O direito real de habitação é um direito que outorga ao cônjuge sobrevivente, a possibilidade de residir gratuitamente no imóvel do cônjuge falecido, independentemente da concordância dos herdeiros, desde que esta seja sua única moradia.
Imagine perder seu parceiro de vida e, em meio ao luto, descobrir que sua própria moradia está em risco. É neste cenário que o direito real de habitação emerge como um farol de esperança – ou uma fonte de conflitos.
Este instituto jurídico, aparentemente simples, esconde uma teia de complexidades que desafiam advogados, juízes e famílias em todo o Brasil.
Neste artigo, mergulhamos no direito real de habitação, desvendando suas nuances, controvérsias e impactos reais na vida das pessoas.
A partir de casos judiciais, exploraremos como este direito equilibra – ou desequilibra – as relações familiares em momentos de vulnerabilidade.
Seja você um profissional do direito, um estudante ou alguém preocupado com o futuro de sua família, este texto oferece insights valiosos sobre um direito que, mais cedo ou mais tarde, irá te afetar.
Continue a leitura!
O que é o direito real de habitação?
O direito real de habitação é um instituto jurídico vinculado diretamente com direitos de propriedade e de herança. Basicamente, ele garante ao beneficiário o direito de habitar gratuitamente a residência alheia, não podendo alugar nem emprestar a terceiros, limitando-se a viver com sua família.
O direito está previsto no art. 1.414 do Código Civil. Embora seja possível atribuí-lo a qualquer imóvel e seus ocupantes, seu uso típico é direcionado à cônjuges sobreviventes que seguem vivendo no imóvel do cônjuge falecido.
Justamente por seu uso, o art. 1.831 do Código Civil Brasileiro que dispõe que:
Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Como se vê, a importância deste direito reside na proteção da moradia em um momento de vulnerabilidade emocional e, muitas vezes, financeira. Ele assegura que o sobrevivente não seja obrigado a deixar sua residência após a perda do parceiro, proporcionando estabilidade e segurança.
Este direito representa uma evolução significativa na proteção do núcleo familiar, reconhecendo a importância da continuidade do lar para o cônjuge ou companheiro sobrevivente, independentemente de sua participação na herança ou do regime de bens do casamento. Inclusive, o beneficiário pode não ter nenhum direito hereditário.
Quem tem direito a esse benefício?
O direito real de habitação é concedido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, independentemente do regime de bens adotado no casamento ou na união estável.
É importante notar que o direito independe da condição financeira do sobrevivente, tampouco do regime de bens adotado e sua posição na partilha. Inclusive, não é necessário que o sobrevivente seja herdeiro do falecido.
Por outro lado, para que o companheiro em união estável tenha acesso a esse direito, é crucial que esta esteja declarada, ou se possa comprovar a existência da união em juízo.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiteradamente confirmado esse direito, inclusive em casos onde há disputa com outros herdeiros. Por exemplo, no REsp 1.203.144-RS, o STJ afirmou que:
A companheira supérstite tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do falecido onde residia o casal”.
O entendimento levou em consideração que, muitas vezes, é o próprio direito real de habitação que viabiliza o uso da função social do imóvel, que permanece sendo utilizado mesmo diante de disputas judiciais que acarretaria, de outro lado, no abandono do imóvel
Requisitos para a concessão do direito real de habilitação:
Apesar de estar intimamente vinculado com o seu ocupante, a habitação é um direito real, ou seja, está inscrito no imóvel, não na pessoa. Já falamos das particularidades dos direitos reais em outros artigos.
Assim, o direito real de habitação vai emanar no imóvel quando: o imóvel for a moradia de uma família e seja o único imóvel residencial disponível na herança do titular.
Ou seja, há direito real de habitação sobre imóveis de veraneio, comerciais ou de investimento, tampouco no imóvel residencial quando haja uma pluralidade de outras residências.
No que tange aos aspectos subjetivos (das pessoas envolvidas), há que ocorrer o falecimento do titular do imóvel. Não há direito real de habitação de pessoa viva, ainda que esta tenha abandonado o lar em situação de divórcio.
Por sua vez, o beneficiário do imóvel não deve ser proprietário exclusivo de outros imóveis. Essa condição não decorre da lei, mas da jurisprudência do STJ (REsp 1.520.294/SP). Neste caso, a corte decidiu que o Direito Real de Habitação não deve ser concedido quando o cônjuge ou companheiro sobrevivente já possui imóvel residencial próprio.
