Os vícios de consentimento são defeitos na manifestação de vontade de quem pratica um negócio jurídico, tornando-o viciado e passível de anulação.
No âmbito do Direito Civil, a validade dos negócios jurídicos depende da livre e consciente manifestação de vontade das partes envolvidas.
Quando essa manifestação é viciada, seja por erro, dolo, coação, lesão ou estado de perigo, surge o que se denomina vício de consentimento, que pode comprometer a eficácia e a legitimidade do ato praticado.
Neste artigo irei explicar e analisar quais são as modalidades dos vícios de consentimento, suas diferenças e seus efeitos.
E também a diferença entre estes vícios e os vícios sociais de modo a oferecer uma compreensão clara para que os advogados e advogadas possam garantir a proteção das partes envolvidas em um negócio jurídico.
O que são os vícios de consentimento?
Um dos requisitos essenciais para a validade do negócio jurídico é a manifestação de vontade livre e consciente do ato que está sendo praticado.
Quando essa manifestação não se mostra livre nem consciente, ou seja, quando há um defeito na declaração de vontade de quem participa de um negócio jurídico, gerando uma aprovação defeituosa, pode-se estar diante de um vício de consentimento.
Isso porque, a vontade é uma mola propulsora dos atos e negócios jurídicos, devendo ser manifestada de forma idônea para que o ato tenha plena eficácia no mundo negocial. Na medida em que essa vontade não corresponde ao desejo de quem praticou o ato, por diversos motivos, o negócio jurídico está sujeito a nulidade ou anulação.
Quais são os tipos de vício de consentimento no Direito?
O Código Civil estabelece nos artigos 138 a 157 cinco modalidades de vícios de consentimento, quais sejam: (i) erro ou ignorância; (ii) dolo; (iii) coação; (iv) estado de perigo e; (v) lesão.
Erro ou ignorância
Erro ou ignorância é a noção falsa sobre o negócio jurídico que está sendo realizado (total ou parcial) e que seja substancial o suficiente para que pudesse ter sido percebido pela outra parte.
Este erro pode ocorrer em relação às qualidades essenciais do negócio, tais como os fatos, as pessoas, o objeto ou o direito, inclusive sobre os cálculos envolvidos. A legislação protege aquele que, se soubesse das reais circunstâncias, não teria realizado o negócio.
No entanto, exige-se que o erro seja suficientemente substancial e escusável, ou seja, que poderia ter sido cometido por qualquer pessoa em razão das circunstâncias do negócio, afastando sua aplicação por quem se arrependeu e mudou de ideia.
Exemplos incluem a doação de um valor a quem se acreditava ser seu filho, mas que descobriu não ser (erro sobre a pessoa), a aquisição de uma bicicleta elétrica que se acreditava ser uma motocicleta (erro sobre o objeto), ou ainda a realização de um empréstimo acreditando tratar-se de uma doação (erro sobre o negócio).
Dolo
Dolo, por outro lado, é um artifício utilizado por uma das partes para enganar a outra, diferenciando-se do erro por não ser espontâneo e sim provocado, induzido por uma das partes.
O dolo pode se manifestar tanto na intenção de prejudicar a outra parte (dolo malus) quanto no exagero das qualidades do negócio (dolo bonus), podendo ocorrer de forma comissiva (por ação) ou por omissão, inclusive por terceiro. Assim como no erro, deve ser substancial ou essencial ao negócio jurídico.
A diferença, neste caso, é que enquanto o erro resulta na anulação do negócio, o dolo além da anulação, impõe a quem o pratica o pagamento pelas perdas e danos decorrentes da realização do negócio.
Como exemplo, imagine a compra e venda de um terreno em que o vendedor omite a existência de invasões no imóvel (de que tinha ciência) e o comprador não sabia. Há um dolo por omissão que autoriza a anulação do negócio, além dos prejuízos causados.
Existe uma exceção, denominada de dolo acidental, que, embora tenha sido praticado, faz com que a outra parte ainda tenha interesse na manutenção do negócio jurídico, desde que por outras condições.
Um exemplo é a compra de um veículo cuja condição real é inferior àquela mencionada pelo vendedor, como o ano ou o hodômetro.
Neste caso, se o comprador ainda assim pretende concluir a compra, mas com uma redução proporcional do preço, autoriza-se a satisfação por meio das perdas e danos, conservando o negócio.
