Guarda compartilhada de animais é a responsabilização conjunta dos pais (tutores) após o divórcio ou dissolução de união estável, sobre o animal doméstico “pet” que era do casal e que passa a conviver com eles de forma compartilhada diante de seu vínculo de afeto.
O Brasil é o terceiro país do mundo em números de animais domésticos, com 149.6 milhões de “pets” em 2021 segundo o Instituto Pet Brasil, o que corresponde a quase 75% da população de pessoas (estimada em 203 milhões), número este que tem subido a cada ano.
Além desse aumento, os animais têm assumido um papel importante dentro das famílias brasileiras como membro legítimo com fortes laços de afeto, pois são capazes de sentir dor, angústia e solidão frente a seus tutores.
Entretanto, embora esses animais sejam cada vez mais importantes nos lares familiares, vez que em número, os filhos de quatro patas superam os filhos humanos, também tem sido constante a ruptura desses lares, seja pela dissolução ou divórcio. Apenas como exemplo, no ano de 2022 a cada 23 casamentos, 10 terminaram pelo divórcio.
Neste momento, portanto, além das questões relacionadas à partilha de bens deste casal, guarda dos filhos e pensão, como decidir quem fica com o “Floquinho” ou com a “Mel”?
Continue a leitura para saber mais! 😉
O que é a guarda compartilhada de animais?
A guarda (custódia) de animais dentro do direito de família nada mais é do que a definição, em um processo de divórcio ou dissolução de união estável, sobre quem ficará responsável pelo animal e onde esse animal irá residir após a ruptura daquele lar conjugal.
Essa guarda poderá ser unilateral (decidida em favor de apenas um dos tutores) ou compartilhada, em que ambos os pais ficarão responsáveis pela guarda daquele pet e terão os períodos de custódia alternados.
Em outras palavras, na guarda compartilhada serão estabelecidos direitos e deveres tanto do “pai” quanto da mãe” (ou pais ou mães) sobre a custódia daquele animal de estimação para que ambos sejam responsáveis pela sua sadia sobrevivência, vez que agora residem em casas separadas.
Qual a legislação da guarda compartilhada de animais?
Hoje em dia os animais ainda são tratados no artigo 82 do Código Civil como bens móveis, pois “suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”.
De acordo com essa previsão, o animal possui sua regulação jurídica como coisa, destinando-se a propriedade das pessoas e permitindo sua livre negociação para fins de trabalho, lazer ou alimentação, ou seja, o Código Civil ainda vigente não identifica o animal como capaz de exercer direito próprio, mas apenas como um objeto do patrimônio de seu titular.
Essa previsão influenciou a forma de discussão destes animais no passado, mas aos poucos algumas leis estaduais passaram a reconhecer os animais domésticos como sujeitos de direito, reconhecendo sua capacidade de ter sensações e constituir vínculo afetivo.
Leis estaduais
Neste sentido, o Código de Proteção dos Animais de Santa Catarina de 2003 reconhece cães e gatos como sujeitos de direito, enquanto o Código Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul de 2015 reconhece que todos os animais domésticos são capazes de sentir sensações, vedando seu tratamento jurídico como coisa.
Em recente aprovação na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, em dezembro de 2023, foi instituído o Código de Direito e Bem-Estar Animal que estabeleceu a todos os animais direito próprio e dignidade, reconhecendo suas próprias necessidades, conforme abaixo:
Leis federais
A nível federal, os primeiros Projetos de Lei apresentados (PL 7196/10 e PL 1058/11) já reconheciam os animais domésticos como seres sencientes e estabeleciam de forma ampla a definição sobre a sua guarda em um processo de divórcio ou dissolução de união estável, sendo levado em consideração o grau de afinidade entre o animal e a parte, a disponibilidade de tempo, sustento e o ambiente adequado à sua moradia.
Em outro projeto apresentado posteriormente (PL 1365/15), atribuiu-se prioridade na guarda para aquele que demonstrasse maior vínculo efetivo com o animal e maior capacidade para sua posse responsável, o que poderia ocorrer de forma unilateral ou compartilhada.
Infelizmente todos esses projetos foram arquivados, de modo que as propostas seguintes foram mais simples, buscando apenas alterar o Código Civil, mas que até o momento também não foram votadas e aprovadas.
PL 6054/19 e PL 1.806/23
Neste sentido, o PL 6054/19 busca acrescentar apenas um parágrafo ao artigo 82 do Código Civil para dispor sobre a natureza jurídica dos animais domésticos e silvestres, que passam a ser sujeitos de direito, sendo vedado o seu tratamento como coisa.
Já o PL 1806/23 busca incluir apenas um artigo no Código Civil para que na dissolução do casamento sejam observados os interesses do casal, seus filhos e dos animais, conforme abaixo:
Esses dois projetos ainda não foram votados, mas talvez percam sua importância, tendo em vista que o anteprojeto do Novo Código Civil já foi apresentado ao Senado Federal e estabelece (de forma tímida) que os animais domésticos são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria.
