O erro de diagnóstico ocorre quando um profissional de saúde interpreta incorretamente os sintomas e exames, levando a um diagnóstico errado do paciente. Esse erro pode decorrer de negligência, imprudência ou imperícia, sendo a responsabilidade uma obrigação de meio, que exige a comprovação de culpa para a reparação dos danos.
O erro de diagnóstico é uma das principais causas de litígios contra médicos e instituições do setor de saúde no Brasil, incluindo hospitais, clínicas e planos de saúde.
Quando ocorre, esse tipo de erro pode ter consequências devastadoras para o paciente, desde a administração de tratamentos inadequados até o agravamento irreversível do quadro clínico.
A gravidade desses equívocos levanta questões complexas sobre a responsabilidade civil dos profissionais envolvidos.
A legislação brasileira reconhece a seriedade dos danos causados por erros de diagnóstico e prevê a possibilidade de reparação por meio de ações indenizatórias. No entanto, para que o paciente tenha sucesso em um processo judicial, é essencial entender o que configura um erro de diagnóstico, como ele pode ser comprovado e quais são os prazos e as condições legais para buscar essa reparação.
Este artigo explora as situações em que o paciente pode responsabilizar o médico e as instituições de saúde, além de discutir como funcionam os processos de indenização e quais direitos os pacientes podem reivindicar.
Também analisa a responsabilidade civil dos médicos, levando em conta as nuances técnicas e jurídicas envolvidas, a fim de minimizar os riscos envolvidos no exercício da profissão.
Convidamos você a explorar este tema fundamental para a prática médica e a proteção dos direitos dos pacientes, refletindo sobre os desafios e as implicações legais que o cercam. Continue a leitura! 😉
O que é erro de diagnóstico?
Do ponto de vista técnico, o diagnóstico consiste em identificar e determinar a doença que acomete o paciente, após a realização de todas as avaliações necessárias, pois é com base nele que se define o tratamento adequado.
O erro de diagnóstico, portanto, ocorre quando o médico, ao interpretar os sintomas e exames de um paciente, chega a uma conclusão equivocada sobre sua condição de saúde.
No entanto, o diagnóstico não é uma operação matemática. Em muitos casos, alcançar o resultado correto exige uma acuidade de observação ou a disponibilidade de recursos materiais que nem todos os profissionais possuem.
Por essa razão, a responsabilidade civil médica decorrente de erro de diagnóstico é uma questão complexa, pois envolve uma análise técnica aprofundada.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência tendem a considerar que o erro de diagnóstico é, em princípio, escusável, a menos que seja manifestamente grosseiro. Assim, a responsabilidade surge se um erro de avaliação diagnóstica seria evitável por um médico prudente, atuando nas mesmas condições que o médico demandado.
Nosso Código Civil, nos arts. 168 e 961, adota plenamente a teoria da culpa em relação à responsabilidade do profissional médico. Isso significa que, havendo dano, cabe à vítima provar que o médico agiu com culpa stricto sensu para que haja responsabilização civil e consequente indenização.
A culpa pode se manifestar nas seguintes formas:
- Negligência: Falta de atenção ou cuidado necessário na avaliação dos sintomas.
- Imprudência: Ação precipitada sem as devidas precauções.
- Imperícia: Falta de conhecimento técnico ou habilidade para realizar um diagnóstico adequado.
Miguel Kfouri Neto, em seu livro Responsabilidade Civil do Médico, destaca a importância dos exames complementares para garantir a precisão do diagnóstico.
Ele exemplifica: se, em um hospital público, um paciente não realiza um ultrassom por falta de recursos e o médico, com base em informações limitadas, comete um erro diagnóstico que resulta na morte do paciente, a responsabilidade será analisada conforme a conduta médica.
Ou seja, se o médico utilizou, naquelas circunstâncias, todos os meios de que dispunha, não haverá culpa – e, por conseguinte, estará livre do dever de indenizar. O contrário ocorre, naturalmente, se o médico não utilizar todos os recursos disponíveis, para elevar o grau de certeza diagnóstica.
Como comprovar o erro de diagnóstico?
A comprovação do erro de diagnóstico é uma etapa crucial no processo indenizatório. Para obter sucesso na ação, o paciente precisa reunir todas as evidências que sustentem a alegação de que o diagnóstico incorreto resultou em danos.
Essas evidências podem incluir:
- Documentação médica: Exames, laudos e prontuários que comprovem o diagnóstico equivocado.
- Laudos e opiniões de outros médicos: A busca por uma segunda opinião é comum e pode ser uma forma eficaz de demonstrar que o diagnóstico inicial estava errado.
