela crítica especializada. Por conta disso, coube aos tribunais determinar as circunstâncias jurídicas em que se admitiria a contratação direta.
Neste contexto, a nova Lei de Licitações positivou grande parte do entendimento consolidado pela jurisprudência. O art. 74 da Lei nº 14.133/2021 manteve a ideia ampla de inexigibilidade quando inviável a competição, mas especificou os serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual.
O destaque vai para a alínea “e”, do inciso III, da Lei nº 14.133/2021. A nova Lei de Licitações dá por inexigível a licitação para contratação de advogados para o patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.
Por fim, é necessário dizer que qualquer modalidade de contratação direta – seja ela por dispensa ou inexigibilidade – demanda procedimento anterior, com a apresentação de documentos suficientes para demonstrar o risco da contratação, a estimativa de despesa com a respectiva receita, parecer jurídico e razão da escolha do contratado, como dispõe o art. 72 da nova lei.
Quando começa a valer a nova Lei de Licitações?
Em um regime inovador, a Lei nº 14.133/2021 passou a ter aplicabilidade imediata com a sua publicação, em 1º de abril de 2021. Paralelamente a isso, porém, deu-se prazo de dois anos para que as leis nº 8.666/1993, nº 10.520/2002 e nº12.462/2011 fossem revogadas, conforme art. 194, II, da nova Lei de Licitações.
Usualmente, uma lei que traga diversas alterações no mundo fático e jurídico tem sua vigência atrasada por um período de vacatio legis, isto é, de vacância normativa, em que a exigibilidade da norma fica suspensa para que todos os interessados tenham tempo de se adequar.
Assim, no intervalo de 01/04/2021 a 01/04/2023, autorizam-se licitações que sigam o regime antigo ou o regime novo, tendo a autoridade pública discricionariedade para escolher, desde que não crie um regime jurídico com a seleção de normas mescladas.
A intenção do legislador foi estabelecer um período para que os gestores públicos conheçam a nova regra e qualifiquem suas equipes.
A exceção a este regime duplo se dá apenas em relação à responsabilidade criminal. As alterações feitas pela nova Lei de Licitações no Código Penal (art. 337 e seguintes) foram imediatamente aplicadas, respeitando-se o princípio da irretroatividade da lei penal.
Leia também: Para que serve e em quais casos se aplica a sanção administrativa?
Conclusão
Com a promessa de modernizar as contratações públicas, a nova Lei de Licitações avança positivamente no cenário jurídico.
A criação da modalidade de licitação do diálogo competitivo reconhece a importância da inovação técnica e tecnológica para a Administração Pública e autoriza uma participação mais ativa do cidadão na busca de soluções eficientes para os problemas sociais.
A centralização de todos os editais de licitação abertos e encerrados no Painel Nacional de Contratações Públicas garante publicidade efetiva para os certames, elevando o grau de competitividade entre os interessados. Igualmente, prestigia a transparência de informações e facilita a fiscalização ativa pelo cidadão.
A designação de um agente de contratações também se apresenta como um oportuno avanço, na medida em que profissionaliza a burocracia estatal e qualifica equipes perenes para gerenciar licitações e dar bom andamento às disputas.
No combate à corrupção, a nova Lei de Licitações assumiu o compromisso de afastar o apadrinhamento de licitantes, reconhecendo que mesmo vínculos afetivos podem se encontrar na esfera do nepotismo.
Finalmente, as regras relativas à contratação direta elevaram a segurança jurídica entre a Administração e os particulares, garantindo que a seleção do profissional mais apto seja protegida. Ao mesmo tempo, confere a celeridade exigida para enfrentar circunstâncias excepcionais, tais como o tratamento de doenças raras.
Com tantas promessas, resta saber como a nova Lei de Licitações irá conformar o comportamento dos agentes públicos e privados. Seguiremos observando atentos a partir de 1º de abril de 2023.
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Conheça as referências deste artigo
ATIENZA, Manuel. Argumentação legislativa. São Paulo: Contracorrente, 2022.
DAL POZZO, Augusto Neves; CAMMAROSANO, Márcio; ZOCKUN, Maurício (coord.). Lei de licitações e contratos administrativos comentada: Lei 14.133/21. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2021.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Nova lei de licitações e contratos administrativos: comparada e comentada. São Paulo: Forense LV, 2022.
Spitzcovsky, Celso. Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: principais diretrizes e mudanças. São Paulo: Saraiva Jur, 2022.
ZINGALES, Luigi. Um capitalismo para o povo: reencontrando a chave da prosperidade americano. São Paulo: Bei, 2015.
Advogado (OAB 97692/PR). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná - UFPR e Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR. Sou membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED) e sócio fundador da Martinelli...
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