O erro laboratorial é uma falha que pode ocorrer em qualquer etapa do processo laboratorial, desde a solicitação do exame até a comunicação dos resultados, incluindo a interpretação e a resposta apropriada.
O erro laboratorial é um problema recorrente na área médica, podendo acarretar sérias consequências para os pacientes e implica na responsabilidade civil dos laboratórios, hospitais, planos de saúde e profissionais envolvidos.
Casos de pacientes diagnosticados erroneamente com doenças graves, que depois descobrem, através de novos exames, que os resultados estavam errados, são mais comuns do que se imagina.
Por outro lado, sob a perspectiva dos laboratórios, há uma clara exposição a situações em que pacientes omitem informações, solicitam alterações nos resultados, entregam material biológico de outros pacientes e até apresentam documentos falsos.
Esse cenário complexo levanta a questão: até que ponto os laboratórios são responsabilizados sob a luz da jurisprudência atual?
Este artigo pretende explorar a responsabilidade civil dos laboratórios em casos como erros de diagnóstico e falsos positivos à luz da jurisprudência atual, evidenciando a importância de os pacientes estarem cientes de seus direitos caso sejam lesados e, por outro lado, a necessidade de implementação de um controle rigoroso e de procedimentos adequados a fim de minimizar os erros laboratoriais.
Convidamos você a ler e refletir sobre os desafios e as implicações legais deste tema crucial para a saúde pública! 😉
O que é o Erro Laboratorial?
Erro laboratorial refere-se a qualquer falha que ocorra durante o processo de realização de exames e análises clínicas em laboratórios e hospitais. Esses erros podem surgir em diversas etapas do procedimento, incluindo:
- a coleta de amostras;
- armazenamento e processamento;
- análise ou interpretação dos resultados;
- e até mesmo na comunicação ao paciente ou ao médico responsável.
Quais são as fases do erro laboratorial?
Ainda, as falhas são normalmente classificadas em três categorias:
- Pré-analíticas: Erros que ocorrem antes da análise propriamente dita, como na coleta e armazenamento inadequado de amostras.
- Analíticas: Erros que acontecem durante o processo de análise, como a utilização de reagentes vencidos ou equipamentos mal calibrados.
- Pós-analíticas: Erros que surgem após a análise, como na interpretação incorreta dos resultados ou na comunicação equivocada desses resultados ao paciente ou médico.
Quais são os tipos de erro laboratorial?
Alguns dos erros mais comuns cometidos por laboratórios na área de saúde incluem o preenchimento equivocado de informações e rotulações de tubos de coleta, o que pode levar à troca de amostras. Envolvem também a falta de esclarecimento sobre riscos e, é claro, diagnósticos incorretos e falsos positivos.
Tais falhas podem resultar em tratamentos inadequados ou mesmo na ausência e/ou demora para o início de tratamentos necessários, acarretando consequências incalculáveis para a saúde dos pacientes. Em razão disso, são passíveis de indenização e responsabilização de todos os envolvidos nos processos perante a Justiça.
Relembre o que é a responsabilidade civil:
A responsabilidade civil é o dever jurídico consequente de reparar o dano causado a terceiros, em virtude da violação de uma norma ou descumprimento de um contrato. Sua função é compensar o dano sofrido pela vítima, seja ele moral ou patrimonial.
A responsabilidade civil pode ser classificada de acordo com o fato gerador, em responsabilidade contratual ou extracontratual.
Responsabilidade Contratual
Origina-se quando há um vínculo estabelecido por meio de um contrato entre as partes envolvidas. Nesse caso, as partes têm obrigações e deveres específicos previstos no contrato, e a violação desses deveres pode levar à responsabilidade por descumprimento.
Por outro lado, a responsabilidade civil extracontratual, ocorre quando alguém causa danos a outras pessoas por meio de uma conduta que viola um dever geral de cuidado esperado.
Responsabilidade extracontratual
A responsabilidade extracontratual pode ser dividida em duas vertentes: a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva.
A responsabilidade subjetiva decorre de um dano causado por um ato doloso (com a intenção de prejudicar) ou culposo (negligência, imprudência ou imperícia) e exige a comprovação de culpa.
Já a responsabilidade objetiva não requer comprovação de culpa; o foco centra-se na relação de causa e efeito entre a ação ou atividade e o dano causado à vítima, bastando a demonstração do dano e do nexo causal.
É importante ainda distinguir as obrigações de meio e de resultado. As obrigações de meio exigem do devedor apenas a utilização de prudência e diligência para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. Em contrapartida, as obrigações de resultado demandam do devedor não apenas a realização da atividade, mas a obtenção de um resultado específico.
Qual a responsabilidade civil em casos de erros laboratoriais?
Responsabilidade dos Laboratórios
No contexto dos laboratórios, as análises clínicas são tipicamente classificadas como obrigações de resultado. Isso significa que os laboratórios são responsáveis pela exatidão dos seus exames de acordo com a doutrina e a jurisprudência, devendo garantir a precisão dos resultados, especialmente em exames mais simples, como de urina ou sangue, que se aproximam das ciências exatas.
