A Lei Rouanet, oficialmente conhecida como Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei 8.313/1991), foi criada em 1991 e sancionada pelo então presidente Fernando Collor de Mello e representa uma iniciativa do Governo Federal para impulsionar e fortalecer a produção, preservação e disseminação cultural no país.
Sem dúvidas há muita desinformação sobre a Lei Rouanet circulando por aí. Contudo, o objeto deste artigo é sanar estes pontos e demonstrar o funcionamento deste importante mecanismo de incentivo à cultura.
Assim, iremos abordar justamente o funcionamento desta lei: quem pode ser beneficiado, qual o prazo, como funciona o pagamento da lei, exemplos de aplicação e as últimas mudanças.
O que é a Lei Rouanet?
Em síntese, a Lei Rouanet constitui um mecanismo de incentivo fiscal, destinado a impulsionar o apoio do setor privado à cultura. Nesse sentido, o Governo renuncia a uma parte dos impostos arrecadados de pessoas físicas ou jurídicas, permitindo que tais recursos sejam direcionados para projetos culturais que contribuam para a evolução e, em alguns casos, a transformação do contexto comunitário.
A Lei Rouanet opera por meio de incentivo fiscal, o que significa que, ao aprovar um projeto, o governo autoriza que empresas apoiadoras possam deduzir dos seus impostos os valores correspondentes aos gastos vinculados ao projeto.
Deste modo, pode-se dizer que a Lei Rouanet visa promover o apoio da iniciativa privada ao setor cultural. Basicamente, o governo renuncia a uma parte dos impostos que recebe de pessoas físicas ou jurídicas, permitindo que esses valores sejam direcionados para projetos culturais.
Como a Lei Rouanet foi criada?
Aprovada durante o mandato do então presidente Fernando Collor de Mello, a Lei Rouanet instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), estabelecendo as bases das políticas públicas para a cultura nacional naquela época.
A Lei 8.313/1991, conhecida como Lei Rouanet, é o instrumento legal federal que formalizou o incentivo à cultura, estabelecendo o Programa Nacional de Apoio à Cultura – Pronac, sob a supervisão do Ministério da Cultura – MinC.
Aprovada em 23 de dezembro de 1991, a Lei Federal de Incentivo à Cultura recebeu o nome do então Ministro da Cultura, Sérgio Paulo Rouanet, em virtude de sua autoria e liderança na sua criação.
Os primeiros artigos da lei estabeleceram as diretrizes para a cultura nacional, enfatizando o exercício dos direitos culturais e o acesso livre às fontes culturais, com foco na promoção, proteção e valorização das expressões culturais do país.
Um dos principais aspectos da Lei Rouanet é a sua política de incentivos fiscais, que permite que empresas (pessoas jurídicas) e indivíduos (pessoas físicas) destinem uma parte do Imposto de Renda devido para investimentos em atividades culturais.
Como funciona a lei Rouanet?
Os projetos passam por um fluxo que visa garantir segurança processual, jurídica e técnica. São quatro fases de avaliação técnica, desde a apresentação até a autorização para execução:
Admissibilidade
Nesta fase, avalia-se se a proposta está alinhada aos objetivos da Lei Rouanet. Uma vez aprovado, o projeto recebe autorização para captação de recursos, com os valores ainda bloqueados em uma conta especial.
Avaliação Técnica Inicial
Após atingir pelo menos 10% do valor total autorizado para captação, o proponente cultural pode ajustar o projeto. Em seguida, ele é encaminhado à instituição vinculada ao Ministério da Cultura correspondente à área específica, onde é analisado por um especialista, que emite um parecer conclusivo.
Análise pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC)
Todos os projetos são submetidos à avaliação da CNIC, que pode concordar ou discordar da análise técnica anterior. A decisão final é debatida e aprovada em colegiado.
Análise Final
A Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural revisa as recomendações da CNIC e verifica novamente a regularidade fiscal do proponente, assim como sua situação no Ministério da Cultura. Com isso concluído, é autorizado o início da execução do projeto, e os recursos captados são liberados para a conta especial, sob monitoramento do Ministério durante todo o processo de execução.
O que a Lei Rouanet beneficia?
Por meio da legislação, tanto empresas quanto pessoas físicas têm a oportunidade de patrocinar uma variedade de expressões culturais, como exposições, shows, livros, museus, galerias e outras iniciativas, podendo deduzir total ou parcialmente o valor do apoio do Imposto de Renda.
