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InícioTítulo ICapítulo VII

Capítulo VII – Da ação rescisória

Art. 966 a 975
Comentado por Felipe Bartolomeo
14 ago 2023
Atualizado em 15 fev 2024

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I – se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II – for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III – resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV – ofender a coisa julgada;
V – violar manifestamente norma jurídica;
VI – for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII – obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII – for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado.

§ 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput , será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça:
I – nova propositura da demanda; ou
II – admissibilidade do recurso correspondente.

§ 3º A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.

§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.             (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)

§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.             (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)

I – Este inciso diz respeito à hipótese de o juiz ter atuado sem sua adequada neutralidade (imparcialidade), uma vez que teria praticado crime que influenciasse diretamente na razão que fundamentaria a decisão.

II – O juiz deve ser neutro e imparcial. Para garantir isso existem alguns princípios, como o princípio do juízo natural que impede que juízes que não possuam a atribuição específica para apreciar a demanda (formalmente incompetente) a decidam. Da mesma forma que se existir algum fato mais grave que impeça o juiz de atuar no caso, o aprecie. Estes fatos mais graves que podem interferir na neutralidade e imparcialidade do juiz estão no art. 144 do Código Civil como causas de impedimento de um juiz dirigir e julgar um processo.

III – Neste caso o que ocorre é um vício de vontade entre as partes, quando a parte vencedora age com dolo (art. 145 a 150 do Código Civil) ou coação (art. 151 a 155 do Código Civil) para com a vencida ou quando ambas as partes agem conjuntamente para fraudar a lei através da simulação ou colusão.

IV – A coisa julgada impede que outra demanda seja proposta sobre o mesmo caso (causa de pedir próxima e remota), assim, não é possível propor uma ação após o trânsito em julgado para discutir algo que já foi decidido e não cabe mais recursos. 

V – A dificuldade deste inciso decorre da valoração do conteúdo “manifestamente”, no entanto, como regra, se uma decisão violar de forma direta uma norma jurídica (regra, princípio) pode-se utilizar este dispositivo para propor ação rescisória. Destaca-se que o parágrafo quinto deste artigo expandiu a interpretação deste inciso para viabilizar a ação rescisória também contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos, isso se dá com a finalidade de estabilizar o ordenamento jurídico, com a previsibilidade o que se esperar de decisões judiciais.

VI –   Uma decisão não pode ser fundamentada em uma prova ilícita, trazendo a baila o princípio do fruto da árvore envenenada. Se a prova é ilícita, a decisão que dela se embasou perde seu fundamento, motivando a possibilidade de propor ação rescisória.

VII – O surgimento de prova nova, aquela conceituada como não era de conhecimento das partes ou que não poderia ser utilizada antes, pode ser utilizada como fundamento para a ação rescisória. Destaca-se o termo prova nova e não documento novo, de forma que pode ser utilizado qualquer meio de prova e não apenas a documental.

VIII – O conceito de erro de fato verificável está descrito no parágrafo primeiro deste artigo, de forma que se remete o leitor para a referida norma.

§ 1º – 

Dois são os requisitos para o “erro de fato verificável do exame dos autos”:

  1. considerar que um fato existiu quando não existiu ou considerar que um fato não existiu quando existiu.
  2. o fato deve ser relevante para a resolução do processo, mas o juiz não se manifestou sobre ele antes, ou seja, não decorre de um reexame de fatos.

§ 2º –

Em regra apenas é cabível ações rescisórias contra sentenças que resolvam o mérito de um processo, no entanto, excepcionalmente, é cabível a ação rescisória caso a decisão não resolva o mérito, mas impeça a propositura de uma nova ação ou impeça que um recurso seja admitido.

§ 3º –

Este parágrafo foi inserido no Código de Processo Civil para harmonizar com a ideia de decisão parcial de mérito. Assim, a ação rescisória pode ser proposta contra apenas parte de uma decisão.

§ 4º-

 Este parágrafo deixa claro que a sentença que julgar o mérito ou as exceções descritas no parágrafo segundo deste artigo é que é o objeto da ação rescisória e outros atos intrínsecos do processo devem ser anulados por meio de ação anulatória (querela nullitatis insanabilis) e não rescisória.

§ 5º-

Parágrafo comentado no próprio inciso V deste artigo.

§ 6º – 

Para que a ação rescisória seja fundamentada em súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos, o Autor deverá demonstrar que distinguishing ou seja, que o caso julgado é diverso do constante no julgamento geral, devendo ter uma consequência diferente da recebida.

 

Art. 967. Têm legitimidade para propor a ação rescisória:
I – quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular;
II – o terceiro juridicamente interessado;
III – o Ministério Público:

a) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção;
b) quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei;
c) em outros casos em que se imponha sua atuação;

IV – aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção.

