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Anistia: como funciona, quem tem direito e diferença de perdão judicial

Anistia: como funciona, quem tem direito e diferença de perdão judicial

1 out 2024
Artigo atualizado 29 out 2024
1 out 2024
ìcone Relógio Artigo atualizado 29 out 2024
A anistia é o perdão concedido pelo governo a um grupo que cometeu infrações, geralmente de natureza política, livrando-os de punições ou processos legais, como se o ato não tivesse ocorrido. É usada para restaurar a paz em momentos de conflitos sociais ou políticos.

A anistia é um tema presente na história e na política, representando um mecanismo de reconciliação e pacificação social. 

Ela surge como uma resposta a situações em que punir determinados atos pode não ser o caminho mais justo ou prudente, especialmente em contextos de conflitos políticos ou sociais. 

No campo do direito, a anistia ultrapassa a ideia de perdão individual, atingindo grupos inteiros e promovendo a restauração da ordem.

Este artigo busca explorar este instituto jurídico, destacando sua relevância e suas implicações jurídicas e, assim, entender como esse instrumento funciona na prática e suas consequências para a sociedade e o sistema jurídico.

O que é anistia?

A anistia é o perdão concedido pelo Estado a indivíduos ou grupos que cometeram determinados crimes, normalmente de caráter político, apagando os efeitos legais dessas infrações. 

Diferente do indulto, que é individual, a anistia tem alcance coletivo e pode ser aplicada a situações que envolvem revoluções, greves, ou outros movimentos sociais e políticos. 

Confira a explicação dada neste acórdão:

“A anistia, que depende de lei, é para os crimes políticos. Essa é a regra. Consubstancia ela ato político, com natureza política. Excepcionalmente, estende-se a crimes comuns, certo que, para estes, há o indulto e a graça, institutos distintos da anistia (CF, art. 84, XII). Pode abranger, também, qualquer sanção imposta por lei. A anistia é ato político, concedido mediante lei, assim da competência do Congresso e do chefe do Executivo, correndo por conta destes a avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade do ato, sem dispensa, entretanto, do controle judicial, porque pode ocorrer, por exemplo, desvio do poder de legislar ou afronta ao devido processo legal substancial (CF, art. 5º, LIV).<br>[ADI 1.231, rel. min. Carlos Velloso, j. 15-12-2005, P, DJ de 28-4-2006.”

No Brasil, a anistia tem sido utilizada em momentos críticos, como após a ditadura militar, quando foram perdoados os atos considerados crimes políticos cometidos durante o regime autoritário. 

A Lei da Anistia de 1979 é um exemplo clássico, permitindo o retorno de exilados políticos e a reabilitação de seus direitos civis, veja o tema sendo abordado no acórdão abaixo: 

Lei 6.683/1979, a chamada “Lei de Anistia”. (…) A lei estendeu a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceção; daí o caráter bilateral da anistia, ampla e geral, que somente não foi irrestrita porque não abrangia os já condenados – e com sentença transitada em julgado, qual o Supremo assentou – pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. (…) É a realidade histórico-social da migração da ditadura para a democracia política, da transição conciliada de 1979, que há de ser ponderada para que possamos discernir o significado da expressão “crimes conexos” na Lei 6.683. É da anistia de então que estamos a cogitar, não da anistia tal e qual uns e outros hoje a concebem, senão qual foi na época conquistada. Exatamente aquela na qual, como afirma inicial, “se procurou” [sic] estender a anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado encarregados da repressão. (…) A anistia da lei de 1979 foi reafirmada, no texto da EC 26/1985, pelo poder constituinte da Constituição de 1988. Daí não ter sentido questionar-se se a anistia, tal como definida pela lei, foi ou não recebida pela Constituição de 1988; a nova Constituição a [re]instaurou em seu ato originário. (…) A nova ordem compreende não apenas o texto da Constituição nova, mas também a norma-origem. No bojo dessa totalidade – totalidade que o novo sistema normativo é – tem-se que “[é] concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos” praticados no período compreendido entre 2-9-1961 e 15-8-1979. Não se pode divisar antinomia de qualquer grandeza entre o preceito veiculado pelo § 1º do art. 4º da EC 26/1985 e a Constituição de 1988.<br>[ADPF 153, rel. min. Eros Grau, j. 29-4-2010, P, DJE de 6-8-2010.

No Brasil, a Constituição Federal condiciona a aplicação da anistia à criação de uma lei específica que define as situações em que o perdão será concedido, o que pode incluir a extinção de processos judiciais e a reintegração de direitos dos anistiados.


Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
VIII – concessão de anistia;

Entenda o que é anistia.

Quais os crimes não são passíveis de anistia?

Embora a anistia seja um mecanismo poderoso de perdão estatal, ela não pode ser aplicada a todos os crimes.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece que certos crimes não podem ser anistiados, como os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico de drogas, o terrorismo. 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Esses atos são considerados gravíssimos e, por isso, o perdão coletivo não se aplica a eles, independentemente do contexto político ou social.