Adicionalmente, a lei desempenha um papel crucial na democratização do acesso à cultura, ao estipular que os projetos apoiados devem oferecer contrapartidas sociais. Estas incluem a distribuição gratuita de parte dos ingressos e a implementação de programas de formação e capacitação nas comunidades.
Quem tem direito à Lei Rouanet?
Para ter direito aos benefícios da Lei Rouanet, é necessário cumprir alguns requisitos. Entre os tipos de projetos apoiados estão, no geral, projetos nas áreas de artes cênicas, música, artes visuais, literatura, audiovisual, patrimônio cultural, entre outros.
Assim, com o projeto aprovado, é hora de conseguir a captação. Nesse momento, o responsável pelo projeto entrará em contato com pessoas físicas e jurídicas interessadas em apoiar a iniciativa.
Os apoiadores podem direcionar parte do valor que seria pago em seu Imposto de Renda para o apoio ao projeto, ou seja, o recurso para apoiar o projeto não sai diretamente dos cofres públicos.
Segundo a Lei Rouanet, quando o projeto consegue captar pelo menos 20% do valor necessário para sua total realização, ele pode começar a ser executado. Nesse momento, os organizadores do projeto entram em contato com fornecedores, artistas e outros profissionais essenciais para a execução da proposta. Essa fase envolve a realização do projeto propriamente dito, como a impressão de livros, a realização de apresentações teatrais, shows, entre outras atividades culturais.
As regras contemplam todas as formas de expressão artística, incluindo aquelas não previstas originalmente na Lei promulgada em 1991:
Além dessas áreas, a Instrução Normativa detalha outras manifestações culturais que podem ser incentivadas pela Lei Rouanet, tais como:
- Projeto de Arte Religiosa: envolvendo manifestações artísticas que expressam a espiritualidade, religiosidade, transcendência, sagrado e seus símbolos.
- Projeto de Cultura Afro-brasileira: englobando manifestações artísticas afro-brasileiras e expressões populares como samba, jongo, carimbó, maxixe, maculelê, maracatu, entre outras.
- Projeto de Cultura Urbana: abrangendo expressões de grupos e indivíduos que desenvolvem sua arte nas ruas, praças, bairros e espaços públicos, valorizando as periferias e criando novas formas de arte e sociabilidade, como hip-hop (DJ, MC, break, grafite), batalhas de rimas, funk e suas expressões cênicas, danças, músicas, paredões de som, sound systems, teatro, circo, dança de rua, lambe-lambe, paradas do orgulho LGBTQIA+, ballroom, estátuas vivas, slam de poesias, saraus, e outras manifestações similares.
Assim, a lei não apenas fomenta o crescimento de grandes corporações já consolidadas, mas também impulsiona micro e pequenas empresas dentro do setor da economia criativa. Esse aspecto é crucial para incentivar a inovação e o empreendedorismo no âmbito cultural.
Quanto a Lei Rouanet paga?
Todos os proponentes estão sujeitos a limites quanto à quantidade de projetos e aos valores para a realização das ações culturais.
O montante total autorizado para captação varia entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões, e a quantidade de projetos ativos é limitada entre quatro e 16, dependendo do porte da empresa. Projetos especiais, como Planos Anuais e Plurianuais, Museus e Preservação de Patrimônio, não têm limites de valor estabelecidos.
Em um estudo encomendado pelo Ministério da Cultura, que analisou dados de 53.368 projetos realizados ao longo dos últimos 27 anos, os resultados revelam que o impacto econômico total da lei na economia brasileira foi de R$ 49,8 bilhões. Entre 1993 e 2018, a lei gerou R$ 31,2 bilhões em renúncia fiscal e R$ 18,5 bilhões em gastos da cadeia produtiva para a realização dos projetos apoiados.
Em relação aos valores, com as atualizações introduzidas no último ano, estes seguem as seguintes regras:
- Aumento para R$ 25 mil por apresentação para artistas solo e modelos (anteriormente era de R$ 3 mil)
- Estabelecimento de R$ 50 mil por apresentação para grupos artísticos e bandas, excluindo orquestras
- Elevação para R$ 5 mil por apresentação para músicos (anteriormente era de R$ 3,5 mil)
- Definição de R$ 25 mil por apresentação para maestros ou regentes de orquestras (anteriormente era de R$ 15 mil).
Essas mudanças revertem as instruções normativas implementadas em fevereiro de 2022, que haviam reduzido significativamente os valores, tanto de cachês quanto de captação por empresas. Por exemplo, o limite de cachê por apresentação para artistas solo foi reduzido de até R$ 45 mil para até R$ 3 mil. No caso das empresas, o limite de captação foi reduzido de R$ 10 milhões para R$ 6 milhões.