Parágrafo único. Nas hipóteses do art. 178 , o Ministério Público será intimado para intervir como fiscal da ordem jurídica quando não for parte.

A legitimidade ativa para propor uma ação rescisória é restrita, ou seja, apenas as pessoas nominadas no art. 967 possuem legitimidade para propor este tipo de demanda.

Quem possui legitimidade é a própria parte que sofreu um dano decorrente da decisão, bem como seus sucessores.

Também pode propor aquele que, mesmo que não tiver sido parte, demonstre seu interesse jurídico na decisão (quem poderá suportar, ainda que indiretamente, os efeitos da decisão), ou seja, seria aquela pessoa que poderia intervir no processo como litisconsorte, assistente ou recorrer como terceiro prejudicado.

Por fim, o Ministério Público também pode propor quando deveria ter sido ouvido no processo e não o foi (quando houver interesse público ou social, interesse de incapaz ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana), quando as partes tinham como finalidade fraudar a lei através de simulação ou colusão ou, ainda, em casos que sua atuação seja necessária, como no interesse de incapazes.

Apesar de o artigo não falar nada sobre a legitimidade passiva, tem-se a obrigatoriedade de se chamar todos os participantes do processo originário.

Art. 968. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 319 , devendo o autor:
I – cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento do processo;
II – depositar a importância de cinco por cento sobre o valor da causa, que se converterá em multa caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente.

§ 1º Não se aplica o disposto no inciso II à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às suas respectivas autarquias e fundações de direito público, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e aos que tenham obtido o benefício de gratuidade da justiça.

§ 2º O depósito previsto no inciso II do caput deste artigo não será superior a 1.000 (mil) salários-mínimos.

§ 3º Além dos casos previstos no art. 330 , a petição inicial será indeferida quando não efetuado o depósito exigido pelo inciso II do caput deste artigo.

§ 4º Aplica-se à ação rescisória o disposto no art. 332 .

§ 5º Reconhecida a incompetência do tribunal para julgar a ação rescisória, o autor será intimado para emendar a petição inicial, a fim de adequar o objeto da ação rescisória, quando a decisão apontada como rescindenda:
I – não tiver apreciado o mérito e não se enquadrar na situação prevista no § 2º do art. 966 ;
II – tiver sido substituída por decisão posterior.

§ 6º Na hipótese do § 5º, após a emenda da petição inicial, será permitido ao réu complementar os fundamentos de defesa, e, em seguida, os autos serão remetidos ao tribunal competente.

O caput determina que a petição inicial deve conter todos os requisitos necessários para qualquer outra petição inicial, descrita no art. 319, no entanto, acrescenta mais dois requisitos: formal e material.

No requisito formal, faz-se necessário fazer o pedido de rescisão da decisão e, se for o caso, de novo julgamento.

Já no requisito material, faz-se necessário fazer um depósito do valor de 5% sobre o valor da causa que poderá ser convertida em multa caso a ação seja declarada inadmissível ou improcedente.

§ 1º –

A primeira ressalva quanto ao depósito diz respeito a quem não precisa depositar: entes públicos e pessoas que estiverem sob o pálio da justiça gratuita.

§ 2º – 

A segunda ressalva diz respeito ao limite financeiro do depósito, 5% com o máximo de 1000 (um mil) salários mínimos.

§ 3º – 

Como afirmado no comentário do caput o depósito do valor (para aqueles que o devem fazer) é condição de ação, sob pena de inépcia da petição inicial.

§ 4º – 

É cabível a improcedência liminar do pedido, nas ações rescisórias, quando esta contrariar enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; e enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

§ 5º –

Quando o Autor distribuir uma ação rescisória no juizo incompetente, será intimado para regularizar a competência, podendo, adequar também a petição nos quesitos descritos nos incisos deste parágafo.

O juiz de primeiro grau não possui competência para rescindir a própria decisão (diferente do que ocorre na querela nullitatis insanabilis), sendo a competência, sempre, do tribunal. Essa competência é funcional absoluta, sendo certo que o tribunal julgará as ações rescisórias tanto das decisões de primeira instância, quanto das decisões originárias do próprio tribunal.

§ 6º – 

Caso o Réu já tenha apresentado defesa e o Autor seja intimado a corrigir a petição inicial, nos termos do parágrafo anterior, o Réu poderá apresentar novas teses de defesa, antes de os autos do processo ser encaminhado para o tribunal competente.

 

 

Art. 969. A propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da decisão rescindenda, ressalvada a concessão de tutela provisória.

Em regra, a ação rescisória apenas possui efeito devolutivo (novo julgamento), não possuindo efeito suspensivo (suspensão da demanda até o julgamento final da ação rescisória).

No entanto, o Autor pode pedir tutela provisória, seja de evidência seja de urgência para que seja concedido o efeito suspensivo.

