Empresa familiar é aquela em que o capital ou a gestão do negócio fica a cargo dos membros de uma ou mais famílias e que podem se estender por várias gerações.
A escolha por começar um novo negócio ou abrir uma empresa envolve uma série de riscos, expectativas e responsabilidades que não se resumem apenas ao investimento inicial e gestão, mas igualmente exigem uma relação de confiança e compromisso com seus sócios.
Embora a partir de 2011 tenha sido permitida a criação de uma empresa individual pela Lei 12.441/11 e depois de forma mais ampla pela Lei 13.874/19, ter um sócio ajuda nessa empreitada pela união de forças, maior investimento, divisão de obrigações e suporte motivacional, especialmente se tratarmos de perfis complementares ou multidisciplinares, afinal “duas cabeças pensam melhor do que uma”.
No entanto, como a sociedade exige uma relação de confiança mútua e transparência na execução do negócio, é natural e esperado que os sócios a serem formados sejam próximos (amigos ou parentes), sendo muito mais comum que a sociedade ocorra entre seus membros familiares.
Neste sentido, de acordo com pesquisa realizada pelo IBGE, 90% das empresas brasileiras tiveram sua origem de forma familiar, inclusive gigantes do mercado nacional como Itaú, Gerdau, Magazine Luíza e JBS, sendo que a maior parte destas empresas mantém grande influência familiar até hoje, ou seja, esse tipo empresarial é muito importante para o próprio desenvolvimento econômico de cada país, em que o sistema de produção doméstico muitas vezes está baseado nas empresas familiares.
Por esta razão, é essencial falarmos sobre a criação e gestão destas empresas, pois se de um lado é muito benéfico ter um parente como sócio, de outro lado conflitos familiares e hierárquicos podem contaminar a gestão empresarial e vice-versa.
Neste artigo você vai entender melhor sobre o que é empresa familiar, como funciona, os tipos e também as vantagens e desvantagens desse modelo de negócio. Continue a leitura! 😉
O que é uma empresa familiar?
Não há uma definição legal sobre o conceito de empresa familiar, mas de uma forma geral podemos considerar como aquela em que a gestão, a propriedade ou o capital são controlados pelos membros de uma mesma família em seu sentido amplo.
Essas empresas podem ser pequenas, médias ou grandes, mas o que identifica uma empresa familiar efetivamente é o forte envolvimento da família na cultura e valores da empresa, mantendo sua influência ainda que a gestão seja profissional, que esse núcleo familiar se amplie ao longo das próximas gerações ou que a família deixe de possuir a maioria do capital social.
Em outras palavras, uma empresa familiar nada mais é do que uma empresa comum, com as mesmas características e objetivos das demais empresas, mas com uma orientação estratégica e operacional que decorre de um núcleo familiar, seja na forma de controle social (maioria do capital) ou na forma de gestão.
Qual a limitação legal para empresas familiares?
Existe uma limitação legal prevista no artigo 977 do Código Civil que proíbe a constituição de sociedade (empresa) entre cônjuges se eles forem casados sob o regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória, conforme abaixo:
Embora essa previsão seja muito criticada pela doutrina, a justificativa é de que no caso da comunhão universal o total dos bens já seriam de ambos os sócios, inexistindo uma sociedade de forma efetiva (que seria fictícia).
Na separação obrigatória, no entanto, por se tratar de uma situação de proteção legal do patrimônio prevista no art. 1.641 do Código Civil, a criação de uma sociedade poderia burlar esse regime.
Com exceção desta limitação, os familiares (cônjuges ou não), podem constituir qualquer tipo societário, seja na forma de Sociedade Simples, Sociedade Limitada, Sociedade por Ações (aberta ou fechada), Comandita Simples, dentre outras previstas na legislação, inclusive Sociedade de Advogados se todos estiverem inscritos nos quadros da OAB.
Quais os tipos de empresas familiares?
Tendo em vista que não existe uma definição legal sobre as empresas familiares e que, ultrapassada às limitações acima, essa forma de empresa pode adotar qualquer modelo societário, as classificações dos tipos empresariais tomam como base a composição dessas empresas na sua forma de propriedade (capital), gestão e sucessão.
Empresa familiar tradicional
O primeiro tipo e mais comum é a empresa familiar tradicional, em que a sociedade é iniciada e gerida pelos familiares fundadores e a tomada de decisão é geralmente centralizada, de modo que o controle, a propriedade e a administração são realizadas pela família que influencia o negócio de todas as formas.
Empresa de controle familiar
Além deste, temos a empresa de controle familiar, em que a família exerce o controle da sociedade (propriedade) e consequentemente de suas decisões estratégicas, mas a administração pode ser realizada por outras pessoas, inclusive gestores profissionais, o que também pode ser denominado de empresa familiar híbrida.
Administração familiar
Outro modelo também comum é a empresa de administração familiar, em que a propriedade do negócio não é necessariamente familiar (a família não tem a maioria do capital social), mas a gestão administrativa e os cargos mais elevados, são preenchidos por profissionais da mesma família, influenciando na estratégia e cultura da empresa.
Com relação à sucessão, as empresas podem ser classificadas como de primeira geração, segunda geração ou ainda multigeracionais, a depender do grau de compromisso da família com a empresa e o planejamento sucessório.
Holding
Por fim, existe um tipo de empresa familiar muito comum denominada de Holding, que tanto pode ser operacional (a empresa passa a ser a sócia das demais empresas) quanto patrimonial (os bens daquela família são transferidos para essa empresa para aumentar a segurança, facilitar a herança e diminuir o pagamento de impostos).
Quais as vantagens e desvantagens de uma empresa familiar?