Além disso, estudo da FGV destacou que, contrariamente à crença comum de que apenas grandes empresas ou artistas famosos se beneficiam da Lei Rouanet, 90% dos recursos oriundos das renúncias fiscais são destinados a projetos de pequeno porte, com valores inferiores a 100 mil reais. Dentre esses, 66,3% têm despesas abaixo de 25 mil reais.
Ainda de acordo com o estudo, ao longo de quase três décadas de vigência da Lei Rouanet, cada R$ 1 captado e utilizado por meio deste mecanismo, equivalente a R$ 1 de renúncia fiscal, resultou, em média, em R$ 1,59 adicionais na economia local. Em outras palavras, o estímulo à economia criativa promovido pela lei gerou um recurso final 59% maior do que o investimento inicial. Isso significa que o incentivo à cultura não apenas não representou custos, mas também gerou riquezas para a sociedade.
Entre 1993 e 2018, considerando os valores corrigidos pelo IPCA, a lei proporcionou uma renúncia fiscal total de R$ 31,22 bilhões. Esses recursos não apenas foram reintegrados à economia brasileira, mas também geraram um acréscimo de R$ 18,56 bilhões. Dessa forma, o impacto econômico total da Lei Rouanet alcançou a cifra de R$ 49,78 bilhões
O que mudou na Lei Rouanet?
Uma das grandes mudanças com o Decreto n. 11.453/2023, que dispõe sobre os mecanismos de fomento do sistema de financiamento à cultura, as grandes mudanças foram resumidas nos tópicos abaixo:
Limites e Cachês
Todos os proponentes são sujeitos a limitações quanto ao número de projetos e aos valores para a realização de ações culturais.
O montante total autorizado para captação varia entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões, e a quantidade de projetos ativos é limitada de quatro a 16, dependendo do porte da empresa.
Projetos especiais, como Planos Anuais e Plurianuais, Museus e Preservação de Patrimônio, não têm limitações de valor.
Foram estabelecidos novos limites para cachês artísticos por apresentação: R$ 25 mil para artistas solo e modelos, R$ 50 mil para grupos artísticos e bandas (exceto orquestras), R$ 5 mil por apresentação por músico, e R$ 25 mil para maestros ou regentes de orquestras.
Aprovação de Valores Superiores
Solicitações de valores acima dos definidos pela Instrução Normativa podem ser aprovadas pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), mediante justificativas apresentadas pelo proponente e pela área técnica.
Acessibilidade e Democratização
Todos os projetos devem seguir as medidas de acessibilidade previstas em lei para pessoas com mobilidade reduzida, idosos, deficiências intelectuais, auditivas e visuais, sempre que tecnicamente viável.
Devem também oferecer no mínimo 10% de ingressos ou produtos gratuitos, até 10% para patrocinadores, até 10% para divulgação promocional, 20% dos ingressos com preço máximo de 3% do salário-mínimo, e 50% para livre comercialização, desde que o valor médio não ultrapasse R$ 250,00. Todos os projetos incentivados pela Lei Rouanet e que cobram ingressos devem oferecer ações formativas para até 500 pessoas, dependendo da previsão de público do projeto, como bolsas de estudo, ensaios abertos, estágios, cursos, palestras, oficinas etc.
Monitoramento
A execução dos projetos incentivados será acompanhada eletronicamente pelo Ministério, por meio de trilhas implementadas no sistema SALIC, identificando possíveis inconsistências de execução.
Esse acompanhamento será diferenciado de acordo com o valor captado do projeto, classificando-o como pequeno (até R$ 750 mil), médio (de R$ 750 mil até R$ 5 milhões) e grande (acima de R$ 5 milhões).
Exemplos da aplicação da Lei Rouanet
Três exemplos demonstram a aplicação importante da lei. O primeiro, o programa “Escolas de Música e Cidadania“, uma iniciativa da Agência do Bem, oferece aulas de instrumentos orquestrais para crianças e jovens de comunidades de baixa renda em todo o Brasil.
Reconhecido como Tecnologia Social pelo Banco do Brasil, o projeto está em operação em sete estados brasileiros, com 34 polos educacionais distribuídos por Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas, Bahia, Ceará, Santa Catarina e Distrito Federal. Em um avanço significativo, no ano de 2023, o projeto conquistou status internacional com a inauguração de um polo na cidade de Braga, em Portugal.