Art. 970. O relator ordenará a citação do réu, designando-lhe prazo nunca inferior a 15 (quinze) dias nem superior a 30 (trinta) dias para, querendo, apresentar resposta, ao fim do qual, com ou sem contestação, observar-se-á, no que couber, o procedimento comum.

O art. 970 deixa claro que o procedimento a ser seguido nas ações rescisórias é o comum, com duas alterações: não é contemplada (ou obrigatória) a audiência de conciliação e o prazo dado para defesa pode variar de 15 a 30 dias, em prazo dado pelo juiz através de decisão fundamentada.

Uma questão jurisprudencial/doutrinária sobre este procedimento específico diz respeito à não aplicação dos efeitos da revelia nas ações rescisórias não contestadas.

 

Art. 971. Na ação rescisória, devolvidos os autos pelo relator, a secretaria do tribunal expedirá cópias do relatório e as distribuirá entre os juízes que compuserem o órgão competente para o julgamento.

Parágrafo único. A escolha de relator recairá, sempre que possível, em juiz que não haja participado do julgamento rescindendo.

Procedimentalmente, no tribunal, a ação rescisória não possui revisor.

O Relator, que, preferencialmente, não participou do julgamento da demanda rescindenda, encaminhará os autos do processo e o relatório para a secretaria, quem expedirá cópia deste relatório para os julgadores da demanda.

Art. 972. Se os fatos alegados pelas partes dependerem de prova, o relator poderá delegar a competência ao órgão que proferiu a decisão rescindenda, fixando prazo de 1 (um) a 3 (três) meses para a devolução dos autos.

As partes têm direito a produzir todos os meios de prova lícitos, não sendo apenas a documental já juntada no processo.

Assim, caso as partes optem por produzir alguma prova relevante para o deslinde da demanda, o Relator poderá determinar que o processo seja baixado em diligência para que seja cumprido pelo juízo que proferiu a decisão rescindenda.

Art. 973. Concluída a instrução, será aberta vista ao autor e ao réu para razões finais, sucessivamente, pelo prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. Em seguida, os autos serão conclusos ao relator, procedendo-se ao julgamento pelo órgão competente.

Procedimentalmente após a fase probatória, as partes poderão apresentar alegações finais e o processo será encaminhado ao Relator para dar encaminhamento para o julgamento do processo.

Art. 974. Julgando procedente o pedido, o tribunal rescindirá a decisão, proferirá, se for o caso, novo julgamento e determinará a restituição do depósito a que se refere o inciso II do art. 968 .

Parágrafo único. Considerando, por unanimidade, inadmissível ou improcedente o pedido, o tribunal determinará a reversão, em favor do réu, da importância do depósito, sem prejuízo do disposto no § 2º do art. 82 .

O julgamento poderá ser procedente (inclusive em parte), improcedente ou inadmitido, podendo a votação ser unânime ou por maioria.

Caso o julgamento seja procedente, improcedente por maioria ou inadmitido por maioria, o valor depositado pelo Autor lhe será restituído.

Caso o julgamento seja improcedente por unanimidade ou inadmitido por unanimidade, o valor depositado será revertido para o Réu.

Importante ressaltar que se o julgamento de desconstituição da decisão for favorável, uma nova decisão poderá ser proferida (quando for o caso)

Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

§ 1º Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense.

§ 2º Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

§ 3º Nas hipóteses de simulação ou de colusão das partes, o prazo começa a contar, para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou da colusão.

Uma vez que o direito de propor ação rescisória é potestativo, o prazo de 2 (dois) anos para propositura da ação rescisória é decadencial e não prescricional e começa a correr do trânsito em julgado da última decisão do processo.

Existem duas ressalvas quanto a este prazo: 

  1. Quando o embasamento da ação for nova prova: Nesse caso, o prazo de 2 (dois) anos começa a correr da data da descoberta dessa nova prova, desde que não decorra 5 (cinco) anos a contar da data do trânsito em julgado da última decisão do processo.
  2. Quando ocorrer colusão ou simulação das partes: Neste caso o prazo também é de 2 (dois) anos a contar da data da descoberta do engodo, no entanto, não existe a limitação temporal de 5 (cinco) anos a contar do trânsito em julgado da decisão.

Importante ressaltar que o último dia do prazo decadencial para propor ação rescisória pode ser prorrogado para o primeiro dia útil subsequente ao dia não útil que eventualmente recair o termo final para a propositura da demanda.

 

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Advogado (OAB 95264/MG). Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC (2003). Pós-graduado lato sensu em Direito Processual Constitucional pelo Instituto Metodista Izabela Hendrix (2005) e em Direito, Estado e Constituição pela Jurplac (2008). Mestre em Direito Privado pela Universidade FUMEC (2018),...

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