O direito consuetudinário é aquele que se estabelece a partir da prática reiterada de determinado comportamento. Ou seja, é um costume que é reconhecido como fonte de direito. No direito internacional, o direito consuetudinário é o que decorre do costume por parte dos agentes internacionais.
Miguel Reale, na linha de sua Teoria Tridimensional do Direito, explica que são quatro as fontes do direito:
- A legal, resultante do poder estatal de legislar editando leis e seus corolários normativos;
- A consuetudinária, expressão do poder social, inerente à vida coletiva e revelada através de sucessivas e constantes formas de comportamento;
- A jurisdicional, que se vincula ao Poder Judiciário, expressando-se através de sentenças de vários graus e extensão;
- A fonte negocial, ligada ao poder que tem a vontade humana de instaurar vínculos reguladores do pactuado com outrem.
Neste artigo você vai entender de forma mais aprofundada o que é direito consuetudinário – desde sua origem, importância e exemplos. Continue a leitura! 😉
O que é o Direito Consuetudinário?
O Direito consuetudinário é uma elaboração jurídica que se fundamenta nos costumes e nas tradições de uma comunidade específica, os quais, ao longo do tempo, foram reconhecidos e aceitos como normas.
Nesse contexto, os costumes evoluíram de práticas comuns para se tornarem um sistema jurídico abrangente, aplicável tanto no âmbito administrativo quanto no judiciário.
Qual a origem do Direito Consuetudinário?
Roberto Ago, ao desenvolver sua teoria sociológica, argumenta que na sociedade internacional há dois Direitos, o Direito Positivo e o Direito Consuetudinário, sendo que esse último nasce do convívio social. Por isso, Ago lhe atribui maior importância, porque, segundo ele, seria a partir da formação e consolidação do costume, constatado pelos juristas, que nasceria o Direito positivo.
Assim, ainda segundo Ago, é do Direito consuetudinário (prática reiterada de determinado comportamento) que deriva a validade do Direito positivo (construção de norma positivada que define tal direito).
Outra definição bastante ilustrativa vem de Bernardo Ribeiro de Morais, ao afirmar que:
Costume é regra de conduta surgida da consciência comum do povo, pela sua prática constante e uniforme, sob a convicção de que tem o caráter de norma jurídica… Costume é a norma jurídica não escrita que o uso consagrou; tal fato corresponde ao sentimento do direito, no sentido de que os interessados o conhecem como obrigatório”.
Quais os requisitos do Direito Consuetudinário?
O direito consuetudinário no Brasil não é uma fonte primária do sistema jurídico, uma vez que o país se baseia principalmente em leis escritas e codificadas. No entanto, para que um costume consuetudinário seja considerado válido e possa ser reconhecido e aplicado em algumas situações específicas, ele deve atender a certos requisitos:
- Reconhecimento pelos tribunais: Um costume consuetudinário deve ser reconhecido pelos tribunais brasileiros como uma prática ou norma que faz parte do direito local. Os tribunais têm o poder de reconhecer e aplicar costumes em casos específicos, desde que esses costumes sejam compatíveis com a legislação escrita e a Constituição Federal.
- Publicidade: O costume deve ser amplamente conhecido e acessível à comunidade que o pratica. Isso implica que o costume não pode ser secreto ou desconhecido para as partes envolvidas em uma disputa legal.
- Consistência e continuidade: O costume deve ser uma prática consistente e contínua em uma comunidade ou região específica. Ele não pode ser esporádico ou passageiro.
- Aceitação geral: Deve haver um entendimento geral na comunidade de que o costume é uma obrigação legal. Isso é muitas vezes referido como “opinio juris” – a crença de que o costume é obrigatório do ponto de vista jurídico.
- Compatibilidade com a legislação escrita: Qualquer costume consuetudinário não pode entrar em conflito com as leis escritas em vigor no Brasil. Em caso de conflito, a legislação escrita tem precedência.
- Cultura e tradições locais: O costume geralmente está ligado à cultura e às tradições locais e pode ser mais prevalente em comunidades indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, onde as práticas locais são respeitadas.
Lembrando que o direito consuetudinário no Brasil desempenha um papel secundário e é menos comum do que em jurisdições que dependem fortemente desse sistema. O sistema legal brasileiro é baseado em leis escritas, com a Constituição Federal sendo a lei suprema do país, e os costumes são reconhecidos e aplicados em casos específicos quando compatíveis com a legislação escrita.