Por possuírem um vínculo que ultrapassa a organização empresarial, os membros da família geralmente têm um forte compromisso pelo sucesso da empresa e acabam zelando pelo nome e valores da família em uma visão de longo prazo.
A empresa tende a refletir os valores e a cultura daquela família, visto que muitas vezes o próprio atendimento é realizado pelo dono da organização, com decisões sendo tomadas de maneira mais rápida diante de uma desburocratização do processo decisório e que muitas vezes é tomado no próprio ambiente familiar.
Entretanto, essa governança simplificada (forma como a empresa é gerida) também pode ser perigosa e gerar um fardo sobre o gestor, impondo limitações ao crescimento do próprio negócio diante da centralização do poder e sobreposições de papéis entre sócios, familiares e administradores, além de uma confusão entre o ambiente empresarial e familiar.
Esse conflito (entre família e empresa) também pode levar à falta de meritocracia e desestímulo de outros profissionais, resistência às mudanças diante de uma cultura mais engessada, especialmente no momento de “passar o bastão” para a próxima geração, que pode ou não estar preparada para assumir o controle.
Em outras palavras, o negócio pode vir do amor ao ódio, pois é muito mais difícil dispensar um parente de uma empresa (diante do reflexo fora do ambiente corporativo) do que um empregado, de modo que o “fator emoção” que fortalece a empresa familiar também pode ocasionar sua ruína.
Por isso os grandes desafios das empresas familiares (e se não superados, suas maiores desvantagens) é profissionalizar a gestão e estabelecer um planejamento de sucessão, que vai tratar tanto da transferência da empresa na esfera patrimonial (herança) quanto na esfera de direção para continuidade do negócio.
Como funciona a sucessão de poder na empresa familiar?
Em uma empresa não familiar, quando um presidente ou CEO resolve sair, abre-se um processo de substituição e recrutamento para que uma nova pessoa assuma sua posição, o que pode ocorrer via promoção de algum diretor ou contratação de alguém externo, mas na sucessão familiar não há clareza sobre a pessoa mais indicada para assumir esse cargo, podendo, inclusive, envolver disputas internas na família pelo poder.
Ainda, os herdeiros devem se conscientizar que não irão receber apenas um bem que representa uma empresa, mas uma sociedade repleta de relacionamentos (empregados, fornecedores e clientes, por exemplo) que precisam ser geridos de forma imediata, ou seja, a sucessão de uma empresa envolve trocar um pneu com o carro em movimento.
Todas essas dificuldades se resultam em números, pois em levantamento realizado pelo IBGE apenas 30% das empresas familiares conseguem alcançar a terceira geração, por isso a importância de se estabelecer previsões contratuais claras, objetivas e transparentes para que a sucessão patrimonial da empresa não se transforme no provérbio “avô rico, pai nobre, filho pobre”.
Do ponto de vista legal, existem diversas estratégias que podem ser tomadas para esta sucessão das quotas sociais (ou ações) de uma determinada empresa, que depende de previsão específica em contrato social e/ou acordo de sócios.
Isso porque, a sucessão da empresa poderá ocorrer em vida (os próprios sócios decidem de que forma será realizada a transferência da companhia e de sua gestão, seja via transferência onerosa ou gratuita), mas também pode ocorrer com o falecimento de um dos sócios, ou seja, se a sucessão em vida já é difícil pela centralização do poder, o que dirá em caso de inventário.
Pense na hipótese de um sócio viúvo que tinha três filhos e veio a falecer. De acordo com o direito de sucessões (artigo 1.829 do Código Civil), cada filho herdará 33.33% das quotas deste patriarca, mas quem será eleito para gerir a empresa? Precisa ser um dos irmãos? Será que esses irmãos querem assumir a empresa ou concordarão em eleger a mesma pessoa? Como será exercida a autoridade?
Ainda, se esse patriarca tinha um irmão sócio, como ficará agora a situação da sociedade entre tios e sobrinhos? Será que a hierarquia familiar será a mesma daquela criada na empresa? E se esse tio vier a falecer, como fica a companhia entre os respectivos primos?
Para evitar esses tipos de questionamentos que também podem ocorrer em caso de divórcio e dissolução (a depender do regime de bens escolhido), é essencial que para além dos aspectos legais de herança, o contrato social estabeleça a forma de sucessão dos herdeiros e quem pode, ou não, participar da empresa.
Isso pode ocorrer por meio do pagamento das respectivas quotas, eleição de um administrador ou mesmo um comitê que auxilie neste processo para distribuição dos respectivos papéis como uma forma de separar o capital e a gestão, cujos modelos de profissionalização resultaram na maioria das atuais grandes empresas.
Conclusão
Em resumo, as empresas familiares ainda representam a maioria do universo empresarial, mas continuam enfrentando clássicos desafios que podem conduzir ao fracasso do negócio ou gerar uma ruptura familiar.
Embora se busque o conforto, proteção e segurança patrimonial de seus membros e núcleo familiar, é importante que a empresa invista na capacitação das próximas gerações e na organização profissional, de forma a permitir a perpetuidade da empresa.
Os sócios devem zelar e administrar a empresa (mediante gestão profissional ou não) para dar continuidade ao legado dos fundadores e assegurar a continuidade de um negócio que é fonte de oportunidades e riqueza para muitas outras pessoas, adotando contratos que possam reger os respectivos relacionamentos e interferências a fim de preservar a empresa familiar.
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Advogado desde 2010, Contador desde 2019. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento. Pós Graduado em Direito Digital. Especialista em Direito Processual Civil e Direito Constitucional. Coautor de obras e artigos jurídicos. Titular do escritório Bruno Molina Sociedade Individual de Advocacia...
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