Dano existencial trabalhista refere-se à violação do direito à dignidade e à qualidade de vida do trabalhador, resultante de condições laborais que comprometem sua saúde mental e emocional, afetando sua vida pessoal e social.
O dano existencial trabalhista é um tema que vem ganhando destaque no âmbito jurídico brasileiro, especialmente em decorrência das mudanças nas relações de trabalho.
Segundo a plataforma de jurimetria Data Lawyer, existem atualmente 207.000 processos em andamento sobre o tema e a jurisprudência vem se posicionando de maneira favorável para estes pedidos.
Sabe quando você tem a sensação de que vive apenas para trabalhar e que as atividades do trabalho ocupam praticamente 100% do seu tempo e da sua existência? Isso pode ser considerado dano existencial.
O que é Dano Existencial?
O dano existencial é caracterizado pela privação de momentos significativos da vida do trabalhador, como o tempo dedicado à família, lazer e outras atividades que compõem a sua existência.
Essa situação pode ocorrer em decorrência de jornadas excessivas de trabalho, pressão psicológica, assédio moral e outras práticas que desrespeitam a dignidade do trabalhador.
Normalmente, o trabalhador alega ter sofrido dano existencial em razão da jornada de trabalho longa e sobrecarregada, repleta de estresse e pressão, alegando que a empresa submete seus empregados a jornadas excessivas de trabalho, causando-lhes abalo físico e psicológico que impede a fruição do direito ao lazer e ao convívio social.
Neste caso, através da análise do conjunto probatório, o juiz vai avaliar se a empresa realmente cometeu alguma conduta hábil a gerar dano existencial.
Diferença entre Dano Existencial e Dano Moral
Embora tanto o dano moral quanto o dano existencial sejam categorias de dano extrapatrimonial, não devem ser confundidos, pois não são sinônimos.
O dano moral refere-se à lesão que afeta a personalidade do indivíduo, atingindo aspectos não econômicos e não patrimoniais, impactando sua honra, imagem, integridade física e psíquica, saúde, entre outros.
Esse tipo de dano provoca sofrimento, angústia, dor e vergonha, e sua reparação busca compensar a violação de direitos fundamentais como honra, liberdade, integridade física, saúde, imagem, intimidade e vida privada, ainda que por meio de indenização pecuniária.
O dano existencial, por outro lado, não está vinculado à dor ou ao sofrimento íntimo do indivíduo, mas sim a frustrações e limitações que comprometem sua realização pessoal, impactando negativamente sua qualidade de vida e forçando uma reestruturação nas relações sociais e profissionais.
Diferente do dano moral, que tem uma dimensão subjetiva e não exige prova concreta, o dano existencial pode ser objetivamente constatado.
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Implicações legais do Dano Existencial
No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Constituição Federal garantem direitos fundamentais aos trabalhadores, incluindo o direito a um ambiente de trabalho saudável e a proteção contra abusos.
O dano existencial, embora não esteja explicitamente mencionado na legislação, pode ser pleiteado através de ações judiciais, baseando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.
O direito ao lazer e ao descanso é direito humano fundamental, assegurado constitucionalmente – art. 6º – e está diretamente relacionado com a relação de trabalho.
Giuseppe Cassano, (La giurisprudenza del danno esistenciale. Piacenza: La Tribuna, 2002. p.34, obra citada no artigo de Amaro Alves de Almeida Neto) afirma que por dano existencial:
“se entende qualquer dano que o indivíduo venha a sofrer nas suas atividades realizadoras”. O dano existencial, em boa substância, nada mais é do que a lesão de qualquer interesse juridicamente relevante para a pessoa, ressarcível nas suas consequências não patrimoniais”.
O dano existencial está, como se vê, intimamente relacionado com uma ofensa à dignidade humana.
O ordenamento jurídico brasileiro consagrou o direito à dignidade humana como um valor e um princípio fundamental (art. 1.º, III, da Constituição Federal), prevendo mecanismos jurídicos capazes de barrar o abuso a este valor constitucional e de fazer com que, uma vez existente tal abuso, seja o seu titular indenizado.