Exemplos de Direito Consuetudinário:
Os exemplos de uso e aplicação do direito consuetudinário são infindáveis, sobretudo no Direito Internacional que não possui um sistema jurídico normativo tão robusto e bem estruturado como os direitos nacionais.
Exemplo 1 – Território Brasileiro
Mas há um exemplo histórico-jurídico muito interessante pela sua relevância na formação do Brasil: O território do que viria a ser o Brasil, embora formado a partir de tratados internacionais – Tratado de Tordesilhas (1494), de Madrid (1750) e de Santo Idelfonso (1777) -, experimentou um vazio normativo após a Guerra na Península Ibérica de 1801, quando houve a anulação do Tratado de 1777 sem que suas cláusulas operativas fossem restabelecidas pelo Tratado de Paz de Badajoz (1801).
Dessa forma, durante os séculos XIX e XX o Brasil teve que definir suas fronteiras em diversas disputas sem que houvesse um diploma legal vigente a servir de norma imperativa que, de antemão, fosse reconhecida pelos agentes envolvidos.
O Brasil, então, teve que negociar bilateralmente em alguns casos e litigar perante arbitragens internacionais em outros, buscando defender seus interesses conforme os costumes e os princípios gerais do direito internacional para obter o reconhecimento de seu território, seja na celebração de tratados com países vizinhos ou perante arbitragens internacionais.
Em todos esses casos, o Brasil buscou que se reconhecesse que as terras que já ocupava (ou que ninguém mais ocupava), deveriam ser suas. E foi bastante vitorioso.
Exemplo 2 – Imunidade Diplomática
Outro exemplo, mais presente nas relações internacionais, é o costume dos Estados de reconhecerem a imunidade diplomática.
Quem não se lembra da memorável cena de 300, filme de 2006, dirigido por Zack Snyder, em que um mensageiro persa chega à Esparta e pede que o rei Leônidas se submeta à Xerxes I?
O desenrolar da cena é um chute cinematográfico do rei Leônidas no peito do mensageiro, lançando-o dentro de um poço para a morte, gritando “This is Sparta!” (Isso é Esparta!). Sabe-se que isso (a morte do mensageiro) foi um ato de declaração de guerra.
O costume internacional prega que não se deve confundir o mensageiro com a mensagem (ou com quem a envia). Deve-se preservar os mensageiros para que as mensagens (conversas, diálogos…) possam existir, mesmo entre os que estão em guerra senão, como buscar a paz?).
Conforme assevera José Cretella Neto, ao abordar o aspecto específico do direito econômico internacional, de certa maneira, à semelhança das sociedades antigas, anteriores à elaboração do direito positivo, a sociedade na qual se concretizam os negócios jurídicos internacionais é “primitiva”, na medida em que, naquelas sociedades, os homens legislavam para si próprios, sendo, simultaneamente, parte interessada e intérprete das normas auto editadas. Essas razões, prossegue, pelas quais os usos e costumes adquirem especial relevância para o Direito Econômico Internacional.
Em que pese a existência hoje de tratados sobre o tema, já o estabelecendo como direito positivado, é difícil imaginar que um país interessado em estabelecer relações internacionais que não seja signatário de qualquer acordo sobre imunidade diplomática adote postura violadora de tal costume, ainda que não o reconheça como direito.
Importante destacar que, à época, a elaboração de um tratado se erigia amparada no costume internacional. Após a Convenção de Viena de 1965, entretanto, os países passaram a ter um texto normativo que dispõe sobre os critérios, formas e formalidades para que um tratado internacional seja reconhecido como tal.
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Aproveitar desconto *Confira o regulamentoQual a diferença entre o direito consuetudinário e o positivo?
O direito consuetudinário e o direito positivo são sistemas legais distintos. O direito consuetudinário se baseia em costumes e práticas tradicionais, desenvolvendo-se organicamente ao longo do tempo e refletindo as normas da comunidade.
Suas fontes são costumes locais e sua aplicação depende da observância desses costumes, com autoridade dada à crença de que são obrigatórios do ponto de vista jurídico. É flexível e pode se adaptar às mudanças na sociedade gradualmente.
Por outro lado, o direito positivo é estabelecido e codificado por meio de leis escritas promulgadas por uma autoridade legislativa. Suas fontes são leis formais e regulamentos, e sua aplicação é uniforme e obrigatória em uma jurisdição específica.
Os tribunais têm o dever de aplicar as leis existentes, e as alterações requerem um processo legislativo formal. O direito positivo tende a ser mais rígido e estável do que o direito consuetudinário.
Em resumo, a principal diferença reside na origem e natureza das regras legais: o direito consuetudinário baseia-se em costumes, enquanto o direito positivo é baseado em leis escritas.
