O direito sistêmico é compreendido como a aplicação das leis sistêmicas e das Constelações Familiares de Bert Hellinger ao Direito. O seu conhecimento vem trazendo mudanças profundas na atuação dos profissionais da área, consubstanciadas tanto nas técnicas empregadas, quanto, principalmente, na própria compreensão dos conflitos e abordagem com os clientes.
Mas o que exatamente significa essa aplicação das leis sistêmicas? Como surgiu o direito sistêmico e o que são as leis sistêmicas? Quais são as mudanças práticas que observamos na abordagem dos profissionais que atuam sob essa ótica e como podemos utilizar esse conhecimento no nosso dia a dia?
A solução está dentro do próprio problema. É o problema que nos força a encontrar uma solução. E quando não estamos abertos a procurar nossas soluções, vamos continuar a transferir os problemas para outras relações. Todo conflito é um presente.” (Bert Hellinger)
Neste artigo, traremos uma visão geral dos conceitos e aplicação do direito sistêmico, assim como exemplos de utilização prática dessa abordagem. Ainda, particularmente, pretendo agregar algumas perspectivas pessoais acerca da mudança de paradigma e das respostas que o direito sistêmico trouxe não só para minha atuação profissional, mas para minha maneira de ver as coisas de forma geral.
O que é direito sistêmico?
No contexto aqui abordado, a expressão “direito sistêmico” refere-se ao conceito criado pelo juiz Sami Storch, decorrente da análise do Direito sob uma ótica baseada no conhecimento das constelações familiares de Bert Hellinger.
A aplicação dessa metodologia terapêutica possibilitou uma nova abordagem ao Direito, focada na compreensão dos fatores que influenciam o comportamento humano e dos fatos que dão origem aos conflitos.
A proposta do Direito Sistêmico envolve:
- Compreender a origem do conflito ou determinado comportamento;
- Buscar novas possibilidades na resolução de conflitos;
- Trazer percepção e liberação de padrões e crenças limitantes;
- Equilibrar o sistema trazendo nova ordem;
- Ampliar a consciência sobre os papéis de cada um.
Para isso, vê-se cada indivíduo como parte de um sistema maior, seja ele o sistema familiar, empresarial ou social, entre outros, compreendendo-se sistema como “um grupo de pessoas ligadas entre si por um destino comum e relações recíprocas, onde cada membro impacta e exerce influência sobre os demais”, segundo o livro Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal.
Entende-se, portanto, que cada indivíduo desempenha um papel nesse sistema atuando em conformidade com leis que, segundo Bert Hellinger, regem todas as relações humanas e que, quando não observadas, resultam em desequilíbrios que atuam nas mais diversas esferas da nossa vida (nos sistemas familiares, nos coletivos e nas relações a eles inerentes).
Quais são as leis sistêmicas?
Essas leis são as chamadas leis sistêmicas, ou conforme designadas por Bert Hellinger, as “Ordens do Amor”, e compõem um corpo de premissas compreendidas como ordens reguladoras das relações humanas.
Pertencimento
Todos fazem parte de um sistema e nenhum membro pode ser excluído, desrespeitado ou não honrado. Para Bert Hellinger:
Pertencer à nossa família é nossa necessidade básica. Esse vínculo é o nosso desejo mais profundo. A necessidade de pertencer a ela vai além até mesmo da nossa necessidade de sobreviver.”
Um caso clássico de exclusão ocorre entre casais divorciados, que passam a falar mal um do outro para os filhos. Essa postura é extremamente danosa para as crianças e pode gerar danos profundos.
A advocacia sistêmica nos casos de família traz às partes a consciência da importância do respeito e inclusão do ex companheiro, sem se olvidar da defesa do direito de cada um, mas igualmente sem insuflar brigas ou acreditar que uma parte é vítima e a outra deve ser excluída ou condenada.
Bert Hellinger destaca que uma boa separação ocorre com a ajuda ao casal na tristeza. Deixa-se que os dois vejam de novo o começo e o amor bem profundo que tiveram, e como lhes dói a separação. A dor não suprime a separação, mas depois não existirão mais censuras. Então há respeito, e o casal, embora tenha se separado, fica unido como pais de seus filhos.
Ordem ou hierarquia
Quem chega primeiro no sistema tem precedência sobre os que vêm depois. Por exemplo, os sócios fundadores têm prioridade sobre os demais; os pais têm precedência sobre filhos, assim como os irmãos mais velhos sobre os mais novos.
