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Avaliação biopsicossocial: o que é e desafios na garantia dos direitos das pessoas com deficiência

21 fev 2025
Artigo atualizado 21 fev 2025
21 fev 2025
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Avaliação biopsicossocial é um método multidimensional utilizado para analisar as condições de saúde e funcionalidade de um indivíduo, considerando aspectos biológicos, psicológicos e sociais. 

A avaliação biopsicossocial representa um avanço essencial na garantia dos direitos das pessoas com deficiência. Diferente do modelo estritamente médico, ela incorpora fatores psicológicos, sociais e ambientais na aferição da funcionalidade do indivíduo.

No Brasil, sua implementação é respaldada por importantes normativas, como a Constituição Federal, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). Essa legislação determina uma abordagem interdisciplinar na avaliação da deficiência, assegurando um processo mais abrangente e equitativo.

Apesar dos avanços normativos e do crescente reconhecimento da importância desse modelo, sua aplicação prática ainda enfrenta desafios consideráveis. Entre os principais obstáculos, destacam-se a falta de padronização, a aplicação inadequada dos índices de funcionalidade e a carência de capacitação dos profissionais envolvidos.

Além disso, a ausência de um sistema unificado acarreta burocracia excessiva. Como consequência, a pessoa com deficiência muitas vezes precisa passar por múltiplas avaliações para acessar direitos garantidos pela legislação.

O que é avaliação biopsicossocial?

A avaliação biopsicossocial é um método que analisa a funcionalidade de uma pessoa com deficiência considerando não apenas aspectos médicos, mas também fatores psicológicos, sociais e ambientais.

Diferente do modelo tradicional, que foca exclusivamente no diagnóstico clínico, essa abordagem busca compreender de maneira ampla as barreiras e facilidades que influenciam a vida do indivíduo.

Esse modelo se baseia na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, sua adoção foi reforçada pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015).

A legislação determina a necessidade de uma avaliação interdisciplinar e individualizada, garantindo um processo mais justo e eficiente na concessão de direitos e benefícios às pessoas com deficiência.

Evolução histórica e fundamentos legais:

A avaliação da deficiência no Brasil reflete uma ampliação progressiva das perspectivas, acompanhando as transformações no conceito de deficiência e na proteção dos direitos fundamentais. Durante décadas, o país adotou um modelo essencialmente biomédico, que restringia a análise da deficiência a diagnósticos clínicos e limitações corporais

Com o avanço das discussões sobre inclusão e acessibilidade, tornou-se evidente a necessidade de uma abordagem mais abrangente, culminando na adoção do modelo biopsicossocial, que considera fatores sociais, ambientais e psicológicos na avaliação da funcionalidade do indivíduo.

A mudança de paradigma foi impulsionada pela ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2008, com status de emenda constitucional. Esse tratado consolidou o entendimento de que a deficiência não é apenas uma condição médica, mas um fenômeno que resulta da interação entre impedimentos individuais e barreiras sociais.

O compromisso internacional assumido pelo Brasil exigiu reformas normativas e institucionais para assegurar a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência. Em resposta, foi desenvolvido o Índice de Funcionalidade Brasil (IF-Br), inspirado na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Criado em 2011 e atualizado em 2018 (IFBrM), esse instrumento visava estabelecer critérios objetivos para a avaliação da deficiência, incorporando também elementos sociais e ambientais. No entanto, sua implementação enfrentou desafios, como a falta de uniformidade na aplicação e dificuldades operacionais nos órgãos públicos responsáveis pela execução.

O marco principal na consolidação da avaliação biopsicossocial no Brasil foi a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), Lei n. 13.146/2015, que estabelece em seu artigo 2º, §1º:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (…)
§1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I – Os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II – Os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III – a limitação do desempenho de atividades; e IV – A restrição de participação. (grifo nosso)

Essa legislação impôs um novo modelo de análise, afastando a exclusividade do critério médico e reforçando a necessidade de uma abordagem mais humanizada e contextualizada.

Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM):

Apesar dos avanços proporcionados pela criação do Índice de Funcionalidade Brasil (IF-Br), sua aplicação prática revelou diversas limitações, tornando necessária sua reformulação. 

Como resposta a essas dificuldades, em 2018 foi publicada uma versão aprimorada, denominada Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM), que trouxe avanços na avaliação da funcionalidade da pessoa com deficiência. 

Esse modelo foi desenvolvido para avaliar não apenas os impedimentos físicos ou clínicos do indivíduo, mas também as barreiras e os facilitadores sociais e ambientais que influenciam sua participação na sociedade. A estrutura do IFBrM é composta por sete domínios principais, que analisam diferentes dimensões da vida da pessoa:

  • Aprendizagem e Aplicação de Conhecimento avalia a capacidade de adquirir, reter e aplicar informações;
  • Comunicação– examina as habilidades de receber e transmitir mensagens;
  • Mobilidade considera a capacidade de mover-se e deslocar-se em diferentes ambientes;
  • Cuidados Pessoais refere-se à habilidade de realizar atividades diárias de autocuidado;
  • Vida Doméstica – avalia a capacidade de gerenciar o lar e realizar tarefas domésticas;
  • Educação, Trabalho e Vida Econômica – analisa a participação em atividades educacionais e laborais;
  • Relações e Interações Interpessoais, Vida Comunitária, Social, Cultural e Política – examina a capacidade de estabelecer relacionamentos e participar ativamente na comunidade.

Cada domínio é analisado por um conjunto com mais de 40 questões específicas, permitindo uma avaliação detalhada da funcionalidade do indivíduo. A pontuação final varia de 25 a 100 pontos, sendo que pontuações mais baixas indicam maior grau de deficiência e necessidade de apoio. 

Dessa forma, o IFBrM não apenas classifica a presença da deficiência, mas também permite aferir diferentes graus de severidade, influenciando diretamente o acesso a benefícios previdenciários, assistenciais e outras políticas públicas.

Principais áreas de aplicação da avaliação biopsicossocial no Direito

Atualmente, a avaliação biopsicossocial desempenha um papel fundamental na efetivação de direitos, sendo utilizada em diferentes contextos jurídicos e administrativos. 

Seus principais campos de aplicação no direito incluem:

Benefícios Previdenciários

Concessão de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS).

Incapacidade Laboral em Demandas Trabalhistas 

Avaliação de doenças ocupacionais, acidentes de trabalho e análise da capacidade funcional do trabalhador para fins de readaptação ou aposentadoria especial.  

Direito das pessoas com deficiência

Enquadramento legal e acesso a políticas públicas conforme o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015). 

Direito de Família

Aplicável em casos que envolvem regime de convivência e guarda de filhos, pensão alimentícia, violência doméstica e familiar, capacidade civil e curatela, entre outros. 

Processos por Erro Médico e Indenizatórios 

Identificação dos impactos de sequelas funcionais na qualidade de vida do indivíduo.

Saúde Mental e Direitos Sociais 

Avaliação da funcionalidade em casos de transtornos psiquiátricos, como depressão e transtornos, especialmente para fins de previdência, curatela ou concessão de benefícios assistenciais.

Quem são os profissionais responsáveis pela avaliação biopsicossocial?

Por sua natureza multidimensional, a avaliação biopsicossocial exige a participação de uma equipe interdisciplinar, composta por profissionais que analisam diferentes aspectos da funcionalidade do indivíduo, tais como:

  • Médicos Peritos avaliam a condição clínica e sua repercussão na funcionalidade;
  • Psicólogos identificam os impactos emocionais e cognitivos;
  • Assistentes Sociais – analisam fatores socioeconômicos e ambientais;
  • Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais avaliam limitações físicas e a capacidade de realizar atividades diárias. 

