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O papel de operadores do Direito na judicialização da saúde no Brasil

O papel de operadores do Direito na judicialização da saúde no Brasil

6 ago 2020
Artigo atualizado 22 jun 2023
6 ago 2020
ìcone Relógio Artigo atualizado 22 jun 2023
A judicialização da saúde é a necessidade de buscar junto do poder Judiciário uma demanda em relação à saúde que foi anteriormente negada, seja um tratamento, um medicamento ou até mesmo leito hospitalar. É última alternativa para garantir a efetivação da prerrogativa constitucional de direito à saúde (Art. 196 - CF).

O tema é de extrema importância e vem ganhando destaque na medida em que a necessidade que, se não tratado, pode acarretar consequências prejudiciais aos cidadãos. 

Isso porque, como citado acima, a judicialização deve ser a última escolha. Mas, se o Judiciário de intervenção do Poder Judiciário na saúde pública se mostra cada vez mais comum, fato também não estiver apto, como serão efetivados os direitos dos indivíduos?

Nesse texto vamos entender essa e outras questões envolvendo a da judicialização da saúde no Brasil: seu histórico, porque as demandas aumentam cada vez mais, porque devemos discutir esse tema e qual é a grande preocupação em relação ao crescimento do fenômeno.

O que é a judicialização da saúde?

Quando um paciente tem indicação de certo medicamento, por exemplo, para tratar uma enfermidade e não tem acesso ao tal medicamento pois ele não está disponível no Sistema Único de Saúde, a forma que o paciente tem de reivindicar as doses necessárias é entrando na justiça contra o Governo. Isso porque é dever do Estado garantir a saúde a todos. 

Sendo a ação judicial a única e última alternativa do paciente, esse processo é chamado de judicialização da saúde.

O fenômeno “tem ganhado relevância no cenário jurídico nacional, uma vez que o cidadão cada vez mais denota a necessidade de recorrer às vias judiciais para buscar a efetivação dos seus direitos sociais”. (Daniela Recchioni)

Como ocorre a judicialização da saúde

Infelizmente, nem todas as pessoas e pacientes têm acesso a esse tipo de informação e sequer sabem que têm direito ou como podem fazer para buscar a efetivação desse direito.

A Constituição Federal de 1988 é que prevê a saúde como um direito social (art. 6o) de todos e um dever do Estado:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Sendo assim, quando o Estado não cumpre o seu dever, os indivíduos têm instrumentos para garantir a efetivação do direito, não podendo ser excluído o Poder Judiciário, conforme o art. 5o inciso XXXV:

Art. 5o (…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”

Todavia, a necessidade de acesso à saúde pelo povo é superior à capacidade do Estado de garantir a efetivação de políticas públicas para a implementação efetiva dos direitos sociais. Isso acaba sobrecarregando o sistema de saúde e, consequentemente, gerando insatisfações que, por sua vez, demandam de atenção do Poder Judiciário para dirimir as questões.

Assim, o movimento gerado pela busca na efetivação das prerrogativas constitucionais é a chamada judicialização.

Com a necessidade de um apoio para além da saúde pública, surgiu a saúde suplementar. As redes privadas e seus planos de saúde também se inserem no fenômeno da judicialização, uma vez que existem inúmeras demandas em razão da negativa em fornecer determinado medicamento ou em cobrir tratamentos obrigatórios conforme a Agência Nacional de Saúde define.

Leia mais sobre direito constitucional aqui no blog da Aurum.

Situação da judicialização da saúde no Brasil

Apesar de a judicialização das demandas, inicialmente, ser uma exceção, ou seja, ser a última alternativa, não é o que tem acontecido. 

Em 2010, por exemplo, os gastos com demandas judiciais chegaram a quase 2% do orçamento referente à saúde. A grande preocupação é o colapso que pode ser gerado não só no sistema de saúde, desequilibrando o orçamento e prejudicando eventuais políticas públicas que eram previstas, mas no judiciário também, uma vez que a aumento do número de demandas, reduz a celeridade processual, causando danos especialmente àqueles que necessitam de uma prestação jurisdicional urgente.

Além disso, outra discussão é sobre o conhecimento técnico e científico dos julgadores que analisam as demandas da saúde. Em se tratando de um tema com abordagem mais complexa e específica, nem sempre terá como árbitro um juiz de direito qualificado, seja por falta de informação ou de conhecimento técnico, por exemplo, quanto à escolha de um medicamento ou tratamento, em detrimento de outro. Seria ideal que houvesse a análise também de médicos ou gestores qualificados para auxiliar.

