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Crimes de guerra: fundamentação jurídica e relevância internacional

28 jan 2025
Artigo atualizado 21 jan 2025
28 jan 2025
ìcone Relógio Artigo atualizado 21 jan 2025
Constituem crimes de guerra as ações ou omissões que violam as leis e costumes aplicáveis em conflitos armados. Tais crimes têm como fundamento jurídico as limitações ao exercício da guerra.

A guerra, como fenômeno social, político e jurídico, é uma constante na história da humanidade. Contudo, mesmo em meio a conflitos armados, certas ações ultrapassam os limites do aceitável, configurando graves violações ao Direito Internacional Humanitário (DIH). 

Essas normas, criadas para reduzir os horrores da guerra, têm como objetivo proteger civis, combatentes fora de combate, bens essenciais e outros grupos vulneráveis, além de estabelecer limites claros para os métodos e meios de combate.

Entre as violações mais graves do DIH estão os crimes de guerra, atos que desafiam os princípios básicos de humanidade e infligem sofrimento desnecessário. 

Mas o que caracteriza um crime de guerra? Como esse conceito evoluiu ao longo do tempo? Quem pode julgá-los e quais exemplos históricos ajudam a compreender sua gravidade?

Neste texto, vamos explorar as bases jurídicas dos crimes de guerra e sua relevância nos conflitos contemporâneos, como os observados na Ucrânia, em Gaza, na Síria e no Sudão. 

Em um contexto global de crescentes tensões, entender essas normas é essencial para proteger vidas e responsabilizar os autores de atrocidades. Essa reflexão não é apenas jurídica, mas também um compromisso ético indispensável.

O que são crimes de guerra? 

Crimes de guerra são graves violações das normas do Direito Internacional Humanitário, desenvolvidas para regulamentar a conduta em conflitos armados e proteger pessoas e bens essenciais que não participam diretamente das hostilidades.

Essas normas estão codificadas em instrumentos fundamentais, como as Convenções de Haia (1899 e 1907), as Convenções de Genebra (1949) e seus Protocolos Adicionais (1977), além do Artigo 8º do Estatuto de Roma (1998), que tipifica detalhadamente essas condutas. 

O objetivo central dessas disposições é mitigar o sofrimento humano em cenários de guerra. Entre os atos classificados como crimes de guerra estão:

  • Ataques intencionais contra civis ou bens de caráter civil, como bombardeios a áreas residenciais, escolas e hospitais, que não ofereçam vantagem militar direta;
  • Emprego de armas proibidas, como armas químicas, biológicas ou munições de fragmentação, instrumentos cujo impacto causa sofrimento desnecessários e violam tratados específicos;
  • Destruição de propriedades sem justificativa militar, configurando vandalismo estratégico ou retaliação ilegal;
  • Práticas como tortura, tratamentos desumanos e tomada de reféns, atos cruéis contra prisioneiro de guerras ou civis sob custódia;
  • Uso de escudos humanos, forçar civis a atuarem como barreiras contra ataques;
  • Recrutamento de crianças-soldados, que viola normas de proteção infantil em conflitos armados, entre outros que serão listados ao longo do texto;
  • Ataques contra trabalhadores humanitários, impedir assistência médica ou humanitária em zonas de conflito.

Essas condutas transcendem a esfera do DIH, configurando não apenas violações normativas, mas também um atentado aos valores que sustentam o sistema internacional. 

Tais atos justificam sanções severas aos perpetradores e reforçam a importância de tribunais internacionais para garantir sua repressão.  

o que são crimes de guerra
O que são crimes de guerra.

Evolução histórica

A conceituação atual de crimes de guerra é fruto de um desenvolvimento histórico e jurídico que acompanha a evolução do Direito Internacional. 

Antes do século XX, havia menções aos chamados delicta juris gentium (crimes contra o direito das gentes), como a pirataria e algumas práticas militares durante guerras, mas estas careciam de uma codificação robusta e mecanismos de responsabilização internacional.

As Convenções de Haia de 1899 e 1907 representaram os primeiros esforços multilaterais para regulamentar os métodos de combate e proteger pessoas e bens não envolvidos diretamente nas hostilidades.

Contudo, essas normas eram limitadas a conflitos entre Estados e dependiam das jurisdições nacionais para sua aplicação, o que reduzia significativamente sua eficácia prática. 

Após a Primeira Guerra Mundial, discussões sobre a criação de um tribunal penal internacional ganharam força, mas a falta de consenso entre as potências e o fracasso da Liga das Nações impediram avanços significativos. 

A Segunda Guerra Mundial, porém, representou um ponto de virada. 

As atrocidades sistemáticas, como o Holocausto, levaram à criação dos Tribunais Militares de Nuremberg e Tóquio, que introduziram a responsabilidade penal individual no Direito Internacional. 

Esses Tribunais estabeleceram precedentes importantes, como a criminalização de violações às leis de guerra e a rejeição da imunidade de chefes de Estado.