A maioria das jurisdições, incluindo muitos países ocidentais, baseia-se no direito positivo, mas o direito consuetudinário ainda desempenha um papel importante em algumas comunidades e tradições locais.
Qual a importância da aplicação do direito consuetudinário?
Hoje em dia, o Direito Internacional é predominantemente um Direito positivo, especialmente porque o número de tratados internacionais celebrados cresce de forma exponencial, incorporando progressivamente os costumes e a soft law – “Soft law” é um termo utilizado no direito internacional para se referir a normas e princípios que não possuem caráter vinculante ou obrigatório.
Ainda assim, o direito consuetudinário permanece como importante fonte do direito internacional e foi reconhecido como tal pelo artigo 38, b), do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.
O costume pode ser mais frequentemente observado na prática dos Estados em âmbito internacional e, dessa observação, surge uma dúvida: o Estado obedece a uma conduta costumeira por uma cortesia ou por obediência a uma norma jurídica costumeira?
Para distinguir a prática da cortesia do costume enquanto fonte de direito, Cretella Neto indica que dois elementos devem ser identificados no costume:
a) um elemento material, o uso (usus), ou consuetudo, que é a prática reiterada de determinado ato, ou, como dispõe o artigo 38, “como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito”; e
b) um elemento psicológico, subjetivo, a certeza de que determinada prática é uma regra obrigatória de Direito.
O reconhecimento do direito consuetudinário como fonte do direito internacional não pode ser desvinculado de um importante aspecto das relações internacionais: a necessidade de segurança jurídica.
A existência de normas costumeiras internacionais permite que os Estados tenham uma compreensão clara do que é esperado dos demais membros da comunidade internacional.
Em âmbito doméstico, afirma Cretella Neto que nas sociedades modernas desenvolvidas o costume interno seria relativamente pouco importante e de difícil manuseio, tendo apenas certo valor nostálgico, pois a maioria deles ou já foi codificado (nos países de Direito romano-germânico) ou já foi consolidado pela jurisprudência (nos países de Direito anglo-saxônico).
No Brasil, o Código de Processo Civil reconhece expressamente a existência e a validade do direito consuetudinário no arcabouço normativo brasileiro. E, como exemplo, vale destacar a previsão do artigo 376, que diz:
Nota-se que, para além da doutrina que reconhece os costumes como fonte de direito no Brasil, a lei reconhece o direito consuetudinário como direito.
Conclusão:
Há quem sustente que o direito consuetudinário seja mais estável do que o direito escrito, pois exige tempo (práticas reiteradas) e reconhecimento mútuo (certeza de seja obrigatório) para que seja reconhecido como tal, ao passo que um tratado ou uma lei poderia ser mais rapidamente editado, alterado ou revogado.
Há quem diga, por outro lado, que seria menos eficaz, pois que não haveria obrigatoriedade expressa ou “cláusula punitiva”.
Mas não há como ignorar o papel essencial do direito consuetudinário na formação do Direito Internacional e, ainda atualmente, como fonte de direito e elemento norteador para os agentes internacionais.
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Espero que você tenha aproveitado o texto. Se ficou com alguma dúvida sobre o direito consuetudinário, ou tem sugestões, comente aqui embaixo! 😉
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Conheça as referências deste artigo
CRETELLA NETO, José. Direito Internacional Público. Livro eletrônico, RB.1-30 São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.
AGO, Roberto. Science Juridique et Droit International. Recueil des Cours de l’ADI, , 1977. v. 90. p. 851-958.
GOES FILHO, Synesio Sampaio. “Navegantes, Bandeirantes e Diplomatas – Um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil”, 2001. Martins Fontes. p.205.
Doutor em Direito Internacional (USP), Pesquisador visitante no Max Planck Institute (Göttingen/Alemanha - Depto. de Ética, Direito e Política), Mestre em Relações Internacionais (USP), advogado-sócio responsável pela área de Direito Internacional do escritório Siciliano Sociedade de Advogados, pai, interessado em...
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Tive uma compreensão maravilhosa do “Direito Consuetudinário” a nível de 3º grau; e, careço de melhores compreensões quanto a “Decisão Interlocutória”, quando há divergências entre as decisões de 1ª, 2º e 3º Grau (STJ e STF).
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Boas leituras!
pesquisando o segnificado da palavra “represtinar” no direito cosuetudinário, li o artigo, achei muito proveitoso, relembrei meus bancos escolares,
estou VIVA.
serei leitora assídua dos comentários
obrigada