Muitas vezes, em casos de dissolução societária ou conflitos empresariais, constatamos a inversão da ordem internamente no sistema empresarial, e também no sistema familiar de origem do envolvidos. Não raro, uma pessoa que não respeita o próprio pai, igualmente não conseguirá obter respeito de seus subordinados.
Equilíbrio entre o dar e o tomar
Deve haver uma troca igualitária entre o dar e o tomar nas relações para que haja equilíbrio.
O que dá e o que recebe conhecem a paz se o dar e o receber forem equivalentes. Nós nos sentimos credores quando damos algo a alguém e devedores quando recebemos. O equilíbrio entre crédito e débito é fundamental nos relacionamentos.
Bert Hellinger
Exceção à essa regra encontra-se na relação de pais e filhos, uma vez que os pais dão a vida aos filhos e estes não têm como dar algo equivalente em retorno, podendo tão somente serem gratos, tomá-la como lhes foi dada e fazer algo de bom com ela.
Desta forma, o olhar da inteligência sistêmica e o objetivo maior das chamadas constelações familiares direciona-se a diagnosticar e, ao máximo possível, organizar e realinhar referidos desequilíbrios.
Como surgiu o direito sistêmico?
Bert Hellinger, nascido em 1925, estudou Filosofia, Teologia e Pedagogia. Ele trabalhou 16 anos como membro de uma ordem de missionários católicos com os Zulus na África. Depois, tornou-se psicanalista e desenvolveu a sua própria abordagem de Constelação Familiar.
A terapia das constelações familiares tem por base a experiência de várias ciências e metodologias com as quais Bert Hellinger teve contato, entre elas o pensamento sistêmico (Gregory Bateson), análise do script (Eric Berne), terapia primal (Arthur Janov), psicodrama (Jakob Moreno), reconstrução familiar (Virgínia Satir), terapia familiar (Ruth McClenton e Lês Kadis), teoria dos campos morfogenéticos (Rupert Sheldrake), análise transacional e vários processos de hipnose terapêutica.
Além disso, a experiência de Hellinger com as tribos Zulus também lhe forneceu grande auxílio e base para o desenvolvimento de seu trabalho.
O direito sistêmico nasce com a prática proposta pelo Juiz Sami Storch, que convidando as partes dos processos nos quais atuava para participarem de vivências de constelações familiares obteve resultados impressionantes, reconhecidos nacionalmente pelo Conselho Nacional de Justiça (com índices de acordo que chegaram a 100% em situações em que as duas partes compareceram às vivências).
Como se vê, o direito sistêmico não se trata de um método alternativo de solução de conflitos, mas uma mudança de paradigma na forma em que encaramos e nos colocamos perante eles.
Sua abordagem pode ser utilizada nas mais diversas áreas do Direito e em qualquer fase do conflito. É possível utilizá-la no âmbito consultivo, na elaboração de contratos e como base para compreensão e fixação de acordos, quanto no âmbito de gestão e solução de conflitos, quer seja numa fase pré-processual, quer concomitante ao próprio andamento de um processo judicial.
Consultivo
- elaboração de contratos;
- definição de termos de acordo.
Contencioso
- pré-processual;
- concomitantemente ao processo judicial.
O uso das constelações familiares na Justiça está alinhado à Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destinada a estimular práticas que proporcionam tratamento adequado dos conflitos, assim como ao novo Código de Processo Civil, que estimula medidas que promovam o apaziguamento entre opostos.
Hoje, o direito sistêmico encontra-se cada vez mais presente na prática judicial e da advocacia, tendo-se expandido para todos os Estados brasileiros e estando presente em comissões da OAB regionais, estaduais e nacional.
Viva com liberdade
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Aproveitar desconto *Confira o regulamentoComo aplicar a constelação familiar na advocacia?
A aplicação das leis sistêmicas na advocacia pode ocorrer de várias formas.
Muito mais do que simplesmente fazer uso da Constelação Familiar, o direito sistêmico engloba:
- o reconhecimento do indivíduo como parte de um sistema;
- a inclusão de todo esse sistema no trabalho individual; e
- acima de tudo a postura, a ser internalizada pelo profissional, de olhar para o cliente sem julgamentos ou expectativas e, portanto, sem se colocar como salvador, mas sim atuando com respeito às escolhas de vida do indivíduo e tudo que vem junto com essas escolhas.