A lógica por trás dessa interpretação é que o direito real de habitação visa proteger o direito à moradia do sobrevivente. Se este já possui um imóvel residencial próprio, presume-se que sua necessidade de moradia já está assegurada.
Alguns juristas argumentam que essa interpretação pode ser restritiva demais, especialmente em casos onde o imóvel próprio do sobrevivente não é adequado para moradia (por exemplo, está localizado em outra cidade ou é significativamente menor que a residência do casal).
Outra questão relevante é o momento em que o sobrevivente adquiriu o imóvel próprio. Se a aquisição ocorreu após o falecimento do cônjuge ou companheiro, alguns tribunais têm entendido que isso não afeta o direito real de habitação já constituído.
Seja como for, geralmente, cabe aos herdeiros que se opõem ao Direito Real de Habitação provar que o sobrevivente possui outro imóvel residencial adequado.
Benefícios do direito real de habitação:
O direito real de habitação proporciona uma série de benefícios cruciais ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, oferecendo um porto seguro em um momento de profunda vulnerabilidade emocional e, frequentemente, financeira.
A garantia de moradia é, sem dúvida, o benefício mais evidente e impactante. O beneficiário tem assegurado o direito de continuar residindo no imóvel que servia de lar para o casal, mantendo seu ambiente familiar e rotina. Esta garantia é particularmente significativa para idosos, que podem enfrentar dificuldades consideráveis ao se adaptar a uma nova residência.
A gratuidade é outro aspecto fundamental deste direito. O titular não precisa arcar com o pagamento de aluguel ou qualquer outra forma de compensação aos outros herdeiros pelo uso do imóvel.
Isso representa uma economia financeira substancial, especialmente em casos onde o sobrevivente possui renda limitada.
Além disso, a vitaliciedade do direito proporciona uma segurança a longo prazo, persistindo até o falecimento do beneficiário. Não há um prazo determinado para deixar o imóvel, o que evita pressões indesejadas dos herdeiros para a desocupação.
A proteção contra a alienação é outro benefício crucial. Os herdeiros ficam impedidos de vender ou alugar o imóvel sem o consentimento do titular do direito real de habitação. Essa salvaguarda previne que o beneficiário seja forçado a deixar sua residência contra sua vontade, proporcionando uma camada adicional de segurança.
O direito real de habitação também contribui para a manutenção do padrão de vida do sobrevivente, permitindo que este mantenha, em certa medida, as condições de vida que tinha antes do falecimento do parceiro. Isso se estende além do aspecto material, proporcionando também uma importante segurança emocional.
A permanência no lar familiar pode oferecer conforto emocional significativo, facilitando o processo de luto e a adaptação à nova realidade.
Um ponto crucial é a independência da vontade dos herdeiros. O direito é assegurado por lei, não dependendo da concordância dos outros herdeiros para ser exercido. Isso protege o sobrevivente contra possíveis pressões familiares, evitando que seja coagido a deixar o imóvel em favor de outros herdeiros.
É importante ressaltar que, embora o direito real de habitação ofereça esses benefícios significativos, ele também impõe certas responsabilidades ao titular. Estas incluem a conservação adequada do imóvel e o pagamento de despesas ordinárias, como IPTU e taxas de condomínio. Essas obrigações asseguram que o benefício não se torne um ônus injusto para os demais herdeiros.
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Posse de outros bens no patrimônio do titular:
A presença de outros bens no patrimônio pessoal do cônjuge ou companheiro sobrevivente é um aspecto que frequentemente gera dúvidas quando se trata do direito real de habitação.
É crucial entender que a posse de bens não residenciais, como terrenos, veículos, investimentos financeiros ou imóveis comerciais não afeta o direito real de habitação. Estes bens são vistos como distintos da questão da moradia, que é o foco principal da proteção legal.
Lembre-se que a condição financeira do titular não é relevante, a priori. Se é garantido o direito real de habitação para o cônjuge sem renda e patrimônio, o mesmo se dá àquele com riquezas não residenciais.
No entanto, há que se afastar o abuso. A título de exemplo, imagine um cônjuge que, sabendo que seu companheiro está em condição terminal, passa a liquidar seu patrimônio exclusivo imobiliário a fim de se beneficiar do direito real de habitação.
