O Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003) é uma legislação brasileira que busca assegurar a segurança e os direitos dos torcedores em eventos esportivos. Ele abrange temas como acesso aos estádios, segurança, venda de ingressos e combate à violência, visando promover uma experiência segura e harmoniosa para os torcedores.
Nos próximos parágrafos, vamos abordar os principais aspectos do Estatuto do Torcedor, passando pelo contexto em que ocorreu a sua criação, o que é e para que serve referido Estatuto e as controvérsias em seu entorno.
Continue a leitura para saber mais! 😉
O que é o estatuto do torcedor?
O estatuto do torcedor é uma Lei Federal que declara os direitos do torcedor. Logo, dispõe sobre a segurança, a transparência e regras gerais na organização das competições esportivas.
Além disso, também dispõe sobre as penalidades em caso de descumprimento dos dispositivos da lei e, até mesmo, sobre crimes decorrentes de fatos envolvendo torcedores ou concernentes à adulteração ou influência externa nos resultados de competições esportivas.
Embora a Lei Pelé compare o torcedor ao consumidor (art. 42, § 3º, da Lei Pelé), com o Estatuto do Torcedor que essa condição foi mais fortalecida.
Isso porque completou a “cadeia de consumo” ao equiparar a fornecedor, para todos os efeitos legais, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a entidade responsável pela organização da competição, assim como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo (art. 3º do Estatuto do Torcedor).
Como resultado, a partir de 2003, o torcedor passou a gozar de proteção especial, culminando em uma série de mudanças nos espetáculos esportivos com o objetivo de cumprir os dispositivos do Estatuto do Torcedor.
Outro ponto importante trazido pelo Estatuto do Torcedor visou acabar com as “viradas de mesa” ao instituir que a participação das equipes em competições esportivas se dê “exclusivamente em virtude de critério técnico previamente definido” (art. 10).
Além disso, as fórmulas de disputa das competições deverão perdurar por, ao menos, dois anos consecutivos (art. 9, § 5º, II), justamente para evitar a alteração inoportuna visando beneficiar um ou outro clube.
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Como surgiu o estatuto do torcedor?
A Lei 10.671/2003, denominada de Estatuto do Torcedor, foi sancionada em um contexto onde o esporte brasileiro, em especial o futebol, demandava medidas bruscas visando proteger o torcedor nos espetáculos esportivos, bem como dar maior credibilidade às competições.
Quem acompanhou o futebol no século XX deve lembrar de partidas com estádios mais do que lotados, invasões do gramado e episódios lamentáveis de conflitos e tragédias.
Como exemplo, temos os ocorridos na final do Campeonato Brasileiro de 1992, entre Flamengo e Botafogo no Maracanã; na final da Copa João Havelange, em 2000, entre Vasco e São Caetano, em São Januário; e até em uma partida de futebol júnior realizada em 1995, no Pacaembu, entre Palmeiras e São Paulo.
Ademais, o futebol também se via ameaçado pelas chamadas “viradas de mesa”, que, em suma, se davam quando o regulamento da competição era descumprido, gerando reflexos no rebaixamento e ascensão de clubes, redundando em discussões na Justiça Desportiva e até na Justiça Comum, ameaçando a continuidade e a credibilidade dos campeonatos.
Leia também: Tire suas dúvidas sobre direito desportivo: vale a pena seguir na área?
A necessidade de sua criação
Um exemplo de virada de mesa se deu em 1992. Até então, o regulamento do Campeonato Brasileiro previa que apenas os dois melhores clubes da segunda divisão ganhariam acesso à primeira divisão.
Porém, visando beneficiar clubes tradicionais que disputariam a segunda divisão em 1992, a CBF alterou o regulamento da competição para garantir que os 12 “melhores” colocados da segunda divisão seriam alçados à primeira divisão.
Outros exemplos de virada de mesa ocorreram em 1996, em situação que teve como protagonista o Fluminense, e em 2000, com a realização da Copa João Havelange, totalmente envolta em polêmicas a ponto de ter sido abolida já no ano seguinte à sua primeira edição.
Foi nesse cenário que, tomando também por inspiração a Lei 9.615/98 (Lei Geral do Esporte, chamada de Lei Pelé), que equiparou o torcedor ao consumidor, foi editado e aprovado o Estatuto do Torcedor, passando a vigorar em maio de 2003.