Assim, se um trabalhador comprovar que suas condições de trabalho lhe causaram dano existencial, ele pode buscar reparação, mesmo que não haja uma específica que trate e reconheça essa situação.
Como provar o Dano Existencial?
Nos termos do que prevê o artigo 818 da CLT, 333, I e II do CPC, bem como do que consta previsto na Súmula nº 338 do C. TST, incumbe à parte que alega a prova do seu direito.
DANO EXISTENCIAL. CARACTERIZAÇÃO. O dano existencial exsurge de conduta (ilícita) do empregador que impossibilita o trabalhador de cultivar sua vida de relações (convivência social, atividades recreativas, culturais, de lazer, de descanso, esportivas, espirituais dentre outras) ou de prosseguir, começar ou recomeçar seus projetos de vida, que lhe proporcionarão realização e crescimento profissional, pessoal e social. É ônus do trabalhador comprovar a frustração de seus projetos de vida e do prejuízo em sua vida social, o que não ocorreu (art . 818, I, da CLT e art. 373, I, do CPC). Recurso do Reclamante a que se nega provimento, no particular. (TRT-9 – ROT: 00005810820225090668, Relator.: SÉRGIO GUIMARÃES SAMPAIO, Data de Julgamento: 12/03/2024, 5ª Turma, Data de Publicação: 15/03/2024)
Para provar o dano existencial o trabalhador deve demonstrar que era submetido a jornadas demasiadamente exaustivas, sem possibilidade de usufruir do descanso semanal remunerado, com constante desrespeito aos intervalos intrajornada e interjornada.
Além de comprovar que era privado de sua vida pessoal em razão do trabalho e que esta privação de causou abalo moral.
Exemplos de comprovações
A comprovação pode ser feita por diferentes meios. Anotações nos cartões de ponto, filmagens que registrem os horários de chegada e saída do trabalhador, e mensagens em aplicativos de comunicação interna são alguns exemplos.
Além disso, atestados médicos que indiquem a necessidade de afastamento por estresse no trabalho também são válidos. Depoimentos de testemunhas e outros documentos relevantes podem ser apresentados para análise do juízo.
Impacto do Dano Existencial na Vida do Trabalhador
Não há dúvidas de que o dano existencial impacta significativamente a vida do trabalhador, tanto no aspecto profissional quanto pessoal.
No ambiente de trabalho, pode resultar na redução da satisfação com as atividades exercidas, fazendo com que o empregado perca a motivação e o prazer pelo que faz. O excesso de carga horária, por exemplo, compromete a criatividade e a produtividade, tornando o desempenho menos eficiente.
Além disso, trabalhadores submetidos a condições que impedem sua qualificação ou progressão na carreira acabam tendo oportunidades limitadas, o que pode dificultar seu crescimento profissional e até sua recolocação no mercado.
A sobrecarga e o estresse também afetam a saúde física e psicológica, podendo desencadear doenças como a síndrome de burnout, depressão e ansiedade. Em muitos casos, o esgotamento mental pode levar ao afastamento definitivo das atividades laborais, agravando ainda mais a situação do trabalhador.
Outro efeito do dano existencial é a necessidade de reprogramação da vida profissional, já que, em algumas situações, o empregado se vê obrigado a mudar totalmente seus planos de carreira devido às consequências negativas enfrentadas. Isso pode levar até mesmo à demissão ou afastamento involuntário, gerando instabilidade financeira e social.
Na vida pessoal, o dano existencial prejudica as relações familiares e sociais. A falta de tempo para a família pode causar distanciamento afetivo e enfraquecimento dos laços interpessoais, além de privar o indivíduo de momentos de lazer e bem-estar. A frustração de projetos de vida é outro impacto relevante, pois o trabalhador pode ser impedido de alcançar objetivos pessoais, como concluir um curso, viajar ou investir em seus sonhos. Essa limitação gera arrependimento e um forte sentimento de vida desperdiçada.