Isso reflete a preocupação do ordenamento jurídico em proteger direitos fundamentais e garantir que determinadas condutas não sejam perdoadas, mesmo em situações excepcionais.

Essas restrições são taxativas, ou seja, limitadas apenas aos crimes estabelecidos na Constituição Federal. Isso significa que não é possível estendê-las para além do que o texto constitucional define, conforme ementa do STF: 

Certo, a Constituição reservou a determinados crimes particular severidade repressiva (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV). Mas, como observa Magalhães Gomes Filho, por sua natureza, as restrições que estabelecem são taxativas: delas, não se podem inferir, portanto, exceções a garantia constitucional – qual, a da vedação da prova ilícita –, estabelecida sem limitações em função da gravidade do crime investigado.<br>[HC 80.949, voto do rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 30-10-2001, 1ª T, DJ de 14-12-2001.

Qual a diferença entre anistia e perdão judicial?

Anistia e perdão judicial são ambos mecanismos de extinção de punições, mas possuem diferenças importantes. 

A anistia é um ato legislativo, de natureza coletiva, que perdoa crimes, geralmente políticos, cometidos por um grupo de pessoas. 

Quando aplicada, a anistia elimina tanto a pena quanto os efeitos jurídicos do crime, como se ele nunca tivesse ocorrido.

Já o perdão judicial é concedido individualmente por um juiz, em situações específicas previstas em lei. 

Ele pode ser aplicado quando o condenado apresenta circunstâncias excepcionais que justifiquem a extinção da pena, mas o crime em si continua registrado. 

O perdão judicial não apaga o ato criminoso, mas apenas livra o condenado de cumprir a pena. 

Em resumo, a anistia tem um caráter mais amplo e coletivo, enquanto o perdão judicial é uma decisão individual e pontual.

A anistia pode ser revogada?

A anistia, uma vez concedida, não pode ser revogada. 

Isso ocorre porque a anistia é um ato legislativo que extingue os efeitos legais de determinados crimes, e sua natureza é definitiva.

A revogação de uma anistia violaria o princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI da CF/88), já que criaria instabilidade ao permitir que pessoas anistiadas pudessem ser novamente processadas ou punidas por crimes que já foram perdoados pelo Estado.

No entanto, é possível que novas legislações sejam criadas para evitar que situações futuras semelhantes sejam anistiadas, mas a anistia já concedida permanece válida e eficaz, sem possibilidade de retrocesso.

Quais os efeitos legais da concessão da anistia?

A concessão da anistia gera efeitos legais que impactam diretamente a situação dos anistiados. 

O principal efeito é a extinção da punibilidade, ou seja, as pessoas que cometeram os crimes abrangidos pela anistia deixam de ser responsabilizadas penalmente, como se o crime nunca tivesse ocorrido. 

Além disso, ela também pode resultar na anulação de condenações anteriores, no arquivamento de processos em andamento e na reintegração de direitos políticos e civis.

Outro efeito importante é que a anistia não apenas apaga a pena, mas também elimina os efeitos secundários do crime, como a inelegibilidade ou perda de cargos públicos. 

Importante ressaltar que esses efeitos dependem da forma como a lei de anistia é redigida, podendo variar conforme o contexto e os objetivos da anistia concedida.

Conclusão

A anistia é um instrumento jurídico de grande importância, especialmente em contextos de pacificação social e política. 

Ela permite que o Estado, em momentos de crise ou transição, perdoe crimes cometidos, especialmente aqueles de natureza política, restaurando direitos e promovendo reconciliação. 

Contudo, sua aplicação é limitada a crimes específicos e envolve complexas implicações legais. 

Ao longo deste artigo, vimos como a anistia se diferencia do perdão judicial, seus efeitos e limitações, especialmente no que se refere a crimes que não podem ser anistiados, conforme nossa Constituição. 

É um tema que nos faz refletir sobre os limites do poder estatal no perdão de determinadas condutas. 

Conhecer essas nuances é essencial para advogados e estudantes de direito, que devem estar preparados para lidar com os desdobramentos jurídicos e sociais desse importante mecanismo.

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Conheça as referências deste artigo

A Constituição e o Supremo, disponível em: https://constituicao.stf.jus.br/dispositivo/cf-88-parte-1-titulo-2-capitulo-1-artigo-5.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 19ª ed. São Paulo: Saraiva,2015.

ABRAÃO, Paulo. A lei de anistia no Brasil – as alternativas para a verdade e justiça, disponível em: https://revista.an.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/373/373


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Advogada (OAB 223.306/RJ), com especialização em Direito Privado e mestrado em Direito Econômico e do Desenvolvimento. Sou membro da Comissão de Empreendedorismo Jurídico e da Comissão de Startup e Inovação da OAB Seccional Barra da Tijuca/RJ. Em meu escritório presto...

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