Coação
Coação, no entanto, se manifesta pela ameaça de violência física ou moral que impede a real manifestação de vontade, ou seja, aquele que pratica o ato possui tamanho medo de dano a si ou a sua família que pratica determinado negócio jurídico de forma coagida.
Essa ameaça precisa ser injusta e iminente, direcionada ao agente, seus bens ou membros de sua família e capaz de gerar medo efetivo caso não celebre aquele negócio jurídico.
Como exemplo, uma pessoa doa seus bens a terceiros por ter uma arma apontada à sua cabeça, ou vende um bem que não queria sob ameaça de ter fotos íntimas divulgadas na internet. Para além do crime que essas condutas podem gerar, o próprio ato civil pode ser anulado.
A doutrina entende, por outro lado, que no caso da violência física, a vontade deixa de existir, tornando o negócio jurídico inválido ou nulo por ausência de consentimento.
Estado de perigo
Estado de Perigo, por sua vez, se configura quando alguém assume uma obrigação excessivamente onerosa para salvar a si mesmo ou alguém de sua família de um grave dano que deve ser conhecido pela parte contrária.
Embora existam algumas semelhanças com a lesão (tratada a seguir), o estado de perigo exige, de forma concomitante: (i) o risco de dano grave à pessoa ou seus familiares, (ii) a iminência deste dano, (iii) a onerosidade excessiva da obrigação e, (iv) o conhecimento do perigo pela parte contrária.
Um claro exemplo é de um médico ou hospital que, sabendo da urgência de salvar um paciente, cobra da família um valor extremamente excessivo para operá-lo, ou ainda, alguém, ciente da necessidade de um procedimento hospitalar, aceita comprar um bem por preço vil, muito abaixo do valor de mercado para viabilizar aquele procedimento.
Lesão
Lesão, por fim, se caracteriza pela desproporção na relação negocial, em que uma pessoa se obriga desproporcional em relação à prestação de outra no negócio jurídico. Além dessa disparidade, a parte lesada precisa ser inexperiente ou estar sob premente necessidade (ou um ou outro).
Não se exige o conhecimento da parte contrária (como no estado de perigo), e o negócio poderá ser mantido, como no dolo acidental, caso a parte privilegiada aceite a redução do benefício ou adequação da prestação, revisando voluntariamente o negócio jurídico.
O Enunciado 149 da III Jornada de Direito Civil estabelece que em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a constatação da lesão deverá levar, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não sua anulação.
Portanto, embora esteja prevista a anulação do negócio jurídico, este será de forma residual caso não seja possível a adequação da desproporcionalidade.
Qual a diferença entre vício de consentimento e vício social?
Os vícios de consentimento são aqueles que maculam a vontade de uma das partes e contaminam o consentimento devido a erro, dolo, coação, lesão ou estado de perigo conforme acima já explicados.
Já os vícios sociais não afetam a vontade das partes, que permanece consciente, mas envolvem um elemento subjetivo adicional que prejudicam a sociedade como um todo, pois são praticados com o intuito de lesar terceiros, como na fraude contra credores ou na simulação.
Na fraude contra credores, prevista no artigo 158 do Código Civil também como um defeito no negócio jurídico, o devedor vende seus bens e se torna insolvente para evitar pagar seus credores.
Ou seja, pratica o negócio jurídico revestido de todas as formalidades necessárias, mas com o propósito de fraudar, evitando que seus bens sejam eventualmente penhorados e arrematados.
Nesse caso, o direito de buscar a anulação do negócio jurídico é do credor lesado, por meio de ação pauliana, no prazo de até 4 anos da celebração do negócio jurídico.
Na simulação, por outro lado, ambas as partes praticam o ato, mas com o objetivo diverso daquele declarado, como por exemplo um contrato de compra e venda sem o pagamento do preço (que na verdade seria uma doação) e que acarreta a nulidade do negócio (e não sua anulação).
Como provar o vício de consentimento?
A legislação atual não estabelece limites para a produção de prova dos vícios de consentimento, de modo que qualquer meio idôneo pode ser utilizado, como documentos, gravações, e-mails, conversas de whatsapp, testemunhas, recibos, ofertas, dentre outros.
