A responsabilidade civil ambiental é um mecanismo processual para fins de responsabilização por dano ambiental. No Direito Brasileiro se caracteriza por ser de caráter objetivo, solidário e independentemente de antijuridicidade.
Isso significa que, para fins de responsabilização por dano ambiental, não se afere a existência de culpa (imprudência, negligência ou imperícia). Todos os responsáveis, direta ou indiretamente, pelo dano ambiental poderão ser chamados; e mesmo sem o cometimento de ato ilícito, é cabível a reparação por dano ambiental, não se admitindo excludentes de responsabilidade.
Neste artigo trataremos da origem da responsabilização civil ambiental sua aplicação, entendimentos jurisprudenciais e o papel do advogado no atual cenário jurídico brasileiro envolvendo a responsabilidade civil ambiental.
O que é responsabilidade civil ambiental?
A responsabilidade civil ambiental é um instrumento de intervenção do Direito para a proteção do meio ambiente. Constatado um dano ambiental, impõe-se a reparação em contrapartida.
É uma das medidas adotadas pelo Direito para a reparação de danos ambientais. Em nosso sistema, a responsabilidade civil é objetiva e para a caracterização basta a existência de um dano e do nexo causal.
O que diz a lei 6938/81?
A lei 6938/81 foi um divisor de águas na responsabilização ambiental no Brasil. Ela trouxe inovações na responsabilidade ambiental, introduzindo novos conceitos e paradigmas, o que elevou o meio ambiente a um bem jurídico autonomamente protegido.
Portanto, fez surgiu uma nova espécie de responsabilidade, cujos institutos clássicos se mostravam ineficientes para a atuação.
Preceitua o art. 14, § 1° da Lei 6938/81:
Art 14 – […] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”
Para reforçar esse entendimento, a Constituição Federal de 1988 trouxe um capítulo específico sobre o meio ambiente destacando que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, sem mencionar qualquer referência à exigência de culpa para sua reparação, nos termos do art. 225.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Dessa forma, surgiu a responsabilidade civil ambiental.
Quando se configura a responsabilidade civil ambiental?
O direito ambiental brasileiro obriga o responsável à reparação do dano na sua forma objetiva, baseada na teoria do risco integral. Essa teoria é fundada na ideia de que o causador (direta ou indiretamente) do dano se obriga a repará-lo, bastando a prova da ação ou omissão, do dano e do nexo de causalidade.
Na responsabilidade civil ambiental não se admitem as excludentes de responsabilidades civis do fato de terceiro, culpa concorrente da vítima, caso fortuito ou força maior. Portanto, ocorrendo o dano no curso da atividade potencialmente poluidora, obriga-se o responsável a reparar eventuais danos.
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Entendimento dos Tribunais sobre a responsabilidade civil ambiental
Sobre a teoria do risco integral e a prova do nexo de causalidade, já decidiu o STJ:
[…] para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem. […]“
REsp 650.728/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 02/12/2009
O Superior Tribunal de Justiça se manifestou em recurso especial representativo de controvérsia sobre o tema:
RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. […] TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado. 2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento.”
REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014
Como identificar o dano ambiental?
Quanto ao dano ambiental, é importante destacar que nem tudo que causa impacto ambiental gera dano ambiental, pois a admitir tal hipótese a vida na Terra seria impraticável. Isso porque toda a atividade humana de uma forma ou de outra causa impacto no meio ambiente.
Por isso, deve existir um critério técnico na verificação do efetivo dano ambiental passível de reparação. Vale trazer o conceito de dano ambiental segundo Herman Benjamin:
Como a alteração, deterioração ou destruição, parcial ou total, de quaisquer dos recursos naturais, afetando adversamente o homem e/ou a natureza.”
O dano ambiental se divide em dano pessoal (moral ou material) e dano ecológico (também conhecido como dano contra a natureza).
Logo, de uma mesma ação (fato ambiental) poderão decorrer diversas espécies de responsabilizações pessoais ou coletivas.
Por exemplo, determinada empresa que polui um rio poderá causar danos pessoais (morais e materiais) a pescadores profissionais, bem como dano contra natureza (poluição de nascentes, mortandade de peixes, etc). Então, pode ser responsabilizada pela recuperação do meio ambiente e também pelo dano ecológico moral.
Portanto, nesse caso, o poluidor poderá ser acionado particularmente pelos pescadores para a reparação do dano moral e material causado e poderá ser demandado também pelo Ministério Público (titular da ação civil pública para proteção do meio ambiente, nos termos do art. 129, III, da Constituição Federal), cuja ação para a reparação do dano ambiental é imprescritível.
