A escada ponteana é uma teoria desenvolvida pelo jurista Pontes de Miranda e tem como objetivo estruturar os planos de formação do negócio jurídico.
O artigo de hoje abordará um pouco sobre a Teoria da Escada Ponteana, sua importância no direito moderno e sua aplicação prática nas atuais relações negociais. Vamos conferir?
O que é a escada ponteana?
A Escada Ponteana é a nomenclatura dada a uma tradicional teoria desenvolvida pelo jurista Pontes de Miranda, que tem como objetivo estruturar os planos de formação do negócio jurídico.
O termo “escada ponteana” remete a uma escada onde cada plano de formação do negócio jurídico é representado por um degrau, cujos requisitos devem ser atendidos para que se possa passar para o próximo degrau.
Uma vez alcançados e cumpridos os planos de formação, o negócio jurídico estaria apto a produzir efeitos.
Apesar de concebida em uma realidade jurídica distante da atual, a Escada Ponteana ainda serve como uma doutrina de referência para a construção de novos modelos de negócios jurídicos, razão pela qual seu estudo é de extrema importância para advogados.
Isso não implica, contudo, que não possa haver exceções à sua aplicação. Veremos alguns exemplos clássicos dessas exceções, mais adiante.
O que é negócio jurídico?
Antes de adentrarmos ao cerne da Teoria da Escada Ponteana, é de fundamental importância que o leitor se familiarize com o instituto do negócio jurídico.
Cuida-se de um fato jurídico, o qual, somado à vontade do agente, tem a finalidade de compor interesses com efeitos previamente determinados, tudo dentro do que a lei prevê como lícito.
Observa-se do conceito acima que o negócio jurídico é o resultado da evolução de institutos estruturais do direito privado, como o fato jurídico e o ato jurídico, conforme exposição na imagem abaixo:
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Como a escada ponteana se constitui?
De acordo com Pontes de Miranda, a formação do negócio jurídico depende da passagem pelos seguintes planos de formação:
- Plano da Existência;
- Plano da Validade;
- Plano da Eficácia.
Esses planos podem ser graficamente representados pela imagem abaixo desenhada:
Plano da Existência
Conforme a imagem acima representa, o plano da existência é o primeiro passo na Escada Ponteana para o cumprimento dos pressupostos de um negócio jurídico.
Esse plano é conhecido por conter os chamados elementos mínimos ou essenciais no negócio jurídico. Contém apenas substantivos, sendo eles:
- Partes
- Objeto
- Vontade
- Forma
Uma vez presentes os quatro substantivos acima, pode-se dizer que o negócio passa a existir no mundo jurídico.
O plano da existência da Escada Ponteana não possui representação no Código Civil e 2002, o qual traz menção apenas ao plano de validade, em seu artigo 104.
Alguns doutrinadores, inclusive, advogam pela inutilidade da teoria que estuda o plano da existência, uma vez que suas problemáticas poderiam ser resolvidas dentro do plano da validade, aplicando-se a teoria das nulidades.
Plano de Validade
O segundo degrau da escada ponteana é o plano de validade. Tratam-se de adjetivações aos substantivos previstos no plano de existência. Explica-se:
- Partes ou agentes: precisam de capacidade;
- Objeto: precisa ser lícito, possível, determinado ou determinável;
- Vontade: precisa ser livre, haver consentimento;
- Forma: tem ser adequada, prescrita ou não proibida por lei.
O plano da validade, como já dito, possui previsão legal no art. 104, do Código Civil, abaixo descrito.
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.”
Cumpridos esses pressupostos, o negócio jurídico passa a ser válido no mundo jurídico.
De outro modo, em caso de não cumprimento dos pressupostos, o negócio jurídico será considerado inválido. A invalidade pode tomar dois caminhos: o da nulidade absoluta ou o da nulidade relativa. É a aplicação da chamada Teoria das Nulidades.
Exemplo de invalidação por nulidade absoluta
Um exemplo de nulidade absoluta é um contrato celebrado por uma pessoa menor de 16 anos de idade e sem a presença de seu representante legalmente habilitado.
Nesse caso, apesar do negócio cumprir os pressupostos do plano da existência, será considerado inválido em razão da falta de capacidade do agente, aplicando-se a nulidade absoluta prevista no art. 166, do Código Civil.
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.”
Exemplo de invalidação por nulidade relativa
Exemplifica-se a nulidade relativa com a celebração desse mesmo contrato, mas agora por uma pessoa maior de 16 anos e menor de 18 anos de idade e sem a presença de um representante.
Nesse caso, apesar de haver um vício em razão da incapacidade relativa, o negócio poderá produzir efeitos caso esta incapacidade não seja invocada por quem de direito possa fazê-lo.
Plano da Eficácia
Chegamos ao terceiro e último degrau da Escada Ponteana, que trata do plano da eficácia do negócio jurídico.
Enquanto nos planos da existência e da validade estão presentes os elementos essenciais do negócio jurídico, no plano da eficácia encontram-se os elementos acidentais.