Neste caso, há flagrante abuso de direito e a interdição ao direito real de habitação em nada irá impactar nas condições de moradia do cônjuge sobrevivente.
É importante ressaltar que o direito real de habitação não impede a partilha do imóvel entre os herdeiros. O que ocorre é uma limitação ao uso e à disposição do bem enquanto o direito estiver em vigor.
Os herdeiros continuam sendo proprietários de suas respectivas frações do imóvel, mas não podem utilizá-lo ou vendê-lo sem o consentimento do titular do direito real de habitação.
Os herdeiros não podem cobrar aluguel?
O direito real de habitação estabelece uma situação peculiar no contexto sucessório.
Quando concedido, este direito garante ao cônjuge ou companheiro sobrevivente o uso gratuito do imóvel que servia de residência ao casal, sem a necessidade de pagar aluguel ou qualquer outra forma de compensação aos demais herdeiros.
Esta gratuidade é um dos pilares fundamentais deste instituto jurídico, visando proteger o sobrevivente em um momento de vulnerabilidade emocional e, muitas vezes, financeira.
A proibição de cobrança de aluguel neste caso específico contrasta significativamente com outras situações comuns em processos de herança. Em cenários onde não há direito real de habitação, é bastante frequente que herdeiros cobrem aluguel entre si quando um deles ocupa um imóvel pertencente ao espólio ou de propriedade comum dos herdeiros.
Por exemplo, considere uma situação onde três irmãos herdam uma casa de seus pais falecidos. Se um dos irmãos decidir morar na casa enquanto o processo de inventário está em andamento, é comum que os outros dois irmãos solicitem o pagamento de aluguel proporcional às suas partes na herança.
Esta prática é baseada no princípio de que cada herdeiro tem direito aos frutos de sua parte na herança, e o uso exclusivo por um deles pode ser visto como uma forma de enriquecimento sem causa.
A diferença de tratamento entre estas situações e o direito real de habitação é notável. No caso do direito real de habitação, a lei cria uma exceção explícita à regra geral de compensação pelo uso de bens comuns. Esta exceção é justificada pela natureza protetiva do instituto, que visa garantir a continuidade do lar familiar para o cônjuge ou companheiro sobrevivente.
É importante notar que, mesmo nos casos de direito real de habitação, o beneficiário geralmente fica responsável pelas despesas ordinárias relacionadas ao imóvel, como impostos, taxas de condomínio e manutenção básica. Estas obrigações asseguram que o benefício não se torne um ônus excessivo para os demais herdeiros.
Em suma, a proibição de cobrança de aluguel no contexto do direito real de habitação é uma característica distintiva deste instituto, que o diferencia significativamente de outras situações sucessórias.
Esta distinção ressalta a natureza especial e protetiva do direito real de habitação, equilibrando os interesses patrimoniais dos herdeiros com a necessidade de garantir estabilidade e segurança ao sobrevivente em um momento de transição e vulnerabilidade.
Direito real de habitação no divórcio:
O direito real de habitação é um instituto jurídico específico do direito sucessório que não encontra aplicação em casos de divórcio. Esta distinção é fundamental para compreender a natureza e o propósito deste direito, bem como as diferentes abordagens legais para situações de falecimento e separação conjugal.
O direito real de habitação, conforme previsto no artigo 1.831 do Código Civil brasileiro, é uma proteção legal concedida ao cônjuge ou companheiro sobrevivente após o falecimento de seu parceiro.
Em contraste, o divórcio é um processo de dissolução do vínculo matrimonial entre pessoas vivas, regido pelo direito de família.
É importante notar que, mesmo em casos onde há um acordo no divórcio para que um dos cônjuges permaneça no imóvel, isso não se configura como um direito real de habitação no sentido legal.
Trata-se de um acordo privado entre as partes, que pode ser revisto ou modificado posteriormente, diferentemente do direito real de habitação que, uma vez estabelecido após o falecimento, tem caráter mais permanente.
O direito real é um direito absoluto?
O direito real de habitação, embora seja uma importante proteção legal para o cônjuge ou companheiro sobrevivente, não é um direito absoluto.
A mitigação do direito se manifesta de diversas formas, começando pelas próprias limitações estabelecidas em lei. O Código Civil brasileiro, por exemplo, estipula que o direito se aplica apenas ao imóvel destinado à residência da família, e somente se este for o único bem de natureza residencial a ser inventariado.