A atividade exercida pelos laboratórios na realização de exames médicos está sujeita ao Código de Defesa do Consumidor, considerando sua condição de fornecedor de serviços. Dessa forma, a responsabilidade dos laboratórios por eventuais erros de diagnóstico é objetiva, ou seja, respondem independentemente de culpa pelos danos causados por falha na prestação do serviço.
Tal responsabilidade está disciplinada no artigo 14 do CDC:
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido consistentemente que a prestação de serviços de exames médicos configura uma obrigação de resultado, implicando em responsabilidade objetiva:
O laboratório pode afastar sua responsabilidade objetiva se comprovar, pertencendo a ele o ônus probatório, que não houve defeito na prestação de serviço ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (pessoa a ele não vinculada tecnicamente).
Contemporaneamente discute-se a aplicação da obrigação de meio quando a análise contiver risco de erro, por ser a interpretação mais delicada, como em intervenções invasivas para extração de material para biópsia. Indica-se a necessidade de perícia para elucidar o grau de complexidade do exame. No entanto, ressaltamos que esse não é o entendimento predominante.
Responsabilidade dos Planos de Saúde
Acerca da responsabilidade dos planos de saúde nos casos de erro de diagnóstico e falsos positivos, estes também respondem de forma objetiva e solidária pelos danos causados a seus beneficiários por sua rede de credenciados, visto que devem ter zelo e cuidado na escolha deles, conforme os artigos 927 e 942 do Código Civil, e artigo 25, §1º do CDC.
Essa responsabilidade solidária visa proteger os consumidores, garantindo que tenham acesso à compensação pelos danos sofridos, independentemente de quem, dentro da cadeia de prestação de serviços, foi diretamente responsável pelo erro. A operadora do plano de saúde tem o dever de supervisionar adequadamente seus credenciados e assegurar a qualidade dos serviços prestados.
Responsabilidade dos Profissionais de Saúde
A responsabilidade dos profissionais médicos, como patologistas, é regida pela exceção prevista no § 4º do art. 14 do CDC, segundo a qual “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Trata-se, portanto, de responsabilidade de natureza subjetiva, dependendo da ocorrência e comprovação de culpa latu sensu (negligência, imprudência ou imperícia) do profissional tido como causador do dano:
No entanto, se o médico causar dano ao paciente, com base no resultado incorreto da análise clínica, cometendo erro grosseiro (deixar de pedir novo exame, por exemplo, quando o resultado laboratorial for incompatível com quadro clínico), responderá pela indenização, solidariamente com o laboratório, plano de saúde e hospital envolvidos.
Ao produzir, sem qualquer ressalva, um falso resultado, o patologista responsável revela negligência, e o laboratório falha na prestação do serviço que se propôs a realizar. Tornam-se, por isso, responsáveis pela inarredável obrigação de compensar os danos morais e/ou materiais infligidos à vítima, tanto pelo agir culposo do médico quanto pela responsabilidade da pessoa jurídica.
Conclusão:
A responsabilidade civil decorrente de erros laboratoriais é um tema central no direito médico e da saúde, dada a gravidade dos impactos que esses erros podem ter na vida dos pacientes.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, os laboratórios são responsáveis objetivamente por garantir resultados precisos em seus exames, conforme reforçado pela jurisprudência do STJ, que garante aos pacientes o direito à reparação por danos morais e materiais resultantes de falhas nos serviços.
Os planos de saúde também são responsabilizados solidariamente pelos danos causados por falhas na rede de credenciados, o que permite aos consumidores buscar compensação de maneira efetiva, independentemente do responsável direto pelo erro.
Já a responsabilidade dos médicos patologistas é subjetiva e requer a demonstração de culpa para serem responsabilizados por erros de diagnóstico, como negligência, imprudência ou imperícia. Em situações graves, esses profissionais podem ser considerados solidariamente responsáveis junto aos laboratórios e outros envolvidos.
Em resumo, a complexidade da responsabilidade civil por erros laboratoriais envolve múltiplos atores e demanda a aplicação estrita das normas legais e uma supervisão rigorosa dos serviços. Isso é essencial para garantir a segurança dos pacientes e a justa reparação por eventuais danos sofridos, contribuindo para um sistema de saúde mais confiável e seguro.
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Conheça as referências deste artigo
DE CARVALHO, José Carlos Maldonado, Responsabilidade Civil Médica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Destaque, 2002, p. 35.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil dos Hospitais: Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018.
VELOSO, Genival. Direito Médico. 13. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016.
Luiz Paulo Yparraguirre é Mestre pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Pós Graduado em Advocacia Empresarial (PUC) e em Direito Médico e Hospitalar (UCAM). Membro da World Association for Medical Law (WAML). Sócio do...
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