Nos anos 1990, a criação dos Tribunais Penais Internacionais para a ex-Iugoslávia (TPII) e Ruanda (TPIR) ampliou a aplicação das normas de crimes de guerra para conflitos não internacionais. 

O emblemático caso Tadić, julgado pelo TPII, foi um divisor, ao reafirmar que o DIH se aplica tanto a conflitos entre Estados quanto a conflitos internos, ampliando a proteção das vítimas em cenários de guerra civil. 

A adoção do Estatuto de Roma, em 1998, representou um marco definitivo ao estabelecer o Tribunal Penal Internacional (TPI), o primeiro tribunal penal permanente com competência para julgar indivíduos acusados de crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de agressão. 

O TPI consolidou o princípio da responsabilidade penal individual no âmbito internacional. 

A evolução do conceito de crimes de guerra reflete o esforço contínuo da comunidade internacional para equilibrar as exigências de soberania estatal com a necessidade de responsabilizar os perpetradores e proteger as vítimas.

Apesar dos avanços, a aplicação uniforme e efetiva das normas do DIH em todos os contextos permanece um desafio significativo.

Adicionalmente, o TPI julga apenas indivíduos, enquanto as disputas entre Estados e suas responsabilidades são tratadas pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), cuja jurisdição também depende da adesão voluntária dos países envolvidos. 

Essa divisão de competências evidencia a complexidade do sistema internacional e reforça a necessidade de cooperação global para garantir a eficácia da aplicação das normas internacionais. 

Tribunal Penal Internacional (TPI)

O Tribunal Penal Internacional (TPI), instituído pelo Estatuto de Roma em 1998 e em vigor desde 2002, é também conhecido como Tribunal de Haia

Regido pelo princípio da responsabilidade penal individual, conforme o Artigo 25 do Estatuto de Roma, o TPI julga pessoas físicas, contendo os seguintes crimes previstos: 

Genocídio (art. 6º)

Ações com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, por meio de homicídios dos membros do grupo; ofensa grave à integridade física ou mental de membros do grupo; sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; transferência forçada de crianças de um grupo para o outro. 

Crimes contra a Humanidade (art. 7º)

Ataques cometidos contra qualquer população civil, generalizado ou sistemático, por meio de: homicídio; extermínio; escravidão; tortura; deportação ou transferência forçada de uma população; prisão ou outra forma de privação de liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; Desaparecimento forçado de pessoas; Crime de apartheid

Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

Crimes de Guerra (art. 8º)

Determina que a maior parte das violações graves ao direito internacional humanitário detalhadas nas Convenções de Genebra e seus protocolos adicionais de 1977 são crimes de guerra. 

Dentre as violações elencamos: atos de agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, esterilização à força ou qualquer outra forma de violência sexual; utilização de crianças com menos de 15 anos para participar ativamente nas hostilidades.

Agressão

Entende-se por ato de agressão o uso da força armada por parte de um Estado contra a soberania, integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou qualquer outra forma incompatível com a Carta das Nações Unidas

Uma característica central do TPI é sua jurisdição subsidiária, o que significa que o Tribunal atua apenas quando os sistemas nacionais de justiça são incapazes ou não têm vontade de investigar e punir os crimes de sua competência. 

Sua jurisdição se aplica exclusivamente aos Estados que ratificaram o Estatuto de Roma ou que, mesmo não signatários, reconhecem voluntariamente sua autoridade em casos específicos. 

Além disso, o Conselho de Segurança da ONU pode encaminhar situações ao TPI, como ocorreu no caso da Líbia, em 2011. 

No Brasil, o Estatuto de Roma foi incorporado ao ordenamento jurídico por meio do Decreto nº 4.388/2002, e sua competência foi reafirmada com a Emenda Constitucional nº 45/2004, que formalizou a adesão do país ao TPI, demonstrando o compromisso brasileiro com a luta contra a impunidade no plano internacional. 

Apesar de seus avanços, o TPI enfrenta desafios significativos e críticas relacionadas à sua eficácia e alcance. Muitos países, como Estados Unidos, China e Rússia, não ratificaram o Estatuto de Roma, restringindo a jurisdição do Tribunal. 

Além disso, o TPI depende amplamente da cooperação dos Estados para executar mandados de prisão e acessar provas, o que frequentemente dificulta suas operações em cenários de resistência política.

Exemplos históricos de Crimes de Guerra

Os crimes de guerra têm marcado a história moderna, destacando as consequências devastadoras da impunidade e a importância da responsabilização jurídica. 

Abaixo, destacam-se exemplos emblemáticos que ilustram tanto a gravidade dessas violações quanto os avanços no combate à impunidade:  

Julgamentos de Nuremberg (1945-1946)

Após a Segunda Guerra Mundial, os Julgamentos de Nuremberg representaram um marco histórico ao estabelecer a responsabilidade penal individual no Direito Internacional. 

Pela primeira vez, líderes políticos e militares foram responsabilizados por crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio. 