Os instrumentos que usamos estão na postura sistêmica que mantemos nos casos que recebemos; passam por perguntas que convidam o cliente a refletir, se questionar e compreender sobre o conflito e sua situação e os desdobramentos que ele espera obter; e até a realização de exercícios sistêmicos e constelações individuais ou em grupo.
Vejamos cada um desses aspectos:
Postura sistêmica
Ocorre mediante a consciência e o respeito às leis sistêmicas. O advogado sistêmico atua buscando desvendar eventuais desequilíbrios no sistema que tenham culminado no conflito, fazendo isso sem qualquer tipo de julgamento. Constituem bases para essa postura:
- Não julgamento;
- Estado de presença e empatia;
- Escuta ativa – percepção do essencial;
- Percepção fenomenológica e ampliada;
- Comunicação não violenta;
- Estar a serviço da Lei e da Vida;
- Olhar para todas as partes envolvidas na relação jurídica.
A mudança de postura do advogado já imprime significativa mudança nas relações com os clientes. Ao vê-los como responsáveis pelos seus próprios destinos e colocarmo-nos à serviço do sistema do cliente como um todo, sem julgar ou pretender mudar nada, damos ao cliente a força para assumir os rumos de sua vida.
Dinâmicas e exercícios sistêmicos
Há, ainda, a possibilidade da realização de dinâmicas e exercícios sistêmicos, que seriam visualizações e perguntas que ajudem o cliente a compreender a origem do problema e encontrar soluções.
Como exemplo prático, cito o caso de uma cliente que havia ganhado o processo de guarda. Porém, o pai da criança se recusava a entregá-la à mãe, assim como a filha dizia preferir ficar com o pai.
Mediante conversas e colocação de perguntas para investigar o sentimento da cliente, foi possível identificar que ela culpava a sua própria mãe por não ter cuidado dela como gostaria. Dessa forma, inconscientemente, ao julgar e acusar a mãe por amor, ela igualmente não se permitia exercer o seu papel de mãe de sua filha.
Ao reconhecer isso, a cliente pôde ver a sua responsabilidade na história, passou a ter uma postura mais próxima e cuidadosa e abriu-se o caminho para pacificação não só entre a cliente e sua filha, mas também com a sua própria mãe.
Constelação familiar
A constelação familiar pode ocorrer tanto individualmente quanto em grupo, podendo ser realizada com a presença das duas partes envolvidas num conflito ou com apenas uma das partes, servindo a constelação para trazer consciência dos padrões de comportamento envolvidos e das responsabilidades de cada parte, assim como para verificar a melhor solução aplicável ao caso.
Na constelação individual, o constelador trabalha com o cliente mediante a utilização de bonecos e cartas. Já na constelação em grupo, o cliente escolhe pessoas desconhecidas e que, normalmente, nada sabem a respeito da questão que será constelada, para representarem papéis.
Essas pessoas, ainda sem ter conhecimento do que estão representando, dirão o que sentem e farão os movimentos que sentirem compelidos a fazer (aproximando-se ou afastando-se de outras pessoas do grupo).
Com esses movimentos, podendo haver interferência de perguntas ou pedido para que os representantes pronunciem frases de alinhamento, encontra-se a solução para os desequilíbrios e “emaranhados” que se mostrarem.
Aplicação da constelação familiar no direito sistêmico
Sobre a aplicação das constelações familiares, algumas observações se fazem necessárias:
- Não é psicoterapia;
- Não tem cunho religioso;
- Não se confronta com a necessidade de responsabilização (imposição de pena);
- Pode ser aplicada em qualquer âmbito do relacionamento humano; e
- Foi incluída como prática integrativa no SUS (Portaria nº 702 de 21/03/2018).
No direito sistêmico, a constelação pode ser feita tanto pelo advogado que tiver formação como constelador, quanto por um terapeuta independente. É muito importante destacar a responsabilidade envolvida ao constelar-se o caso de um cliente.
Muito embora tenhamos o entendimento de ser benéfica a propagação do conhecimento do direito sistêmico e o aumento que se vê na quantidade de profissionais do Direito obtendo formação como consteladores, não podemos deixar de ressaltar nosso entendimento de que as constelações devem ser acompanhadas por profissionais experientes e ser conduzidas com a devida seriedade e consciência do grau de responsabilidade necessário.