Portanto, ainda que não exista previsão legal a nível federal no momento, existe uma expectativa de mudança, pois há uma tendência mundial de se reconhecer os animais como seres dotados de direito, o que já existe em diversos outros países como Reino Unido, França, Portugal, Espanha e Peru.
Tem-se utilizado como base legal, além da analogia e aplicação do princípio constitucional do direito à afetividade, o Enunciado 11 do IBDFAM, que estabelece: “na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal”, mas que não é vinculante
Como funciona a guarda compartilhada de animais?
Considerando que, até o momento, não há uma previsão legal em nível federal para a custódia de animais durante processos de dissolução ou divórcio, a doutrina tem utilizado, de forma análoga, o modelo de guarda previsto para crianças e adolescentes.
Isso ocorre porque não parece correto que os animais, considerados membros da família, sejam vistos judicialmente como bens móveis em uma partilha. Impedir o contato com a outra parte causa angústia tanto para o tutor quanto para o próprio animal, que não entende a ausência de um ente querido.
Pelo princípio da dignidade da pessoa humana e reconhecendo o direito à afetividade como um motor dos laços familiares, a custódia de animais domésticos deve ser regulamentada em processos de divórcio ou dissolução. A regulamentação deve visar o melhor interesse do animal, considerando a capacidade e cuidado de seus tutores. Isso inclui a possibilidade de guarda compartilhada.
Assim como no artigo 1.583 do Código Civil, o convívio com o animal deve ser dividido de forma equilibrada entre os tutores, considerando as condições e interesses do animal. O período de convivência pode ser alternado (quinze dias com cada tutor) ou específico, como finais de semana e feriados prolongados.
Ao contrário da guarda compartilhada de filhos, instituída como regra prioritária em 2023, a guarda compartilhada de animais é mais flexível. Ela depende da configuração de afeto de cada um, visando compatibilizar o interesse do animal com o de seus tutores. Isso evita que o animal seja usado como moeda de troca para prejudicar emocionalmente o outro cônjuge.
Os animais sempre dependerão dos humanos com quem convivem. Deve existir uma manutenção na responsabilização e dever de cuidado com esses animais, que não podem ser descartados. Essa responsabilização pode ocorrer de forma compartilhada, dependendo de cada caso, incluindo eventual direito de visitas e pensão (suporte financeiro para rações e remédios, por exemplo).
Por outro lado, sem regulamentação específica, um juiz não pode determinar a guarda de um animal por conta própria. Essa determinação depende da iniciativa do casal envolvido.
Qual o posicionamento da jurisprudência atual?
A primeira manifestação do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema ocorreu por meio do Recurso Especial nº. 1713167 julgado em 2018, em que a Quarta Turma reconheceu que embora o animal de estimação não possa modificar sua natureza jurídica estabelecida pelo Código Civil, o regramento jurídico não tem se mostrado suficiente para resolver as disputas familiares envolvendo os pets, concedendo, naquele caso, o direito de visitas ao animal pela outra parte em razão do vínculo de afeto, conforme trecho abaixo:
Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado.
Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal (…).
Esse julgamento acabou por consolidar um entendimento a nível estadual que desde 2015 passou a reconhecer (a depender de cada caso) a possibilidade de definir guarda, visitas e pensão aos animais de estimação.
Direito à visitas de forma liminar
Em recentes julgados proferidos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a jurisprudência já tem admitido, inclusive, o direito à visitas de forma liminar (antes do julgamento final do processo), tendo em vista o reconhecimento da relação afetiva entre pessoas e animais de estimação, conforme abaixo:
Portanto, ainda que não exista regulamentação legal até o momento, a jurisprudência tem utilizado a analogia e reconhecido de forma majoritária o direito dos animais de estimação à guarda, visitas e pensão, sempre em um confronto com as demonstrações de afeto e capacidade de cada tutor na sua custódia responsável.
Conclusão
Embora a sociedade tenha evoluído em sua compreensão sobre os animais e seu relacionamento com os humanos, até o momento não há uma previsão legal federal reconhecendo que esses animais sejam dotados de sensações e possuam direito próprio.
Por assim dizer, por mais incoerente que seja, os animais ainda possuem a mesma proteção legal que um computador ou celular, por exemplo, em uma visão antropocêntrica destinada aos seres humanos na proteção da propriedade.
Felizmente a doutrina e jurisprudência aos poucos têm conferido uma proteção especial aos animais domésticos no direito de família, reconhecendo o vínculo afetivo com os seres humanos (seus tutores) e o caráter senciente desses pets, cujo bem estar deverá ser observado.
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Advogado desde 2010, Contador desde 2019. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento. Pós Graduado em Direito Digital. Especialista em Direito Processual Civil e Direito Constitucional. Coautor de obras e artigos jurídicos. Titular do escritório Bruno Molina Sociedade Individual de Advocacia...
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