A teoria do adimplemento substancial se origina da boa-fé objetiva. E, é verificável na fase de cumprimento de determinado contrato.
Portanto, constatado o inadimplemento, se exclui o direito de resolução do contrato por parte do credor. Assim, sendo permitido apenas o pedido de indenização pelo restante da obrigação.
Via de regra, se abre oportunidade para que a parte prejudicada requeira a resolução do contrato ao se verificar inadimplemento contratual.
Contudo, quando o inadimplemento é mínimo não se considera adequado permitir a resolução do contrato. Isto é, inadimplemento mínimo são casos em que parte considerável da obrigação foi cumprida.
Dessa forma, haverá violação à função social e a boa-fé objetiva com a imposição de um prejuízo desproporcional ao devedor inadimplente.
Conforme lecionado por Anderson Schreiber:
Será rejeitada a resolução do vínculo obrigacional sempre que a desconformidade entre a conduta do devedor e a prestação estabelecida seja de pouca relevância.”
O que é adimplemento substancial?
O adimplemento substancial é uma limitação ao direito subjetivo de praticar a resolução contratual. Ocorrendo quando há apenas uma pequena parcela a ser adimplida ao se considerar o total das prestações.
De acordo com a boa-fé objetiva, não seria justo a resolução contratual. Mas, tão somente a adoção de medidas proporcionais à obrigação discutida. Por exemplo, execução ou a indenização por perdas e danos.
Por não haver disposição legislativa a respeito do adimplemento substancial, a aplicabilidade depende dos estudos doutrinários e das interpretações jurisprudenciais.
Via de regra, as discussões ocorrem no campo de:
- contratos de compra e venda;
- alienação fiduciária;
- seguros.
O que diz a teoria do adimplemento substancial?
O inadimplemento contratual é constatado quando há descumprimento, total ou parcial, no objeto da obrigação acertada entre as partes contratantes.
Tendo o descumprimento sido causado pela parte devedora, o credor poderá requerer a execução do contrato ou sua resolução conforme art. 475 do Código Civil.
A teoria do adimplemento substancial busca refinar o exemplo trazido acima. Em uma análise sistemática do ordenamento jurídico, se entende que nem todos os casos de descumprimento contratual poderão levar à resolução do negócio jurídico.
De acordo com a teoria, a extinção do negócio jurídico é uma medida drástica. Portanto, não se admite em casos em que o descumprimento se refira a uma parte de importância menor em comparação com a obrigação como um todo.
Em resumo, o descumprimento deve ser insignificante em relação ao valor cumprido.
Ou seja, o modelo rígido de que o contrato deve ser cumprido a qualquer custo passou a ser relativizado pelos novos princípios do Direito Contratual. Aqui vale mencionar o princípio da boa-fé objetiva.
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Conceito histórico da teoria do adimplemento substancial
A origem da teoria do adimplemento substancial se deu no direito inglês do século XVIII, sendo denominada substancial performance.
Para a teoria inglesa, a resolução contratual deve ser afastada em face da parcela substancialmente adimplida pelo devedor quando a obrigação for cumprida em sua “essência”.
Resumidamente, os ingleses valorizam e tornam regra a preservação do contrato e a impossibilidade de resolução.
O direito italiano também prevê expressamente a possibilidade de afastar a resolução contratual. Isto ocorre nas hipóteses em que grande parte da obrigação tenha sido cumprida pelo devedor inadimplente.
O dispositivo italiano nos diz que o contrato não será resolvido se o inadimplemento de uma das partes tiver “escassa importância”, se comparado ao interesse da outra parte.
Porém, essas teorias apresentam imprecisão conceitual a respeito da insignificância a respeito da parcela inadimplida.
Como devemos mensurar a “essência” de uma obrigação? Como determinar a “escassez de importância” do débito em aberto?
A problemática dos outros ordenamentos se aplica na teoria brasileira. A importação de institutos sem a equivalência legislativa inspira grandes cuidados. Já que temos em conta a incerteza a respeito dos critérios de aplicação, da extensão das obrigações e dos efeitos práticos da medida em comento.