O segundo, o PhotoTruck, que desde 2016 tem sido pioneiro como o primeiro caminhão de fotografia do Brasil, viajando pelo país e levando oficinas fotográficas, juntamente com uma nova perspectiva do mundo, diretamente para escolas, bibliotecas e instituições públicas.
Durante as oficinas, os participantes mergulham em uma jornada de aprendizado e diversão, explorando como as imagens são formadas e refletindo sobre temas específicos ao produzir fotos e legendas. Ao final, essas imagens ganham vida como exposições de lambes, decorando os muros da escola e compartilhando experiências visuais com toda a comunidade.
Por fim, a Bienal do Lixo, que trata-se de uma iniciativa que utiliza a arte como agente catalisador para promover uma transformação positiva na sociedade e resgatar a ideia de uma vida sem desperdícios. Este espaço singular proporciona uma fusão entre criatividade e informação, revelando o impacto de nossas ações e a responsabilidade que compartilhamos pelo futuro do nosso planeta.
Realizada em um imponente cenário ao ar livre, a Bienal desafia artistas a abraçarem uma proposta instigante: criar arte a partir do lixo, explorando técnicas inovadoras para transmitir uma reflexão estética contemporânea e crítica sobre os desafios de nosso tempo.
Conclusão
A conclusão que se retira deste artigo, é que um dos principais equívocos sobre a Lei Rouanet é a ideia de que ela retira recursos públicos que poderiam ser direcionados para áreas como saúde, educação e segurança, em prol do investimento em cultura.
Como já explicado, a lei, na verdade, apenas possibilita que pessoas físicas e jurídicas interessadas em patrocinar projetos culturais deduzam uma porcentagem do imposto de renda.
Além disso, o investimento na cultura é fundamental não apenas para o enriquecimento cultural do país, mas também para a criação de empregos, geração de renda e, consequentemente, impulsionar a economia. É importante ressaltar que não apenas o Brasil, mas diversos países desenvolvidos também possuem legislações de incentivo à cultura.
Na prática, o processo funciona da seguinte maneira: o produtor cultural submete uma proposta de evento ao ministério, solicitando apoio para sua realização. Se o projeto atender aos requisitos estabelecidos em lei, será avaliado por uma comissão técnica e, se aprovado, será incluído na lista da Lei Rouanet. No entanto, essa inclusão não garante automaticamente o patrocínio do projeto, mas sim a autorização para buscar incentivos da iniciativa privada.
Uma vez incluído, o produtor tem um prazo de um ano para angariar os recursos necessários. Para as empresas e pessoas físicas que optarem por apoiar o projeto, há a vantagem de poderem deduzir o valor destinado à ação cultural do Imposto de Renda, seja de forma total ou parcial, dependendo das características do projeto. As empresas podem deduzir até 4% do imposto devido, enquanto as pessoas físicas podem deduzir até 6%.
A aprovação de um projeto cultural pela Lei Rouanet concede autorização para a captação de recursos junto a pessoas físicas ou jurídicas.
No entanto, é importante ressaltar que a autorização para captação não garante que os recursos serão efetivamente obtidos. Muitos projetos aprovados pelo governo enfrentam dificuldades para captar os recursos necessários.
Perguntas e respostas frequentes sobre o tema
O que é a Lei Rouanet?
A Lei Rouanet é uma política pública de incentivo à cultura no Brasil, que permite a captação de recursos para projetos culturais por meio de renúncia fiscal.
Quem pode propor projetos pela Lei Rouanet?
Podem propor projetos culturais pessoas físicas, jurídicas, fundações, associações e cooperativas que atuem na área cultural.
Como cadastrar um projeto na Lei Rouanet?
O proponente deve se cadastrar no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic) e submeter o projeto para análise e aprovação do Ministério da Cultura.
Quais tipos de projetos podem ser beneficiados pela Lei Rouanet?
São apoiados projetos de artes cênicas, música, artes visuais, literatura, audiovisual, patrimônio cultural, entre outros.
Como funciona a captação de recursos?
Após a aprovação do projeto, o proponente pode captar recursos junto a pessoas físicas e jurídicas, que recebem abatimento no imposto de renda devido.
Quais são os documentos necessários para apresentar um projeto?
Documentos de identificação do proponente, descrição detalhada do projeto, orçamento, cronograma de execução e plano de distribuição dos produtos culturais.
Quanto tempo demora para um projeto ser aprovado?
O prazo para aprovação pode variar, mas geralmente leva de 3 a 6 meses, dependendo da complexidade do projeto e da demanda de análise.
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Advogado (OAB 50296/SC) na Cavallazzi, Andrey, Restanho & Araujo. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais...
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