Esses julgamentos rejeitaram a imunidade de chefes de Estado e introduziram o conceito de “crimes contra a paz”, consolidando os princípios do Direito Penal Internacional. 

Além disso, Nuremberg reafirmou que ordens superiores não isentam a responsabilidade por atos que violam as leis de guerra, criando precedentes fundamentais para tribunais futuros. 

Massacre de My Lai (1968)

Durante a Guerra do Vietnã, soldados norte-americanos atacaram indiscriminadamente civis desarmados na vila de My Lai, resultando no assassinato brutal de centenas de homens, mulheres e crianças. 

O massacre tornou-se um símbolo dos excessos da violência descontrolada nos conflitos armados e evidenciou as falhas dos mecanismos internos de prevenção e responsabilização. 

Embora a maioria dos envolvidos não tenha sido punida, o caso reforçou debates sobre a proteção de civis e a necessidade de maior controle sobre as forças armadas em zonas de conflito.  

Genocídio de Srebrenica (1995)

O massacre de mais de 8.000 homens e meninos bósnios por forças sérvias, durante a Guerra da Bósnia, foi considerado o pior massacre em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial. 

Classificado como crime de guerra e crime contra a humanidade, o genocídio de Srebrenica foi um marco para a atuação do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII). 

O tribunal condenou diversos líderes sérvios pelos crimes, incluindo genocídio, tortura e deportação forçada, reafirmando a aplicabilidade das normas internacionais em conflitos não internacionais. 

Uso de Armas Químicas na Síria (2011-presente)

Durante a Guerra Civil Síria, diversas investigações documentaram o uso de armas químicas proibidas pelo Direito Internacional Humanitário, como gás sarin e cloro, em ataques contra populações civis. 

Esses atos configuram crimes de guerra, conforme as Convenções de Genebra e tratados específicos sobre armas químicas.

O caso expôs as limitações práticas do sistema internacional para responsabilizar autores em meio a conflitos ativos e demonstrou a necessidade de maior cooperação internacional para evitar a impunidade em crimes contemporâneos.

Esses casos exemplificam tanto os avanços quanto os desafios enfrentados na repressão aos crimes de guerra. 

Desde a criação de tribunais ad hoc, até as investigações conduzidas pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), o arcabouço jurídico internacional evoluiu significativamente, consolidando normas e mecanismos de responsabilização. 

No entanto, obstáculos como a resistência política de Estados e a falta de cooperação internacional continuam a limitar a plena eficácia do DIH. 

Além disso, o tema dos crimes de guerra voltou a ganhar destaque nos noticiários globais, em virtude de conflitos armados contemporâneos envolvendo diferentes regiões e atores estatais e não estatais. 

A gravidade das violações relatadas em tais cenários reforça a necessidade de fortalecer os mecanismos de responsabilização internacional e promover cada vez mais o respeito às normas do DIH. 

Conclusão

Os crimes de guerra representam algumas das violações mais graves às normas do Direito Internacional, configurando não apenas ofensas jurídicas, mas também ataques à própria noção de humanidade. 

O desenvolvimento histórico do conceito, desde os esforços iniciais nas Convenções de Haia até a consolidação do Estatuto de Roma, demonstra o empenho da comunidade internacional em criar mecanismos efetivos de responsabilização dos perpetradores dessas atrocidades.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é um marco nesse processo, fornecendo uma estrutura permanente para a investigação e julgamento de indivíduos acusados de crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade e agressão. 

No entanto, as tensões entre soberania estatal e justiça internacional permanecem desafiadoras, como demonstram casos recentes de não cooperação de mandados de prisão emitidos pelo TPI.

Casos históricos como os Julgamentos de Nuremberg, o genocídio de Srebrenica e as atrocidades na Síria ilustram tanto os avanços quanto as lacunas na aplicação do Direito Internacional Humanitário. 

A evolução do arcabouço jurídico reflete conquistas, mas a ocorrência contínua de crimes em conflitos contemporâneos demonstra que há uma necessidade urgente de ampliar a aplicação uniforme das normas humanitárias.

A proteção das vítimas e a responsabilização dos autores de crimes de guerra exigem um esforço coletivo. O fortalecimento do TPI, o aprimoramento da cooperação interestatal e a sensibilização global sobre as normas do DIH são passos essenciais para enfrentar as lacunas existentes e prevenir novas violações. 

Mais do que uma obrigação jurídica, esse compromisso é um imperativo ético para construir um sistema internacional mais justo, humano e comprometido com os direitos das gerações futuras. 

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Conheça as referências deste artigo

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Salvador: JusPODIVM, 2018.
REZEK, J.F. Direito Internacional Público – Curso Elementar, Ed. Saraiva, 8a edição, 2000
TÁVORA, Fabiano. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2016 – Coleção Diplomata)


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Luiz Paulo Yparraguirre é Mestre pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Pós Graduado em Advocacia Empresarial (PUC) e em Direito Médico e Hospitalar (UCAM). Membro da World Association for Medical Law (WAML). Sócio do...

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