Como falado, não há disposição legal a respeito da teoria do adimplemento substancial no direito brasileiro. A importação do instituto se deu um pouco depois de 1988, a partir da chegada dos novos princípios contratuais.
Mas, os casos de aplicação passaram a ganhar maior relevância a partir de 2002 com o surgimento do Código Civil. Desse modo, a doutrina e a jurisprudência se encarregaram dos contornos da aplicação da teoria no Brasil.
É o que veremos adiante 😉
Adimplemento substancial no direito brasileiro
Embora não faça menção expressa ao adimplemento substancial, o Código Civil apresenta as bases de sustentação da teoria com a previsão da função social dos contratos e da observância obrigatória da boa-fé objetiva.
Fortalecendo a interpretação doutrinária, a IV Jornada de Direito Civil firmou o seguinte:
Enunciado n. 361: Arts. 421, 422 e 475. O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.”
Para contextualizar, vale lembrar que o art. 475 do Código Civil é aquele que determina:
A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.
Desse modo, se conclui que há uma relativização da disposição do Código Civil em favor de uma interpretação sistemática que preserve os interesses do devedor inadimplente. Porém, desde que preenchidos certos requisitos.
A limitação da posição do credor causada pela aplicação da teoria do adimplemento substancial, visa impor uma consequência menos gravosa ao devedor. Assim, preservando na medida do possível a união originária.
Evidentemente, não há que se chancelar o inadimplemento doloso quando do término da contratação.
Portanto, nessa hipótese não deverá ser aplicada a teoria para impedir a resolução contratual. A boa-fé no curso da contratação é requisito para que seja conferida a limitação ao poder contratual do credor.
Adimplemento substancial do contrato
Inicialmente, se deve ter em mente a definição do que seria um inadimplemento “mínimo” ou “ínfimo”. Em relação ao critério quantitativo, é importante afirmar que não há um número que estabeleça o mínimo de prestações cumpridas.
Entretanto, se pode dizer que parte dos Tribunais de Justiça adotam como parâmetro o cumprimento de mais de 80% do contrato. Assim, os efeitos esperados pelo contrato estariam substancialmente cumpridos, sem afetar a base do contrato.
Mas, não se pode considerar uma aferição segura. Já que se trata apenas de indicativo de parte das cortes brasileiras, cuja especificidade costuma variar muito.
Outro critério não menos importante é o qualitativo, que leva em consideração o impacto efetivo do inadimplemento para as partes. A partir deste ponto de vista não basta quantificar o saldo devedor em aberto, mas também verificar as nuances da contratação.
Por exemplo, para um caso um débito de 10% pode ser muito mais significativo do que para outro caso, com outra modalidade contratual, em que um débito de 20% não é tão representativo.
Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça leva em consideração ambos os critérios para apreciar a possibilidade de aplicação da teoria do adimplemento substancial.
Assim, deve ser considerado se o credor disporá de meios efetivos para satisfazer seu crédito de modo menos gravoso, sem extinguir o contrato.
Viva com liberdade
Quanto antes você contrata, menos você paga
Aproveitar desconto *Confira o regulamentoAdimplemento substancial no STJ
Para compreender como a teoria vem sendo aplicada no Brasil, vamos verificar alguns exemplos a respeito da matéria no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
Como o instituto não possui disciplina legal, os critérios adotados pela jurisprudência acabam se tornando balizas de aplicação. Sendo assim, é primordial o conhecimento por parte dos advogados e das advogadas que pretendam se utilizar da teoria.
Segundo Augusto Cézar Lukascheck, estes seriam alguns precedentes em que o STJ quantificou o adimplemento substancial em patamares distintos:
- REsp:76.362/MT: atraso na última parcela;
- REsp:912.697/GO: inadimplemento de 2 parcelas;
- REsp:469.577/SC: inadimplemento de valores correspondentes a 20% do valor total do bem;
- AgRg no AgREsp 155.885/MS: inadimplemento de 10% do valor total do bem;
- REsp:1.051.270/RS: inadimplemento de 5 parcelas de um total de 36, correspondendo a 14% do total devido.
No paradigmático REsp n. 76.362/MT, julgado em 1995, o STJ estabeleceu os seguintes critérios de observância:
- A existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes;
- O pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio;
- A possibilidade de conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários.
