A doação de órgãos é o ato de ceder voluntariamente órgãos ou tecidos de um corpo para serem transplantados em outra pessoa que necessite, visando salvar vidas ou melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças graves. Esse processo é regulamentado por leis específicas para garantir ética e segurança.
Neste artigo eu te convido a entender um pouco sobre a doação de órgãos, tecidos e o transporte de equipe médica que faz parte desse procedimento no Brasil e ajuda a salvar e melhorar muitas vidas.
Mostro que esse processo pode ocorrer em vida ou após a morte, quais os critérios que serão aplicados para a doação e quais órgãos podem ser transplantados.
A doação de órgãos é considerada por muitos um ato de generosidade extrema, pois pode melhorar a qualidade de vida e salvar vidas daqueles que precisam. No Brasil, há milhares de pessoas que aguardam na fila por um transplante e cada dia de espera pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Vamos entender como a doação de órgãos funciona e quais são os critérios para que o procedimento aconteça. Continue a leitura para entender mais!
O que é a doação de órgãos?
A doação de órgãos será feita através de um procedimento cirúrgico, o qual chamamos de transplante que consistirá na substituição de um órgão “doente” da pessoa receptora por outro órgão sadio do doador (vivo ou morto). Os órgãos a serem doados são:
- Em vida: rins, medula óssea, parte do fígado e parte do pulmão.
- Após morte encefálica: Rins, fígado, pâncreas, coração, pulmão e intestino.
- Doador falecido: Córnea, pele, valvas cardíacas, tecidos musculoesqueléticos (ossos, cartilagens, tendões).
Qual é a legislação atual sobre doação de órgãos no Brasil?
Em relação a legislação, temos a Lei 9.343, de 4 de fevereiro de 1997 que dispões sobre a remoção dos órgãos, tecidos e partes do corpo humano e o Decreto 9.175, de 18 de outubro de 2017 que regulamenta a Lei anterior e instituto o Sistema Nacional de Transplantes (SNT).
O SNT é responsável pela regulamentação, controle e monitoramento do processo de doação de órgãos no Brasil que são compostos por listas extensas divididas por órgão, tipo sanguíneo e organizadas conforme critérios de priorização.
E podemos dizer que temos como principais pontos da legislação a doação em vida e após a morte:
- Em vida, conforme a Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, o transplante só pode ocorrer de forma gratuita em se tratando de órgãos em duplicidade de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.
- Para os casos de morte encefálica, temos a Resolução nº 2.173, de 23 de novembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina que determina os critérios para definirmos a morte encefálica, incluindo a presença de dois médicos para que tenhamos a Declaração efetiva da morte Encefálica que “é estabelecida pela perda definitiva e irreversível das funções do encéfalo por causa conhecida, comprovada e capaz de provocar o quadro clínico”.
Como é feito o transporte de órgãos, tecidos e equipe médica no Brasil?
O Decreto 8.789, de 6 de junho de 2016 trouxe alterações na dinâmica que atende o transporte de órgãos para transplante.
E, aqui, posso trazer experiência prática de quem serviu como assessora jurídica da Força Aérea Brasileira (FAB) e atuou efetivamente no fluxo de acionamento das missões aéreas previstas na legislação que determina que a FAB deve deixar no mínimo uma aeronave disponível exclusivamente para servir a esse propósito.
Essas missões, no escopo da FAB, são chamadas de missões TOTEQ (transporte de órgãos, tecidos e equipe médica), regulamentadas pela Portaria Ministerial 2.765 de 20 de outubro de 2017, do Ministério da Defesa.
As solicitações dessas missões advêm da CNT (Central Nacional de Transportes) diretamente ao COMAE (Comando de Operações Aeroespaciais) que dispõe de pessoal destacado 24 (vinte e quatro) horas por dia para este fim, onde serviu como oficial por 6 anos, atuando nesse fluxo.
Os pedidos de TOTEQ consideram critérios como o tempo de isquemia do órgão, a relação entre a localização das equipes médicas e o tempo de isquemia, o momento de retirada do
órgão x tempo de isquemia, logística em aeronave comercial inviável, distância do hospital de internação e disponibilidade de meios.
Aqui, vale uma explicação sobre a isquemia do órgão, que é a presença de oxigênio e fluxo sanguíneo adequados entre a interrupção do fluxo sanguíneo no órgão do doador até chegar ao receptor e ser transplantado, podendo ser:
Quais são os critérios legais para ser doador?