Controvérsias envolvendo o estatuto do torcedor
Não obstante os inegáveis avanços trazidos pelo Estatuto do Torcedor, o diploma legal também tem sido fonte de algumas polêmicas.
De início, é curioso apontar que o próprio Estatuto já foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2937), proposta pelo Partido Progressista sob o argumento de que:
o Estatuto de Defesa do Torcedor significava uma afronta aos postulados constitucionais da liberdade de associação, da vedação de interferência estatal no funcionamento das associações e, sobretudo, da autonomia desportiva.”
Porém, em 2012 o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ação.
Artigo 2° do estatuto do torcedor
Outro ponto polêmico gira em torno justamente da equiparação do torcedor a consumidor e a sua conceituação trazida pelo artigo 2º do Estatuto, in verbis:
Torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva no País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva.
Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se a apreciação, o apoio ou o acompanhamento de que trata o caput deste artigo.”
Veja que o Estatuto do Torcedor traz um conceito bastante amplo de torcedor.
Ou seja, considera-se torcedor não apenas aquele sujeito que comparece às arenas esportivas, mas “toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe” e que “acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva”, conferindo uma presunção relativa, em seu parágrafo único, quanto à apreciação, ao apoio ou ao acompanhamento.
O problema com esse conceito aberto é que uma das finalidades do Estatuto do Torcedor, qual seja a estabilidade e credibilidade das competições, acaba ficando em xeque.
Isso porque, na medida em que torcedores de todo o país, ao considerarem ter algum de seus direitos violado nos termos da lei, poderão propor ações judiciais em seu domicílio, por força da prerrogativa disposta no artigo 101, I, do Código de Defesa do Consumidor.
Logo, abre a possibilidade de serem proferidas decisões judiciais conflitantes em diferentes juízos, abalando a estabilidade e a segurança das competições.
Exemplos de conflitos
Temos como exemplo o que ocorreu no ano de 2013, em decorrência de uma partida de futebol do Campeonato Brasileiro entre Athletico Paranaense e Vasco da Gama. Essa partida foi disputada na cidade de Joinville, em Santa Catarina, e televisionada para diversas cidades brasileiras.
Entretanto, por uma grave falta no tocante à segurança no interior do estádio, em determinado momento as torcidas de ambas as equipes iniciaram um violento confronto, com cenas um tanto chocantes que foram televisionadas para todo o Brasil.
Como agravante, o Vasco da Gama, ao ser derrotado naquela partida, foi rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro.
Caso Héverton
Não suficiente, neste mesmo ano ocorreu o chamado “caso Héverton”, que culminou no rebaixamento da Portuguesa pela perda de pontos resultantes da escalação irregular do atleta. Esses episódios, em especial este caso, desencadearam uma enxurrada de ações judiciais em todo o Brasil por parte de torcedores.
O conflito de competência só foi dirimido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que definiu nos autos de Conflito de Competência n. 133.244-RJ ser o foro regional da Barra da Tijuca, domicílio da CBF, o competente para julgar causas relacionadas aos fatos em discussão, inobstante a prerrogativa do artigo 101, I, do Código de Defesa do Consumidor.
Lei do PROFUT
Outra polêmica surgiu com a edição da Lei 13.155/2015, a chamada Lei do PROFUT, que instituiu um programa de responsabilidade fiscal do futebol brasileiro.
Entre outras medidas visando à implementação do programa, a Lei do PROFUT alterou o artigo 10 do Estatuto Torcedor a fim de incluir como “critérios técnicos” para possibilitar a disputa nos torneios esportivos a:
- regularidade fiscal, atestada por meio de apresentação de Certidão Negativa de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União – CND;
- apresentação de certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
- comprovação de pagamento dos vencimentos acertados em contratos de trabalho e dos contratos de imagem dos atletas” (alíneas do inciso II, do artigo 10).
Além disso, incluiu o parágrafo 3º ao referido artigo para determinar que os clubes que não cumprirem com os supracitados critérios técnicos sejam rebaixados para a divisão imediatamente inferior.
