Art. 780. Sem prejuízo de convenções ou tratados, aplicar-se-á o disposto neste Título à homologação de sentenças penais estrangeiras e à expedição e ao cumprimento de cartas rogatórias para citações, inquirições e outras diligências necessárias à instrução de processo penal.
Este artigo é o primeiro do Livro V do Código de Processo Penal, que trata “das relações jurisdicionais com autoridade estrangeira”, abrangendo cartas rogatórias e homologação de sentenças estrangeiras.
Pelo estabelecido nesse artigo, fica definido que o procedimento de homologação de sentenças estrangeiras e de expedição de cartas rogatórias ou cumprimento de cartas recebidas pelo Brasil serão realizadas conforme as previsões desse Livro.
Contudo, deve ser observado que as determinações do Livro não se sobreporão às convenções ou tratados internacionais que o Brasil tenha ratificado ou venha a ratificar.
Jurisprudência:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CAVALO DE FOGO. TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO, TRANSNACIONALIDADE. […] 3. ATOS PROCESSUAIS. DILIGÊNCIAS NO EXTERIOR. CARTA ROGATÓRIA. FACULTADO MEIOS MAIS CÉLERES. CONVENÇÕES E TRATADOS. […] 3. Embora prevista a carta rogatória como instrumento jurídico de colaboração entre países para o cumprimento de citações, inquirições e outras diligências processuais no exterior, necessárias à instrução do feito, o ordenamento facultou meios outros, mais céleres, como convenções e tratados, para lograr a efetivação do decisum da autoridade judicial brasileira (artigo 780 do Código de Processo Penal). 4. A implementação da medida constritiva judicial de interceptação dos dados vinculados aos serviços PIN-TO-PIN e BBM (BlackBerryMessage) não se submete, necessariamente, aos institutos da carta rogatória e do MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty). 5. No franco exercício da cooperação direta internacional e em prol de uma maior celeridade ao trâmite processual, inexiste pecha no fornecimento do material constrito por empresa canadense (RIM – Research In Motion), mediante ofício expedido pelo juízo e encaminhado diretamente ao ente empresarial, para o devido cumprimento da decisão constritiva. […] 8. Recurso a que se nega provimento. (RHC n. 57.763/PR, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 1/10/2015, DJe de 15/10/2015.)
Art. 781. As sentenças estrangeiras não serão homologadas, nem as cartas rogatórias cumpridas, se contrárias à ordem pública e aos bons costumes.
A previsão é semelhante ao previsto no art. 17 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942), que, por sua vez, veda também leis, atos e sentenças estrangeiros que “ofenderem a soberania nacional”.
O resguardo à ordem pública é de todo razoável e racional, vez que, de fato, descabe a homologação de sentença ou o cumprimento de carta rogatória que venha a violar bem protegido de forma especial pelo direito brasileiro.
A ordem pública é motivo bastante para o deferimento de prisão preventiva, de forma que importar decisão estrangeira que cause sua violação seria contrassenso.
Quanto à contrariedade dos bons costumes há maior complexidade para compreensão e aplicação prática. A Constituição Federal assegura que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, inc. II), o que suscita o questionamento sobre a constitucionalidade de decisão judicial fundamentada na violação dos “bons costumes” – questão por demais fluida, que varia conforme as gerações, a região do país, a classe social, a profissão etc.
Talvez por isso mesmo é que não tivemos êxito em localizar na jurisprudência do STJ e STF alguma decisão que negue homologação ou cumprimento de ato judicial estrangeiro com base na contrariedade aos bons costumes.
Jurisprudência:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. CARTA ROGATÓRIA. EXEQUATUR. CITAÇÃO DE BRASILEIRO RESIDENTE NO BRASIL. DELITO PRATICADO NO EXTERIOR. I. – Citação de brasileiro residente no Brasil, para responder a processo penal perante a Justiça rogante, acusado de crime praticado no exterior: possibilidade, porque a citação não é ofensiva da soberania nacional. Precedente: CR 6.514 (AgRg)-Portugal, Gallotti, Plenário, 29.06.94, RTJ 155/154. II. – Diligências relativas ao interrogatório e ao exame de sanidade mental condicionadas à juntada de cópia integral do processo que corre no exterior. III. – Agravo provido, em parte. (CR 9191 AgR, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08-08-2001, DJ 06-12-2002 PP-00066 EMENT VOL-02094-02 PP-00210 RTJ VOL-0184- PP-00148)
Art. 782. O trânsito, por via diplomática, dos documentos apresentados constituirá prova bastante de sua autenticidade.
Caso a sentença ou carta rogatória seja recebida por via diplomática, elas e os documentos que às instruem serão presumidos autênticos, dispensando outras formalidades, como a chancela consular.
Jurisprudência:
AGRAVO INTERNO NA CARTA ROGATÓRIA. CITAÇÃO VÁLIDA E CONSTITUIÇÃO DE DEFENSOR. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE. CHANCELA CONSULAR. TRAMITAÇÃO PELA AUTORIDADE CENTRAL. CONCESSÃO DE EXEQUATUR. POSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE AUTENTICIDADE. 1. A citação válida e a constituição de defensor para o interessado no processo estrangeiro são matérias a ser apreciadas pela Justiça rogante, cabendo ao STJ emitir juízo meramente delibatório acerca da concessão do exequatur. 2. Consideram-se autênticos os documentos recebidos por meio da autoridade central ou pela via diplomática, o que dispensa a chancela consular e demais formalidades. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt na CR n. 12.703/EX, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 19/12/2018, DJe de 4/2/2019.)
Advogado (OAB 75.386/PR e 22.455A/MS), sócio do Alencar & Pressuto em Campo Grande-MS. Bacharel em Direito e especialista em Ciências Criminais pela PUC/PR. Possui larga experiência em procedimentos de inclusão em penitenciárias federais. Hoje atua exclusivamente na assessoria empresas, urbanas...
Ler mais
Capítulo I – Disposições gerais
Art. 780 a 782