Podemos dividir entre doadores vivos e mortos:
- Para doadores vivos:
- Cometimento livre e esclarecido: Aqui nos valemos de um documento jurídico médico, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que deve ser explicado ao paciente, clarificar todas as dúvidas, efeitos adversos, riscos, reações, explicar detalhadamente o procedimento em termos leigos, aplicado pelo médico e assinado pelo paciente após completo esclarecimento e compreensão do paciente. (Vale dizer que um TCLE serve para a cirurgia e outro para a anestesia para termos o consentimento mais completo possível);
- Idade e capacidade: Os doadores serão maiores e capazes, significa dizer que são responsáveis por seus atos;
- Doação gratuita: Não se pode comercializar órgãos;
- Exames de triagem: Exames médicos para verificar compatibilidade do doador e receptor, além de exames que excluam ser soropositivo para HIV, HTLV I e II, tuberculose, câncer entre outros;
- Saúde e manutenção de qualidade de vida do doador pós procedimento;
- Necessidade terapêutica.
- Doadores mortos:
- A lei veda a remoção de órgãos de pessoas não identificadas (art. 6º, Lei 9.343/1997);
- Autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.
Como o óbito é registrado e o consentimento para doação de órgãos?
Para o diagnóstico da morte encefálica, é garantido, nos termos do art. 3º, §3º, da Lei 9.434/1997 a presença de médico de confiança da família do falecido no ato de comprovação e atestação da morte encefálica.
E a retirada dos órgãos e tecidos dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte, conforme o art. 4º, da mesma lei.
Todo esse procedimento depende da agilidade do pessoal envolvido, pois uma vez que o órgão é retirado o tempo de isquemia do órgão começa a contar.
Segundo dados do Ministério da Saúde, existe, atualmente “uma central nacional e 27 centrais estaduais de transplantes; 648 hospitais, 1.253 serviços e 1.664 equipes de transplantes habilitados; 78 organizações de procura por órgãos; 516 comissões intra-hospitalares de doação de órgãos e tecidos para transplantes; 52 bancos de tecido ocular; 13 câmaras técnicas nacionais; 12 bancos de multitecidos; 13 bancos de cordão de sangue umbilical e placentário; além de 48 laboratórios de histocompatibilidade.” Que nutrem esse sistema.
Ainda, tivemos o lançamento de uma campanha do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2024 que colocou no ar um sistema de autorização eletrônica de doação de órgãos chamado: Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano – AEDO.
Esse sistema garante segurança jurídica ao procedimento, onde quem deseja doar órgãos, possa manifestar sua vontade e desejo, regulamentada pelo Provimento nº 164/2024, da Corregedoria Nacional de Justiça, que prevalecerá a AEDO mesmo em caso de determinação em contrário nos termos do art. 4º, da Lei 9.434/1997 pelos parentes.
Quais são os principais dilemas éticos na doação de órgãos?
O tema traz uma gama de considerações que envolvem justiça, dignidade humana e até a correta distribuição dos órgãos.
Há aqueles que considerem condições religiosas para recusa e possuem muitas dúvidas a respeito de se o diagnóstico da morte encefálica é o desfecho final, como a medicina e a legislação trazem.
Alguns ressaltam o apego ao corpo e falam sobre o liame entre a vida de um lado e a morte de outro, entre doador e receptor, dessa forma a questão deve ser tratada com a sensibilidade que merece, lembrando-se sempre dos sentimentos antagônicos sobre morte e vida.
Ainda, temos a celeuma ética, onde a família e o doador (caso vivo) devem ser informados sobre o processo como um todo, para que o consentimento seja de fato livre e esclarecido.
Quais são os procedimentos legais obrigatórios após a morte de um doador?
Primeiramente, para ser considerado potencial doador o paciente deve estar com morte encefálica declarada, que constará com registro de data e horário do óbito o momento do diagnóstico, conforme a Resolução CFM 2.173/2017, com o registro do Termo de declaração de Morte Encefálica, certificando-se, também a observância da Resolução CFM 1.480/1997.
Após o diagnóstico, será necessário o consentimento familiar, onde a família será orientada sobre a declaração de morte para todos os efeitos e as Centrais Estaduais de Transplante serão notificadas para o início do tramite junto ao SNT.