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Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou o tema 999 de repercussão geral no RE 654833 fixando a seguinte tese: “é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.”
Além disso, sob a lógica de reparação integral do dano ambiental, nos termos da Súmula 629 STJ, o poluidor poderá ser condenado à obrigação de fazer e/ou de não fazer (conforme nosso caso, a obrigação de cessar a atividade poluidora e/ou recuperar o meio ambiente degradado), bem como a de indenizar por eventual dano moral ecológico, verbis:
Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar.”
Sobre essa possibilidade, a Súmula 37 STJ também prevê que um mesmo fato poderá gerar reparação material e moral:
São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”
Quanto à dupla reparação, já decidiu o STJ:
[…] a cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa” […]
STJ, REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/09/2012
Todavia, é necessário comprovação de que a recuperação in natura não seja suficiente para a integral composição do dano causado.
Obrigação propter rem
Outro ponto de extrema atenção é que a responsabilidade civil ambiental acompanha o bem, é a obrigação propter rem. Ou seja, quem adquire o bem, mesmo sem ter cometido o dano ambiental, assume a obrigação de repará-lo.
Nesse sentido, colhe-se do § 2° do art. 2° da Lei 12.651/12 (Código Florestal Brasileiro):
§ 2º As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.”
Diante disso, ao adquirir imóveis, seja rural ou urbano, o comprador assume o risco de passivos ambientais que, como já se viu, pode ser responsabilizado a qualquer tempo. Isso porque a reparação civil por dano ambiental é imprescritível, cabendo ao Ministério Público a escolha contra quem ingressar com possíveis demandas.
A obrigação com imóveis
No ponto específico em relação a imóveis, é importante destacar que o Código Florestal traz proteção especial à reserva legal (RL) e áreas de preservação permanente (APP), assim definidas pela Lei, no art. 3°:
II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
III – Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.”
Assim, a intervenção nesses locais é excepcional, razão pela qual é do entendimento da jurisprudência que eventual conduta configura-se dano ecológico presumido. Pode, inclusive, ser objeto de ações demolitórias:
Induvidosa a prescrição do legislador no que se refere à posição intangível e ao caráter non aedificandi da Área de Preservação Permanente – APP -, nela interditando a ocupação ou a construção, com pouquíssimas exceções (casos de utilidade pública e interesse social, p.ex.), submetidas a licenciamento ambiental. 2. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. 3. Necessidade de restauração da área degradada. Precedentes […]”
REsp 1284610/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 05/11/2019
Não é demasiado afirmar que o Brasil ostenta um severo arcabouço legal de proteção ambiental e o papel da jurisprudência tem sido de prevalecimento do interesse ambiental sobre particular, sob o brocardo in dubio pro natura, autorizando, inclusive, a inversão do ônus da prova em ações de degradação, na forma da Súmula STJ 618:
A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental.”
Papel do advogado na responsabilidade civil ambiental
Como se viu, o meio ambiente tem especial proteção no Direito Brasileiro, com graves imputações de natureza civil ao poluidor, que pode ser obrigado a reparar o dano, ter sua atividade paralisada ou ser responsabilizado por dano extrapatrimonial.
Assim, a assessoria jurídica especializada mostra-se cada vez mais importante em quaisquer empreendimentos ou negociações que impliquem em atividades com potencial risco ao meio ambiente.
Nesse ponto, cresce a demanda por compliance ambiental de modo a criar mecanismos de controle, evitar, minimizar ou demonstrar que o particular ou a empresa possui preocupação com o meio ambiente na sua atividade empresarial.
Além disso, em negociações imobiliárias, fusões e aquisições, ou até mesmo contratos em geral, mostra-se importante o due diligence ambiental para verificar eventuais passivos ambientais que possam gerar responsabilizações futuras, assim como implicarão substancialmente em preço e cláusulas contratuais.
Conclusão
A responsabilidade civil ambiental é um campo em aberto para atuação profissional e um ponto de alerta para os empreendedores em geral.
A proteção do meio ambiente tem sido uma preocupação mundial, fundamental para o país, seja para preservação da sua biodiversidade e equilíbrio, seja para preservar sua imagem no exterior, atrair investimentos e acordos comerciais.
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Advogado (OAB 30.897/SC | OAB 85.247/PR). Bacharel em Direito pela UNISINOS - Universidade do Vale dos Rio dos Sinos. Sócio-fundador de Kohl & Leinig Advogados Associados. Sou especialista em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio e também em Direito...
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Siim