A correta aplicação da avaliação biopsicossocial é essencial para garantir o acesso a direitos fundamentais e impedir a exclusão de pessoas com deficiência de benefícios e políticas públicas. Para assegurar um sistema justo e efetivo, torna-se indispensável a adoção de critérios técnicos claros, a capacitação especializada dos peritos e a implementação de um modelo unificado de avaliação. 

Contestação judicial da avaliação biopsicossocial:

A avaliação biopsicossocial não é um ato imutável e pode ser contestada judicialmente quando houver equívocos, omissões ou incongruências em sua realização. A impugnação pode ocorrer tanto na fase administrativa (quando a avaliação é feita para concessão de benefícios previdenciários ou assistenciais) quanto na esfera judicial, nos processos em que dependam de perícia técnica.

O Código de Processo Civil (CPC) garante às partes o direito de impugnar perícias quando houver erros materiais, omissão de elementos essenciais, incompatibilidade entre o laudo e os fatos do processo, ou ainda quando o perito não possuir a qualificação necessária para análise do caso. 

O artigo 473 do CPC estabelece que o laudo pericial deve ser claro, preciso e fundamentado, permitindo às partes seu exame crítico e eventual contestação. Já o artigo 480 do CPC permite que o juiz determine nova perícia se considerar que a avaliação inicial é insuficiente para a resolução controvérsia.

Entre as principais estratégias para contestação da avaliação biopsicossocial, destacam-se:

Impugnação do laudo pericial 

A defesa pode alegar falta de fundamentação, aplicação errônea dos critérios legais ou desconsideração de fatores biopsicossociais relevantes.

Apresentação de laudos complementares

Relatórios emitidos por outros especialistas, como psicólogos, assistentes sociais e fisioterapeutas, podem demonstrar deficiências na avaliação oficial;

Provas documentais e testemunhais 

Exames médicos, relatórios de empregadores e testemunhos sobre a real funcionalidade do indivíduo podem ser utilizados para reforçar a contestação.

Requisição de nova perícia 

O juízo pode determinar a realização de nova avaliação, especialmente quando houver dúvida fundamentada sobre a veracidade ou completude do laudo pericial original. 

A correta aplicação da avaliação biopsicossocial é fundamental para garantir a justiça na concessão de benefícios e direitos. Dessa forma, a possibilidade de impugnação e reavaliação representa um mecanismo essencial de controle, evitando decisões equivocadas e assegurando maior segurança jurídica.

Desafios na implementação da avaliação biopsicossocial

Apesar dos avanços normativos e da criação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM), a implementação da avaliação biopsicossocial no Brasil permanece inconsistente e fragmentada, enfrentando desafios que comprometem sua efetividade e a garantia dos direitos das pessoas com deficiência. 

O primeiro grande obstáculo reside na aplicação inadequada ou parcial do modelo biopsicossocial. Embora a legislação exija a consideração de fatores médicos, psicológicos, sociais e ambientais, na prática, a avaliação muitas vezes ainda é predominantemente reducionista e centrada no aspecto clínico.

Além disso, há uma falta significativa de capacitação dos profissionais responsáveis pela avaliação, o que compromete a uniformidade dos critérios aplicados. 

O volume de trabalho em relação ao número de profissionais e a carência de treinamento adequado para médicos peritos, assistentes sociais e psicológicos faz com que muitos utilizem critérios subjetivos e divergentes, resultando em decisões contraditórias e, muitas vezes, injustas. 

A ausência de formação contínua também perpetua praticas avaliativas ultrapassadas. 

Outro desafio crítico é a inexistência de um cadastro nacional unificado para a avaliação da deficiência. 

Atualmente, as pessoas com deficiência precisam se submeter a múltiplas avaliações em diferentes órgãos – como INSS, Receita Federal e administrações estaduais e municipais -, enfrentando retrabalho, burocracia excessiva e decisões conflitantes. Essa falta de integração não apenas desperdiça recursos públicos, como também prejudica os beneficiários.