- Perícia Judicial: Em muitos casos, a justiça requisitará uma perícia médica para avaliar se houve de fato erro no diagnóstico e quais foram as consequências para o paciente.
A perícia médica, conduzida por um profissional imparcial nomeado pelo juiz, é uma das principais provas utilizadas no julgamento de casos de erro de diagnóstico e na responsabilização civil do médico.
Na avaliação das provas, o juiz não deve se aprofundar em métodos clínicos ou terapêuticos complexos. Em vez disso, deve adotar a mesma abordagem usada em qualquer caso de erro profissional, considerando as alegações e provas apresentadas, com ênfase nos pareceres periciais e nos depoimentos das testemunhas.
O foco do juiz nesses casos não é examinar o erro de diagnóstico em si, mas determinar se houve culpa na forma como o médico conduziu o diagnóstico.
Isso inclui verificar se o médico utilizou todos os recursos disponíveis para investigar a condição do paciente e se os remédios e tratamentos aplicados estavam de acordo com as práticas médicas estabelecidas.
A teoria da perda de uma chance: indenização em casos de diagnóstico incorreto
A teoria da perda de uma chance, desenvolvida no direito francês, permite que o paciente seja indenizado não pelo dano final, mas pela perda de uma oportunidade real de obter um resultado melhor.
Essa teoria é aplicada em casos de erro de diagnóstico, nos quais a chance de um tratamento eficaz foi perdida devido à conduta negligente do médico.
Nos tribunais brasileiros, a teoria tem sido utilizada para compensar pacientes que, por um diagnóstico errado, perderam a chance de iniciar um tratamento a tempo. A indenização considera a perda da probabilidade concreta de um desfecho mais favorável, não o resultado final em si.
Para que a teoria se aplique, a chance perdida deve ser significativa, não apenas hipotética. O valor da indenização reflete a importância dessa oportunidade perdida, avaliando a probabilidade de que o paciente teria alcançado um resultado melhor sem o erro.
Assim, a teoria da perda de uma chance reforça a responsabilidade civil, oferecendo reparação em situações em que o erro diagnóstico privou o paciente de uma oportunidade concreta de melhora.
Como funciona a indenização por erro de diagnóstico?
Quando o erro de diagnóstico é comprovado e demonstrado o nexo causal entre o erro e os danos sofridos pelo paciente, surge o direito à indenização.
A reparação pode abranger:
- Danos materiais;
- Despesas médicas;
- Perda de capacidade laborativa e outros custos decorrentes;
- Danos morais, que incluem o sofrimento emocional, a perda da qualidade de vida e outros impactos imateriais na vida do paciente.
O valor da indenização é arbitrado pelo juiz com base em uma série de critérios, como a gravidade do erro, a extensão dos danos, a repercussão na vida do paciente e o grau de culpa do profissional.
A análise é individualizada, considerando as particularidades de cada caso, para assegurar que a indenização cumpra seu papel de reparação, sem se configurar como enriquecimento sem causa.
Em situações em que o erro de diagnóstico gera sequelas permanentes ou incapacidades, o juiz pode determinar, além da indenização por danos materiais e morais, o pagamento de pensão mensal.
Essa pensão pode ser temporária, cobrindo o período de convalescença, ou vitalícia, caso o paciente fique incapacitado para o trabalho ou necessite de cuidados contínuos.
Além disso, o cálculo da indenização deve refletir não apenas o prejuízo imediato, mas também os danos futuros que podem surgir em decorrência do erro. Isso garante que o paciente seja plenamente compensado por todas as consequências do diagnóstico incorreto, assegurando justiça e proteção aos seus direitos.
Mais liberdade no dia a dia
Prazos para processos por erro de diagnóstico: o que diz a lei?
O prazo para ajuizar uma ação por erro de diagnóstico varia conforme a legislação aplicável.
No Código Civil (art. 206, §3º, V), o prazo prescricional é de três anos, contados a partir do momento em que o paciente toma conhecimento do dano e da responsabilidade do médico. Esse prazo se aplica em situações nas quais a relação entre médico e paciente não configura uma relação de consumo.
Por outro lado, quando a relação entre o paciente e o prestador de serviços médicos é regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), como em casos de atendimentos realizados por profissionais vinculados a planos de saúde, em hospitais ou clínicas privadas, o prazo é de cinco anos (art. 27 do CDC). Esse prazo começa a contar a partir da data em que o paciente toma ciência do erro e dos danos decorrentes.