Em grande parte dos precedentes, os critérios acima são observados sem que haja um critério quantitativo rígido. De certa forma, há uma crítica em face da insegurança advinda da grande margem de interpretação dada aos julgadores.
Quais as discussões acerca do tema?
Mais recentemente, houve um caso que negou a aplicação da teoria. O ministro relator do REsp 1.581.505/SC, julgado em 2016, se mostrou ciente da insegurança que pode ser gerada por meio da aplicação indistinta do adimplemento substancial.
Assim, Antonio Carlos Ferreira afirmou que:
o uso do instituto não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica que assenta o integral e regular cumprimento do contrato como meio esperado de extinção das obrigações.”
Recentemente, o STJ entendeu pela inaplicabilidade da teoria do adimplemento substancial nos casos de:
- REsp n. 1.622.555: contratos de alienação fiduciária;
- HC n. 439.973: obrigações de prestar alimentos.
Sobre a alienação fiduciária, há norma específica para regulamentar a busca e apreensão do bem. E, o STJ compreendeu que a aplicação da teoria acabaria por tirar a força da própria alienação fiduciária, que serve como garantia para a operação.
Como razão de decidir, a Corte fundamentou que autorizar a aplicação da teoria acabaria por tornar a própria operação mais cara aos consumidores. Já que o credor adicionaria os custos da aplicação da tese aos novos contratos.
Portanto, o desafio reside na análise minuciosa da aplicação do adimplemento substancial. Não há parâmetros específicos e fixos para amoldar a teoria aos casos concretos sem que seja dada larga margem ao intérprete.
O fato é que além de encontrar um resultado apto a resolver o conflito concreto, o julgador deve ser capaz de fundamentar com profundidade as razões de decidir. Seja para a aplicação, seja para o afastamento da teoria.
Dúvidas Frequentes sobre o tema
O que é teoria do adimplemento substancial?
Em resumo, a teoria nos traz que o descumprimento contratual deve ser insignificante em relação ao valor cumprido. Isso se dá pelo entendimento de que a extinção do negócio jurídico é uma medida drástica.
Onde está previsto o adimplemento substancial?
O adimplemento substancial não tem dispositivo legal previsto. Assim, cabe ao profissional do direito analisar a doutrina brasileira e os precedentes. Confira neste artigo os posicionamentos do STJ acerca do tema!
Conclusão
Como visto, a importação de um instituto sem que haja correspondência legislativa demanda cautela em sua aplicação. A análise da doutrina e da jurisprudência para conformar a pretensão do legislador à teoria do adimplemento substancial é de grande importância.
A concretização da teoria no ordenamento brasileiro tem fundamento nos princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva. Contudo, sua aplicabilidade deve respeitar certos parâmetros qualitativos e quantitativos.
Em resumo, reconhecida a “insignificância” do saldo devedor, ao credor será impossibilitada a resolução do contrato. Assim, cabendo apenas a adoção de medidas de execução e indenização menos gravosas.
Com isso, a teoria protege aqueles “bons pagadores” que, por acidentes da vida, acabam se tornando inadimplentes na reta final da contratação.
Porém, cabe ao julgador a análise do caso em concreto para verificar a aplicabilidade do instituto. A fim de que sejam evitados danos desproporcionais às partes. Como sabemos, a larga margem interpretativa garante insegurança jurídica aos contratantes.
Enfim, se tem que a aplicação é adequada nas hipóteses em que a extinção do contrato causar mais danos do que a permanência em sua execução, em medida equitativa de distribuição dos ônus contratuais.
É sempre relevante destacar que eventual aplicação da teoria não importa em perdão da dívida ou em afastamento da mora, mas tão somente a limitação das práticas positivas do credor.
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Advogado (OAB 51419/SC). Sócio de Bertoncini, Gouvêa & Tissot Advogados, onde atua nas áreas de Direito Civil, Direito Empresarial, Direito dos Contratos, Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor. Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-graduado em...
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Excelente artigo! Certamente vou procurar outros artigos de sua autoria! Muito obrigada por compartilhar seu conhecimento.
Olá, Amanda. Fico feliz com o seu comentário! Obrigado.