Uma observação importante é que encontra-se em andamento o Projeto de Lei (PL 9444/2017), que veda o constelador, pelo prazo de um ano contado do término de sua atuação, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes.
O direito sistêmico pode ser aplicado em todas as áreas do Direito.
Não obstante seu início e força motora tenha se dado no direito de família, verificamos os resultados positivos de sua prática nas relações empresariais, direito das sucessões, direito penal, relações civis em geral, direito do trabalho e Previdenciário, entre outros.
Benefícios do direito sistêmico
O direito sistêmico possibilitou uma nova abordagem ao Direito, uma focada na compreensão dos fatores que influenciam o comportamento humano. A prática do direito sistêmico permite avaliar de forma estratégica as raízes do conflito e as perspectivas de solução.
Com ela, é possível:
- realizar um diagnóstico da situação,
- trazer à luz da consciência os vínculos, relações, emoções e papéis que estão em jogo sem ser devidamente reconhecidos,
- ver quais implicações inconscientes funcionam estão atuando; e
- chegar-se a uma solução, já que os princípios de direito sistêmico permitem intervir de forma rápida e eficiente incluindo, equilibrando e ordenando o sistema a partir de exclusões, desequilíbrios e desordens descobertos.
Desta forma, tem-se de forma muito palpável a possibilidade de destravar pacificamente situações que de outra maneira perdurariam e se aprofundariam com o tempo, conforme os estudos de Cristina Llaguno.
Sua proposta engloba encontrar a verdadeira solução dos conflitos, que não se coloca como a vitória de uma parte sobre a outra, mas sim abrange todo o sistema envolvido no conflito e a compreensão da interdependência dos indivíduos.
Também do advogado retira-se o peso de solucionar o conflito, permitindo que seja um ajudante na busca pela harmonização, cura e equilíbrio das relações.
Nas palavras de Bianca Pizzatto de Carvalho no livro Pensamento Sistêmico:
Estar a serviço da pacificação social é estar conectado à verdadeira natureza da advocacia (…) como diz Bert Hellinger, muitas vezes a boa solução é difícil, pois nos faz perder a importância.”
Conclusão
Há, hoje em dia, um consenso de que o sistema judiciário brasileiro precisa de uma mudança. A cultura do litígio em que vivemos vem perpetuando uma atuação jurídica que reproduz insatisfações para todas as partes, nos questiona quanto à real efetividade da Justiça e não contribui para a pacificação das relações.
A base para essa nova atuação jurídica é o olhar sistêmico das relações que permite ao operador do Direito ir além da aplicação pura e simples da lei, ampliando a percepção para a inclusão de todos os envolvidos e melhor compreensão das dinâmicas ocultas nos conflitos.
Essa é a compreensão que o direito sistêmico permite que façamos, colaborando assim para a busca de uma solução cooperativa e pacífica dos conflitos.
Ainda que o fundamento do direito sistêmico esteja na aplicação das constelações familiares ao Direito, a atuação do advogado sistêmico não deve se limitar – assim como não se condiciona – à realização das constelações.
Trata-se muito mais de uma consciência e postura que deve ser adotada em todas as etapas, analisando se nossa atuação enquanto advogados está colaborando para facilitar a solução ou se, ao contrário, estamos intensificando o conflito.
A postura sistêmica exige do advogado um estado de presença livre de julgamento e, sobretudo ausente de intenção de salvar o cliente, independente do resultado que emergir. Essa postura não só confere força e devolve ao cliente o poder sobre sua vida, como também libera o advogado, que funciona como facilitador do processo e não como salvador do cliente.
Embora sua aplicação seja recente, os resultados que vêm sendo alcançados pela aplicação do direito sistêmico nas mais diversas áreas da advocacia confirmam a sua importância, especialmente pela possibilidade colaborar para que o Direito seja um verdadeiro instrumento de pacificação social e harmonização das relações.
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Advogada sistêmica (OAB 220928/SP). Bacharela em Direito pela FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas. Especialista em Direito Ambiental (USP), Direito do Consumidor (COGEAE PUC SP), Processo Civil (Damásio), Responsabilidade Civil (FGV), Arbitragem Internacional (American University WCL), Mediação (Instituto Them) e Direito...
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Boas leituras!
Texto ótimo parabéns e muito elucidativo.
Oi, Gabriela! Que bom que você gostou do conteúdo.
Agradecemos a sua visita e esperamos te ver mais vezes por aqui 😉
Texto muito bom.