Segundo Luiz Roberto Barroso, é necessário também atentar à teoria da micro e da macro justiça. Isso porque, no momento em que o Judiciário passa a atender uma pessoa na área da saúde, interfere na macrojustiça, nas decisões administrativas, econômicas e políticas públicas. Diferente de realizar a justiça no caso concreto, focando em indivíduos ou em um grupo de pessoas – a microjustiça.

Por isso é necessária a cautela do magistrado, para não prejudicar a sociedade, já que uma demanda pode se tornar precedente para outras e aumentar significativamente o custo para o Estado. Por outro lado, não se pode lesar o indivíduo pois, como já falado, a saúde é um direito constitucionalmente garantido à todos.

E qual o papel dos operadores do direito?

O papel do advogado em casos de judicialização da saúde é administrar o que chamam de “contenção saudável”. Ou seja, discutir os problemas do ponto de vista jurídico, de forma a evitar a demanda judicial. 

Buscar o diálogo, reunir grupos de pesquisa para concretizar possíveis soluções, fazer chamadas de audiência pública e até assinar Termos de Ajuste de Conduta. São ferramentas que podem trazer soluções a médio e longo prazo, e que poderiam, inclusive, gerar uma economia de dinheiro público, baseado na execução planejada de projetos públicos e aquisição de medicamentos, materiais, etc.

Uma sugestão para o profissional do direito que atua em benefício dos pacientes, se realmente necessária a judicialização do caso, é preconizar as ações coletivas, pois elas apresentam uma economia de tempo, de dinheiro, de trabalho e atingem um número maior de pessoas.

Quando aos operadores do direito que atuam pelo poder público, o auxílio pode vir de um trabalho interdisciplinar entre os profissionais da saúde e o judiciário, de forma que, como já falado, a atuação conjunta pode proporcionar melhor decisões e resultados mais eficientes. 

Na visão do Juiz de direito Marcos Salles, do TJPB, cada magistrado tem uma visão micro individual do processo e, por óbvio, não desejam dar causa a um óbito. Por isso, segundo ele, o Poder Judiciário tem se esforçado para atuar com uma macrovisão do SUS, tentando entender melhor as demandas e atuar em colaboração.

Mais: Tudo o que você precisa saber sobre direito público.

Como evitar a judicialização da saúde no Brasil?

Outras duas sugestões de mudanças práticas podem auxiliar na redução das ações judiciais.

Uma delas é ter decisões mais razoáveis e ponderação da responsabilidade solidária dos entes federativos. Muitas vezes é possível ver que eles se desincumbem de cumprir um papel que na verdade é de todos – isso significa dizer que qualquer um pode ser demandado e não cabe ao paciente, já em condição de hipossuficiência, buscar quem seria o responsável. 

Quando às decisões, tratando-se, na maioria dos casos de demandas urgentes, não há que se falar em licitação. Portanto, o Estado é quase que obrigado a adquirir produtos e medicamentos da primeira empresa que ofertar, impossibilitando, algumas vezes, a coerência no valor e comprometendo o orçamento.

A segunda sugestão é atualizar com mais frequência a Relação Nacional de Medicamentos – RENAME e os protocolos do SUS, pois isso evitaria que o paciente buscasse no Poder Judiciário o deferimento a novos tratamentos ou medicamentos, justificando que os apresentados pelo SUS estão obsoletos.

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Conclusão

A judicialização da saúde é um tema amplo, muito discutido nos últimos anos, mas que ainda carece de mais estudo, especialmente sobre como reduzir cada vez mais o fenômeno. O certo é que as melhorias somente serão percebidas a longo prazo, portanto, é essencial que a discussão não seja deixada de lado.

Entender o que significa o fenômeno da judicialização da saúde, especialmente para profissionais que atuam ou desejam atuar na área do direito médico, é essencial para desempenhar um bom trabalho e evitar o prejuízo do indivíduo para além do financeiro.

A saúde é um direito de todos e um dever do Estado, devendo ser efetivado através de políticas públicas. Em que pese seja um direito que nem sempre é efetivamente cumprido, impõe-se aos operadores do direito, seja no âmbito público ou privado, atitudes que visem a redução das demandas judiciais, buscando a resolução mais célere e efetiva ao paciente, sem, contudo, prejudicar o coletivo.

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Advogada (OAB 158955/MG) desde 2015, com escritório em Belo Horizonte/MG. Bacharela em Direito, pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Tributário, pela Faculdade Milton Campos. Especialista em Direito Médico e Hospitalar, pela Faculdade Unyleya e pelo IPDMS. Pós...

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  • Aline Silva Martins 04/11/2021 às 23:41

    Parabéns pelo conteúdo!

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