Elementos acidentais são aqueles que podem ou não estar presentes no negócio jurídico. Sua ausência não terá o condão de macular o negócio celebrado.
Então para que servem?
Esses elementos servem para estabelecer diretrizes sobre os efeitos que serão gerados no negócio jurídico para as partes e para terceiros. São os principais elementos acidentais ou de eficácia do negócio jurídico:
- Condição
- Termo
- Encargo
Esses pressupostos possuem previsão legal a partir do artigo 121 do Código Civil de 2002.
Condição
A condição é o pressuposto de eficácia que subordina a produção de efeitos do negócio celebrado a evento futuro e incerto, conforme previsão do artigo 121 do Código Civil.
Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.”
Cuida-se de elemento dispensável e que depende necessariamente da aceitação voluntária das partes. Caso não esteja presente no negócio jurídico, o negócio será existente e válido, no entanto, não produzirá efeitos.
Exemplifica um contrato com cláusula condicional o caso de um pai que doa um apartamento para a filha solteira com a condição de que ela se case. Na hipótese, não se sabe se o casamento de fato ocorrerá, configurando um evento futuro e incerto.
Termo
Similar à condição, mas que não se confunde com ela, o termo o pressuposto que subordina o efeito do negócio jurídico a um evento futuro e certo. Possui previsão nos artigos 131 a 135 do Código Civil.
O termo poderá prever prazo de início, quando os efeitos começarão a serem produzidos, e prazo final, quando os efeitos serão cessados. Destaque-se que o termo não deve ser confundido com prazo, que é o lapso temporal entre o termo inicial e o termo final.
O termo também não deve ser confundido com uma data certa, mas sim com um evento certo, mesmo que ainda não possua data. Por exemplo, a morte.
Encargo
Por último, o encargo pode ser definido como uma restrição estipulada ao beneficiário de uma liberalidade em um negócio jurídico. Trata-se de instituto usualmente empregado nos negócios jurídicos gratuitos, como a doação e o testamento.
Um exemplo prático de aplicação do encargo é quando alguém recebe em doação um terreno com o propósito de ali ser construída uma escola para crianças carentes.
A liberalidade é o ato de doação, enquanto o encargo é a construção da escola. Uma vez não cumprido o encargo, será possível a revogação do negócio jurídico.
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Muito embora a Escada Ponteana seja uma teoria consagrada no meio jurídico, há situações em que esta não poderá ser plenamente aplicada.
O professor Flávio Tartuce nos presenteia com um exemplo dessas exceções. É o caso do casamento putativo, previsto no art. 1.561 do Código Civil.
Casamento putativo é o casamento celebrado de forma indevida, porém, de boa-fé.
Em desses casos é o casamento celebrado por autoridade incompetente, negócio nulo de pleno direito.
Nesse caso, o casamento será existente e inválido por ausência de seus pressupostos, porém, eficaz até a sentença que venha a decretar a sua anulação.
A escada ponteana na jurisprudência
Mostra-se abaixo o julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (0002047-25.2012.8.07.0011 – Res. 65 CNJ), o qual fez uso da teoria da Escada Ponteana para a resolução de um caso concreto.
CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO. DUPLICATAS. ASSINATURAS FALSAS. CADASTRO DE INADIMPLENTE. INSERÇÃO INDEVIDA. DANO MORAL CARACTERIZADO. IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO.
1. De acordo com a teoria da “escada ponteana”, amplamente adotada pelo direito pátrio, a existência de um negócio jurídico pressupõe a presença de partes, objeto, forma e manifestação de vontade. Nos autos, restou demonstrado que não houve a manifestação de vontade por parte do apelado, uma vez que a perícia grafotécnica concluiu que as assinaturas promanaram de punho distinto do autor da ação. (…)”
No caso, o julgado entendeu que restava ausente a manifestação de vontade do agente, pressuposto de existência do negócio jurídico, razão pela qual declarou o negócio inexistente.
Conclusão
Observamos que a Escada Ponteana transcende ao mundo da teoria e possui vasta aplicação prática. Desse modo, tão importante quanto observar sua aplicação na esfera judicial, é o aplicador do direito a utilizar como instrumento condutor, de forma preventiva, no momento da formulação dos negócios jurídicos para seus clientes.
A verificação dos pressupostos contidos em cada um dos planos, sem dúvidas, trará maior segurança jurídicas às relações contratuais e colabora para a pacificação do direito.
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Advogado (OAB 29606/DF). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB. Master of Law em Direito Empresarial pela FGV e Pós-Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Atame. Sou especializado em Direito Imobiliário e Condominial. Sou...
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Texto com clareza equiparada ao sol do meio dia. Parabéns.
Gostei muito do texto, e me ajudou no estudo.
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Espetacular
Excelente texto, esclarece e exemplifica a matéria de uma maneira muito acessível a todos.
Vejo que você tem pesquisado muito.