Além disso, a privação de uma vida social ativa pode levar ao isolamento e à perda da identidade social. Quando o trabalhador não consegue construir e manter vínculos fora do ambiente profissional, sua autoestima pode ser comprometida, gerando sentimentos de inutilidade e insatisfação com sua trajetória.
O dano existencial, portanto, vai muito além da esfera profissional, afetando profundamente a dignidade do indivíduo ao restringir seu direito ao equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
Sua reparação não deve ser apenas financeira, mas também deve envolver medidas que garantam condições de trabalho justas e respeitosas, preservando a saúde e o bem-estar do trabalhador.
Jurisprudência relacionada ao Dano Existencial
A jurisprudência brasileira tem reconhecido o dano existencial em diversas decisões, considerando a necessidade de proteção ao trabalhador frente a práticas que comprometam sua qualidade de vida.
Os Tribunais têm entendido que a violação de direitos trabalhistas pode gerar não apenas danos materiais, mas também danos morais e existenciais, passíveis de indenização.
Destaco os precedentes a seguir:
A atual jurisprudência do TST sedimentou o entendimento de que o dano existencial exige prova da ocorrência de algum fato de grande relevância na vida pessoal do empregado que tenha nexo de causalidade com as condições adversas, opressivas ou extenuantes de trabalho. Não há provas ou sequer indícios de danos causados à saúde física ou mental do reclamante ou mesmo prejuízo ao lazer, convívio social e familiar. (TRT-3 – ROT: 0010575-74 .2023.5.03.0027, Relator.: Weber Leite de Magalhaes Pinto Filho, Nona Turma)
“DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que traduzem decisão jurídico-objetiva de valor de nossa Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, do qual constitui projeção o direito ao desenvolvimento profissional, situação que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso do reclamante provido. (TRT da 4ª Região, 1a. Turma, 0002125-29.2010.5.04.0203 RO, em 20/03/2013, Desembargador José Felipe Ledur – Relator. Participaram do julgamento: Desembargadora Iris Lima de Moraes, Desembargadora Laís Helena Jaeger Nicotti)”.
Importante destacar que o mero exercício de horas extras, dentro do limite legal, não enseja em dano existencial, conforme jurisprudência dominante.
RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. JORNADA EXCESSIVA. NECESSIDADE DA EFETIVA PROVA DO DANO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. No caso, a Corte a quo condenou a reclamada em danos morais (dano existencial), registrando que “a existência de jornada extraordinária nos moldes delimitados na presente, com supressão de folgas, autoriza o deferimento de indenização por dano existencial, que no caso prescinde de produção de prova robusta demonstrando a impossibilidade de convívio familiar e social”. Ocorre que essa Corte Superior entende que, para que ocorra o dano existencial nas relações trabalhistas, não basta a mera caracterização de jornada excessiva de trabalho (in re ipsa), sendo imprescindível a demonstração inequívoca do prejuízo com a limitação de atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas, ou quaisquer outras desenvolvidas pelo empregado fora do ambiente laboral, fatos não demonstrados nos autos. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST – RR: 00100705720195150070, Relator.: Luiz Jose Dezena Da Silva, Data de Julgamento: 26/06/2024, 1ª Turma, Data de Publicação: 01/07/2024)
Dicas para evitar o Dano Existencial no Trabalho
Para evitar a ocorrência do dano existente, as empresas devem sempre observar os comandos legais em relação ao trabalho exercido pelo empregado, respeitando o limite máximo de compensação de jornada estipulado pela lei, bem como o devido pagamento das horas extras.
Além disso, o trabalhador deve sempre usufruir dos descansos conforme a lei determina, das pausas e dos intervalos de acordo com a atividade econômica desempenhada.
Para as empresas é importante manter sempre bem documentados os registros de entrada e saída dos seus empregados, bem como evitar o envio de mensagens e demandas fora do horário de trabalho, a fim de evitar que o empregado sofra qualquer limitação em sua vida fora do ambiente de trabalho por culpa da empresa.