Tais alterações foram objeto da Ação Direto de Inconstitucionalidade n. 5450/DF que, no final de 2019, declarou a inconstitucionalidade dos referidos dispositivos sob o fundamento de que a ampliação dos critérios técnicos trazidos pela lei:
Constituem, indireta e inconstitucionalmente, formas de cobrança de tributos, por intermédio de limitações arbitrárias com a utilização de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo, que apresentam claramente falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários inadmissíveis”.
Qual a importância do Estatuto do Torcedor para o Direito Desportivo?
O Direito Desportivo é um ramo do Direito que transita por várias outras disciplinas. Quem milita na área se defronta rotineiramente com questões envolvendo as seguintes áreas do direito: trabalhista, civil, internacional, constitucional, tributário, consumidor, penal, entre outros.
O Estatuto do Torcedor é um diploma legal que espelha essa amplitude. Entre seus artigos, é possível vislumbrar dispositivos que tratam de várias outras áreas.
Podemos dar como exemplo aqueles que foram inseridos ou alterados pela Lei do PROFUT, que tratam de matérias relacionadas ao Direito Tributário e ao Direito do Trabalho; assim como os artigos que fazem referência direta ao Código de Defesa do Consumidor e, também, artigos que tocam o Direito Penal.
Neste particular, note que o Capítulo XI-A do Estatuto do Torcedor enumera em seus artigos 41-B a 41-G condutas que caracterizam crimes.
Assim, o Estatuto do Torcedor deve ser cuidadosamente estudado por quem anseia militar na área do desporto. É correto afirmar que se trata de um dos principais diplomas normativos dessa área. 🙂
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Ainda possui dúvidas sobre o tema abordado? Sem problemas 😉
Nós preparamos uma seção especial com as principais perguntas relacionadas ao Estatuto do Torcedor. Confira:
O que diz o Estatuto do Torcedor?
O Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003) define direitos e deveres para torcedores, clubes e órgãos públicos em eventos esportivos. Trata de segurança nos estádios, acesso aos jogos, venda de ingressos, combate à violência e proteção dos direitos dos torcedores, entre outros aspectos relacionados.
Quando surgiu o Estatuto do Torcedor?
O Estatuto do Torcedor foi criado no Brasil por meio da Lei nº 10.671, em 15 de maio de 2003. Esse marco legislativo busca promover a segurança e proteção dos direitos dos torcedores em eventos esportivos no país.
Quais são os principais direitos e deveres do torcedor?
Os principais direitos do torcedor, conforme o Estatuto do Torcedor, incluem acesso seguro aos estádios, informações claras sobre venda de ingressos, proteção contra atos de violência e discriminação, além de fiscalizar e denunciar irregularidades. Os deveres do torcedor envolvem respeitar regras de conduta, não praticar violência e colaborar com a segurança dos eventos esportivos.
Quem pega a bola na arquibancada pode ficar com ela?
De acordo com as regras do futebol, quando a bola sai do campo e é pega por um torcedor na arquibancada, a posse da bola não é concedida ao torcedor. A bola pertence ao clube ou à organização responsável pelo evento esportivo. Em geral, espera-se que a bola seja devolvida imediatamente ao campo ou entregue a um membro da equipe de segurança ou arbitragem.
Conclusão
Conforme mencionado, o Estatuto do Torcedor trouxe avanços no tocante à segurança dos torcedores e à credibilidade das competições. Porém, infelizmente, não foi capaz de extinguir por completo todos aqueles problemas que motivaram a sua criação.
Conflitos entre torcedores, dentro e fora dos estádios, continuam ocorrendo e os resultados das competições continuam a ser questionados na Justiça Desportiva e na Justiça Comum, ainda que em menor proporção.
Todavia, conquanto o caminho do aperfeiçoamento ainda seja longo, é certo que a direção está se revelando correta.
Cabe a todos os agentes que trabalham no âmbito esportivo continuarem vigilantes, atuando de forma a melhorar cada vez mais a cultura esportiva no país.
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Advogado (OAB/PR 52.439). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sócio fundador da Tisi Advocacia, em Curitiba-PR, com atuação em Direito Empresarial, Direito Civil, Propriedade Intelectual e Direito Desportivo....
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boa tarde…
há algum outro lugar onde diz que o árbitro num jogo pode esperar antes de começar o jogo e após uma tolerância de 15 minutos, aguardar mais 30 para que possa ser resolvido um problema