Além disso, embora seja considerado vitalício em princípio, o direito pode ser extinto por várias razões, demonstrando sua natureza condicional.
Uma das situações que evidenciam a relatividade deste direito ocorre quando o imóvel em questão era de propriedade conjunta do falecido com terceiros antes do casamento ou união estável.
Nestes casos, o direito real de habitação incide apenas sobre a parte que pertencia ao falecido, não podendo afetar a fração de propriedade de terceiros. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nesse sentido, reafirmando que o direito não pode se sobrepor a direitos de propriedade preexistentes.
Outro aspecto que demonstra a não absolutidade deste direito é a possibilidade de sua extinção em certas circunstâncias. Por exemplo, alguns tribunais têm entendido que o direito se extingue se o beneficiário contrair novo casamento ou estabelecer união estável. Esta interpretação baseia-se na ideia de que a formação de uma nova família alteraria significativamente a situação que justificou a concessão inicial do direito.
A utilização efetiva do imóvel como residência pelo beneficiário também é um fator considerado. Se o titular do direito deixa de utilizar o imóvel como sua moradia habitual, o direito pode ser questionado e potencialmente extinto. Isso porque o propósito fundamental do direito real de habitação é garantir a continuidade da moradia do sobrevivente no lar familiar, e não simplesmente conceder-lhe um benefício patrimonial.
Situações excepcionais, como a necessidade de venda do imóvel para pagamento de dívidas do espólio, também podem afetar o direito real de habitação. Nestes casos, desde que haja concordância do beneficiário, o direito pode ser suprimido em favor de interesses mais prementes relacionados à administração do espólio.
É importante notar que o beneficiário do direito real de habitação não está isento de responsabilidades. Geralmente, ele fica encarregado das despesas ordinárias relacionadas ao imóvel, como o pagamento de impostos, taxas de condomínio e custos de manutenção básica.
Esta atribuição de responsabilidades reforça a ideia de que o direito, embora protetivo, não é absoluto ou livre de obrigações.
Ademais, a possibilidade de renúncia voluntária por parte do beneficiário evidencia a natureza disponível deste direito. O titular pode optar por abrir mão dessa proteção legal, seja por razões pessoais ou em favor de arranjos alternativos com os demais herdeiros.
Conclusão:
O direito real de habitação, consagrado no artigo 1.831 do Código Civil brasileiro, representa uma importante proteção jurídica ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, garantindo-lhe o direito de continuar residindo no imóvel que servia de lar para o casal.
Esta garantia, fundamentada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção à moradia, reflete o reconhecimento do legislador quanto à importância da estabilidade habitacional no momento de vulnerabilidade que sucede a perda de um cônjuge ou companheiro.
Tecnicamente, o direito real de habitação se caracteriza como um direito real sobre coisa alheia, gratuito, de caráter personalíssimo e, em princípio, vitalício.
Um ponto de consenso técnico importante é que o direito real de habitação não confere propriedade ao beneficiário, mas sim um direito de uso específico e limitado. Isso implica que o beneficiário não pode alugar, emprestar ou modificar substancialmente o imóvel sem o consentimento dos proprietários.
A doutrina e a jurisprudência também convergem no entendimento de que o direito real de habitação deve ser interpretado à luz do princípio da função social da propriedade. Isso significa que, embora proteja o sobrevivente, não pode ser exercido de forma abusiva ou em detrimento injustificado dos direitos dos demais herdeiros.
A aplicação deste instituto requer, portanto, uma análise técnica rigorosa, considerando não apenas a letra da lei, mas também os princípios constitucionais, a jurisprudência consolidada e as especificidades de cada situação familiar.
O desafio contínuo para os tribunais e estudiosos do direito é manter a eficácia protetiva do direito real de habitação, enquanto se adapta às mudanças sociais e às novas configurações familiares, sempre em busca de soluções que respeitem a dignidade e os direitos de todos os envolvidos no processo sucessório.
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Conheça as referências deste artigo
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 2020.
FIÚZA, César. Direito Civil: Teoria Geral dos Direitos Reais. Belo Horizonte: Del Rey, 2019.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Saraiva, 2017.
Advogado (OAB 97692/PR). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná - UFPR e Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR. Sou membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED) e sócio fundador da Martinelli...
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