Por fim, destaca-se a morosidade na implementação de uma ferramenta nacional unificada de avaliação, conforme previsto na LBI. Desde 2015, sucessivos governos formaram grupos de trabalho para desenvolver um modelo padronizado, porém, até o momento, nenhuma solução definitiva foi implementada. 

A ausência de um instrumento consolidado gera insegurança jurídica e favorece a perpetuação das desigualdades, prejudicando milhões de brasileiros que dependem das avaliações para acessar seus direitos. 

Novas iniciativas e perspectivas futuras da avaliação biopsicossocial:

Reconhecendo os desafios existentes, o governo brasileiro instituiu, por meio do Decreto n. 11.487, um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) responsável pelo desenvolvimento do Sistema Nacional de Avaliação Unificada da Deficiência (SISNADEF). 

O objetivo é padronizar o processo avaliativo, assegurando sua conformidade com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI – Lei n. 13.146/2015).

O SISNADEF busca eliminar a fragmentação das avaliações, garantindo uniformidade na concessão de benefícios e direitos. Entre as principais diretrizes do projeto, destacam-se:  

  • Capacitação profissional – formação contínua de avaliadores para garantir maior precisão e padronização das avaliações/perícias;
  • Cadastro nacional unificado – substituição das múltiplas avaliações por um registro único válido para todas as esferas governamentais;
  • Uso de tecnologia assistiva – digitalização do processo avaliativo para torná-lo mais acessível e eficiente;
  • Monitoramento e fiscalização – implementação de mecanismos de controle para evitar distorções e garantir a correta aplicação da avaliação.

Embora a proposta represente um avanço, sua efetividade dependerá de regulamentações adicionais e da superação de desafios como a capacitação técnica dos profissionais e a adaptação dos órgãos responsáveis. Caso seja implementado conforme planejado, o SISNADEF poderá reduzir burocracias e assegurar maior equidade no acesso aos direitos das pessoas com deficiência.

Conclusões:

A avaliação biopsicossocial da deficiência representa um marco na efetivação dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil, consolidando uma abordagem que transcende o modelo médico tradicional e incorpora fatores sociais, ambientais e psicológicos. 

No entanto, sua implementação ainda enfrenta desafios significativos, como a falta de padronização, a capacitação insuficiente e a multiplicidade de avaliações exigidas, o que compromete a eficiência do modelo e, em muitos casos, resulta na negação de direitos fundamentais.

A criação do Sistema Nacional de Avaliação Unificada da Deficiência (SISNADEF) representa um avanço promissor na busca por um modelo avaliativo mais justo e acessível, contribuindo para reduzir barreiras burocráticas e garantir maior equidade na concessão de benefícios e no acesso a políticas públicas. 

Para que essa iniciativa seja bem-sucedida, é essencial que os órgãos governamentais, a sociedade civil e os especialistas atuem conjuntamente na fiscalização e aprimoramento desse sistema, garantindo sua aplicação conforme a legislação de inclusão.

Além de sua relevância no âmbito administrativo, a avaliação biopsicossocial tem se consolidado como um instrumento fundamental no campo jurídico, sendo frequentemente utilizada em processos trabalhistas, previdenciários, de família e de saúde. 

Dessa forma, o domínio dessa temática torna-se imprescindível para advogados e demais operadores do direito, assegurando que as pessoas com deficiência tenham suas garantias legais plenamente respeitadas e possam exercer sua cidadania de forma plena. 

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Conheça as referências deste artigo

DUGACSEK, Bruno Vilar; COSTA, José Ricardo Caetano. A perícia biopsicossocial enquanto técnica multidisciplinar adequada para a proteção do grupo familiar vulnerável. Revista Brasileira de Direito Social – RBDS, Belo Horizonte, v. 7, n. 2, p. 161-174, 2024.


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Luiz Paulo Yparraguirre é Mestre pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Pós Graduado em Advocacia Empresarial (PUC) e em Direito Médico e Hospitalar (UCAM). Membro da World Association for Medical Law (WAML). Sócio do...

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