Ainda, temos a Portaria de Consolidação nº 4, de 28 de setembro de 2017 que trata do regulamento técnico do SNT e você pode consultá-la aqui para mais informações neste link!
Como advogados podem resolver disputas familiares sobre doação de órgãos?
O trabalho do advogado deve ser imprescindível para que se garanta a dignidade humana em todo processo.
Desde o doente, a preservação da pessoa morta e de sua família, garantindo que o diagnóstico de morte encefálica seja dado nos termos da legislação vigente e segundo os critérios das Resoluções do CFM, acompanhando sempre se o diagnóstico realmente foi feito por dois médicos isentos em todo processo.
Como se trata de uma situação muito delicada é necessário que o profissional tenha empatia acerca do momento vivido e das diversas informações a serem absorvidas por seus clientes em um momento de profunda dor, a perda de um ente querido.
Para isso, o advogado não só pode, como deve auxiliar na compreensão e obtenção do consentimento legal para a doação, explicando, inclusive que a vontade do falecido prevalecerá sobre recusa quando houver a Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano – AEDO, antes mencionada, facilitando o diálogo entre membros da família e conferindo se todas as documentações como declarações termos de consentimento apresentam-se como certas e de acordo com a legislação vigente.
Em casos mais complexos, os advogados e advogadas podem se envolver na correta resolução das disputas, representando a família do falecido junto à justiça.
Ao fornecer suporte adequado e imediato, advogados podem auxiliar a tornar o momento mais leve, fazendo com que tudo seja feito da forma mais sensível e respeitosa possível.
Conclusão
Podemos entender que a doação de órgãos é um processo que salva inúmeras vidas no Brasil, mas que tem suas complexidades éticas, técnicas e logísticas.
E não é pra menos que a legislação brasileira é extensa e veda a comercialização de órgãos, prevendo até crimes, o que pode nos trazer uma certa garantia de que o processo será feito de maneira ética e segura, pois trata-se de um ato plenamente altruísta e de generosidade imensa em que um único doador é capaz de transformar muitas vidas.
Atualmente, cerca de 50 mil pessoas esperam por um órgão no Brasil, conforme atualização do dia 25/07/2024 e o órgão que tem maior fila é o rim.
Perguntas e respostas frequentes sobre o tema
Quem pode ser doador de órgãos no Brasil?
Qualquer pessoa pode ser doador de órgãos, desde que essa vontade não seja explicitamente negada em vida. Menores de idade também podem ser doadores, com consentimento dos responsáveis.
Como é feita a manifestação de vontade para ser doador?
A vontade de ser doador não precisa ser expressa em documento, sendo suficiente informar à família sobre o desejo de doação. A família será consultada e deverá autorizar o procedimento no momento oportuno.
Quais órgãos podem ser doados após a morte?
Coração, pulmões, fígado, pâncreas, rins, córneas, pele, ossos e outros tecidos podem ser doados.
Como é o processo de doação após a constatação da morte?
Após a constatação da morte encefálica, que deve ser feita por uma equipe médica através de exames rigorosos e em conformidade com a legislação, a família é consultada sobre a doação. Se consentir, inicia-se o processo de retirada e transplante dos órgãos.
Quem regula e fiscaliza a doação de órgãos no Brasil?
O Sistema Nacional de Transplantes (SNT), ligado ao Ministério da Saúde, é o responsável por regular e fiscalizar as atividades de transplante e doação de órgãos no país.
Há algum custo para a família do doador ou para o receptor dos órgãos?
Não. Todo o procedimento de retirada e transplante de órgãos é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sem custos para a família do doador ou para o receptor.
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Conheça as referências deste artigo
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9434compilado.htm
https://www.fab.mil.br/noticias/mostra/42273/TRANSPORTE%20DE%20%C3%93RG%C3%83OS%20-%20FAB%20supera%202%20mil%20%C3%B3rg%C3%A3os%20transportados%20para%20transplante
https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/snt/doacao-de-orgaos/quais-sao-os-tipos-de-doador
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5508
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/fevereiro/brasil-e-o-segundo-maior-transplantador-de-orgaos-do-mundo
Advogada desde 2012, foi professora Universitária e Oficial R2 da Força Aérea. Atualmente atua na área consultiva contratual. Certificada pela Arquitetura dos Contratos, de Fernanda Moreira e com certificação Societário Total da Universidade Corporativa Conexão Legal, de Fernanda Bastos. Fundadora...
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