O início do prazo prescricional, em ambos os casos, é baseado na “teoria da actio nata”, que estabelece que o prazo começa a correr quando o paciente descobre ou deveria ter descoberto, o erro de diagnóstico e suas consequências.
É crucial que o paciente busque orientação jurídica assim que identificar o possível erro de diagnóstico. Além de garantir que o prazo prescricional não expire, isso também é fundamental para preservar as provas necessárias para o sucesso da ação.
Com o tempo, as provas documentais podem se perder, testemunhas podem ter dificuldades em lembrar detalhes, e a realização de perícia médica pode ser prejudicada, dificultando a comprovação dos erros.
Jurisprudências sobre erro de diagnóstico:
A jurisprudência brasileira tem consolidado a responsabilidade civil em casos de erro de diagnóstico, reconhecendo o direito dos pacientes à indenização por danos materiais, morais e estéticos, além de pensão vitalícia em casos de sequelas permanentes.
A seguir, apresentamos algumas decisões que ilustram como os nossos tribunais têm tratado esse tema.
Em 2021, a 3ª turma do STJ elevou de R$ 60 mil para R$ 220 mil a indenização por danos morais e estéticos em favor de paciente que, após diagnóstico incorreto de câncer, foi submetida a uma cirurgia para a retirada das duas mamas.
Além disso, a paciente receberá uma pensão mensal de salário-mínimo. O pagamento deve ser realizado de forma solidária pelo médico responsável pelo diagnóstico, pelo hospital onde os procedimentos foram realizados, e pela operadora do plano de saúde.
O colegiado considerou o aumento da indenização adequado, levando em conta casos semelhantes já julgados pelo STJ e a situação de angústia, sofrimento e as limitações físicas que a paciente enfrentou após a cirurgia.
Outro exemplo é de um caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que manteve a condenação de uma clínica de radiologia e um médico por erro durante a realização de um exame radiológico. A falha resultou em um tratamento inadequado, agravando o quadro clínico da paciente. A condenação incluiu R$ 20 mil em danos morais e R$ 900 em danos materiais.
O tribunal destacou a necessidade de diligência e precisão técnica por parte do médico, reafirmando a responsabilidade subjetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Por fim, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance em casos de erro médico.
Em uma decisão que envolvia um tratamento inadequado de câncer, que reduziu as chances de cura do paciente, o colegiado concluiu que a perda de uma chance pode ser considerada um bem autônomo, passível de indenização.
Essa decisão sublinha a viabilidade de uma indenização proporcional quando a conduta médica priva o paciente de uma chance concreta e relevante de alcançar um resultado mais favorável.
Conclusão:
O erro de diagnóstico, embora não intencional na maioria dos casos, pode gerar consequências devastadoras para os pacientes, que se veem privados de um tratamento adequado ou submetidos a procedimentos desnecessários e arriscados.
Para esses pacientes, o sistema jurídico brasileiro oferece a possibilidade de buscar reparação pelos danos sofridos, desde que provada a culpa do profissional da saúde.
Por outro lado, é importante reconhecer que a medicina não é uma ciência exata. Os diagnósticos dependem de múltiplos fatores, incluindo a disponibilidade de recursos.
O sistema jurídico, ao aplicar a responsabilidade civil, deve sempre considerar o contexto em que o erro ocorreu, distinguindo entre uma falha humana compreensível e negligência, imprudência ou imperícia inaceitáveis.
A obrigação de meio, que rege a atuação médica, visa garantir que os médicos atuem com diligência, mas sem impor uma responsabilidade desproporcional em situações em que as limitações do caso impedem o melhor exercício da medicina.
A teoria da perda de uma chance vem complementar essa análise, permitindo a reparação em situações nas quais o erro médico retira do paciente uma oportunidade concreta de cura ou de um desfecho mais favorável.
Por fim, o desafio que se impõe ao Judiciário é equilibrar a proteção dos direitos dos pacientes com a necessidade de evitar uma sobrecarga de processos contra os profissionais e instituições de saúde, que poderiam desencorajar a prática médica.
O caminho está em uma análise justa e ponderada de cada caso, promovendo a segurança jurídica e a confiança mútua entre médicos e pacientes, elementos essenciais para um sistema de saúde eficaz e humanizado.
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Conheça as referências deste artigo
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 9 ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018.
VELOSO, Genival. Direito Médico. 13. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016.
Luiz Paulo Yparraguirre é Mestre pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Pós Graduado em Advocacia Empresarial (PUC) e em Direito Médico e Hospitalar (UCAM). Membro da World Association for Medical Law (WAML). Sócio do...
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