É fundamental que as empresas incentivem os empregados a manterem um equilíbrio saudável entre a vida profissional e pessoal. Isso pode ser feito através de políticas de flexibilidade de horário, home office e programas de bem-estar que promovam atividades de lazer e desenvolvimento pessoal.
O Google é famoso por seu ambiente de trabalho inovador e focado no bem-estar dos empregados. A empresa oferece uma série de benefícios, como refeições gratuitas, academias, áreas de lazer e programas de desenvolvimento profissional
A Natura é conhecida por suas políticas de bem-estar e equilíbrio entre vida profissional e pessoal. A empresa oferece horários flexíveis, programas de home office e incentivos para atividades de lazer e desenvolvimento pessoal.
Essas práticas ajudam a garantir que os empregados tenham tempo para suas vidas pessoais e familiares, evitando o dano existencial.
Recursos e apoio legal para vítimas de Dano Existencial
O primeiro passo para oferecer apoio para as vítimas de dano existencial é que haja nas empresas uma comunicação aberta e transparente com os empregados, sendo essencial para identificar e resolver problemas que possam surgir no ambiente de trabalho.
As empresas devem estar dispostas a ouvir as preocupações dos empregados e tomar medidas para melhorar as condições de trabalho.
Caso o empregado não se veja acolhido em suas demandas, ele pode optar em denunciar o caso ao Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, bem como ajuizar uma reclamação trabalhista.
Para pleitear o dano existencial, o trabalhador deve reunir provas que demonstrem a relação entre suas condições de trabalho e a violação de seus direitos. Isso pode incluir testemunhos, laudos médicos e documentos que comprovem a carga horária excessiva e as práticas abusivas por parte do empregador.
Lembrando que conforme a jurisprudência dominante, o mero exercício de horas extras dentro do limite legal não enseja em dano existencial.
Conclusão
O dano existencial trabalhista é um tema relevante e atual, que reflete a necessidade de uma abordagem mais humana nas relações de trabalho.
A legislação brasileira, embora não trate diretamente do assunto, oferece mecanismos para que os trabalhadores possam buscar reparação por danos que afetam sua dignidade e qualidade de vida.
A conscientização sobre esse tema é fundamental para promover um ambiente de trabalho mais justo e respeitoso, onde os direitos dos trabalhadores sejam efetivamente garantidos e as empresas cumpram a sua função social.
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Conheça as referências deste artigo
La giurisprudenza del danno esistenciale. Piacenza: La Tribuna, 2002. p.34
CRFB 1988
CLT
CPC
TRT-3 – ROT: 0010575-74 .2023.5.03.0027, Relator.: Weber Leite de Magalhaes Pinto Filho, Nona Turma.
TRT-9 – ROT: 00005810820225090668, Relator.: SERGIO GUIMARAES SAMPAIO, Data de Julgamento: 12/03/2024, 5ª Turma, Data de Publicação: 15/03/2024.
TST – RR: 00100705720195150070, Relator.: Luiz Jose Dezena Da Silva, Data de Julgamento: 26/06/2024, 1ª Turma, Data de Publicação: 01/07/2024.
TRT da 4ª Região, 1a. Turma, 0002125-29.2010.5.04.0203 RO, em 20/03/2013, Desembargador José Felipe Ledur – Relator. Participaram do julgamento: Desembargadora Iris Lima de Moraes, Desembargadora Laís Helena Jaeger Nicotti.
Advogada desde 2009 (OAB 119.894/MG), Bacharela em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo CAD-MG. Pós-graduada em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista pelo IEPREV. Sócia...
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Parabéns pelo brilhante trabalho. Sou advogado de relações sindicais, porém, sou apaixonado pelo direito laboral, e ainda mais pela dedicação de alguns colegas, como foi no presente trabalho.
Lúcio de Moura Leite – Advogado em São Paulo