Entretanto, esta comprovação deve ser realizada por quem alega o vício e o conjunto probatório deve ser robusto o suficiente para que um negócio jurídico seja anulado, pois o vício não pode ser presumido.
Além disso, tratando-se de um negócio jurídico celebrado por partes maiores e capazes, a comprovação do vício deverá ser clara e sem sombra de dúvidas, sob pena de aplicação do princípio da conservação dos contratos, que se baseia na autonomia das partes, na utilidade econômica e na função social dos contratos.
O que diz o artigo 104 do Código Civil?
O artigo 104 do Código Civil estabelece os requisitos mínimos para que um negócio jurídico seja válido, quais sejam: (i) agente capaz; (ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável e; (iii) forma prescrita ou não defesa em lei.
Por agente capaz, entende-se aquele que tenha discernimento e aptidão para praticar os atos da vida civil. Ou seja, aqueles que tenham atingido a capacidade pela idade (maior de 18 anos) ou pela emancipação (conforme condições previstas no artigo 5º do Código Civil) e não sejam considerados relativamente incapazes pelo artigo 4º do Código Civil.
Com relação ao objeto, o negócio jurídico não pode ter como conteúdo um objeto proibido ou impossível, ou seja, não se pode vender um órgão humano (pois é crime, objeto ilícito), nem comprar um pedaço da lua (negócio, por ora, impossível).
Este objeto também precisa ser determinado (específico) ou determinável, como no caso de entrega futura de alguns bens à escolha do credor.
Por fim, sobre a forma prescrita ou não proibida em lei, embora o Código Civil permita a informalidade dos negócios jurídicos, exige que para alguns casos e em razão de sua natureza, este negócio só se tornará válido se observar o modo de sua realização previsto em lei, como no caso da compra e venda de bens imóveis em que se exige a celebração por escritura pública.
Sem a presença concomitante desses três requisitos tem-se que o negócio jurídico não possui validade, sendo nulo de pleno direito conforme estabelece o artigo 166 do Código Civil:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
Quais vícios podem tornar nulo o contrato?
Todos os vícios do consentimento tornam o contrato anulável, ou seja, deve ser arguido judicialmente pela parte prejudicada, no prazo de até quatro anos da celebração do negócio,
A exceção ocorre no caso da coação, cujo prazo inicia-se com o término da coação.
Neste sentido se posicionou o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
Ainda sobre a coação, a doutrina também sustenta que o contrato seria nulo (e não anulável) em caso de coação física, vez que a vontade como um elemento de validade do contrato não existiria.
A fraude contra credores, embora seja um vício social também enseja a anulação, cujo prazo de quatro anos contados da celebração do negócio deve ser arguido pelo credor prejudicado enquanto na simulação absoluta o contrato será nulo, pois não corresponde à realidade do acordo das partes, sendo um vício irremediável.
Conclusão
A análise dos vícios de consentimento é fundamental para a manutenção da ordem jurídica e para a proteção dos interesses das partes envolvidas em um negócio jurídico. O Código Civil Brasileiro, por meio dos artigos 138 a 157, regula as modalidades de vícios de consentimento, estabelecendo as condições para a anulação dos negócios jurídicos que envolvem erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão.
Embora o Código Civil tenha regulado as condições que tornam um negócio anulável ou nulo, a interpretação doutrinária e a aplicação jurisprudencial desses vícios de consentimento devem sempre ser feitas com cuidado, buscando assegurar que a parte prejudicada tenha sua vontade respeitada e que os contratos sejam mantidos, sempre que possível, na sua regularidade.
Por fim, a prova do vício de consentimento deve ser robusta e clara, considerando os meios legais de prova para que o negócio jurídico, quando eivado de vício, seja adequado ou anulado de acordo com as circunstâncias. Essencial, portanto, a atuação do advogado na utilização das ferramentas necessárias para a revisão ou anulação dos negócios viciados.
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Conheça as referências deste artigo
CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2ª Ed. São Paulo: Método, 2012.
VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil. 12ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012. V.1.
Advogado desde 2010, Contador desde 2019. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento. Pós Graduado em Direito Digital. Especialista em Direito Processual Civil e Direito Constitucional. Coautor de obras e artigos jurídicos. Titular do escritório Bruno Molina Sociedade Individual de Advocacia...
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