O Estatuto da Terra é a principal Lei Federal que disciplina o uso, a ocupação e a relações fundiárias no país. Promulgado em 30 de novembro de 1964, é considerado a certidão de nascimento do Direito Agrário no Brasil.
O Estatuto da Terra representou um grandioso marco na luta pela reforma agrária e o do desenvolvimento agrícola nacional. Neste artigo, falaremos mais sobre ele, acompanhe e tire suas dúvidas!
O que é o Estatuto da Terra?
O Estatuto da Terra é a principal Lei de Direito Agrário existente no Brasil e regulamenta os contratos agrários típicos (arrendamento e parceria), bem como conceitua institutos e conceitos de direito agrário, estabelece princípios para a sua aplicação e dispõe sobre outras relações de posse do homem e da terra.
A Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964 e seus principais regulamentos (Decretos nºs. 55.891/65, 56.792/65 e 59.566/66) não é a única norma de Direito Agrário, mas a principal e trata-se de marco legislativo sobre a disciplina no país.
Quais os objetivos do Estatuto da Terra?
O Estatuto da Terra definiu diversos conceitos e criou institutos típicos de direito agrário, até então ausente no Brasil. Seu principal objetivo era a execução da reforma agrária e o desenvolvimento da política agrícola.
Logo em seu artigo 2º há menção à função social da propriedade, ou seja, mais de 20 (vinte) anos antes da Constituição Federal de 1988:
Portanto, o objetivo da norma foi a um só tempo promover a reforma agrária e a forma em que se daria tal reforma, a distribuição de terras e a criação de órgãos responsáveis por tais medidas (em especial o IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária – hoje INCRA).
Além disso, dispôs sobre a política de desenvolvimento rural, em especial definido formas de tributação, assistência técnica, cooperativismo, assistência financeira.
Bem como, relações de posse temporária de imóveis rurais, regulamentando os contratos de arrendamento e parceria, além de previsões acerca de titulações de imóveis ocupados por possuidores de terras devolutas federais.
Qual a importância do Estatuto da Terra para o Brasil?
Pode-se dizer que o Estatuto da Terra desempenhou um enorme benefício à política agrícola e fundiária do país.
Os principais projetos de reforma agrária existentes no Brasil decorreram das disposições previstas no Estatuto da Terra, em especial devido a criação do IBRA (como já mencionado, órgão responsável pela arrecadação, desapropriação e distribuição das terras consideradas improdutivas).
A Lei, por exemplo, previu no seu artigo 12 e 13 que às terras particulares caberiam intrinsecamente o cumprimento de uma função social e seu uso estaria condicionado ao bem-estar coletivo. E ainda que ao Poder Público caberia promover gradativamente a extinção das formas de ocupação e exploração que contrariassem a função social.
Por sua vez, o Estatuto previu formas de contratação temporária das terras, mediante contratos de arrendamento e parceria rural, visando, sobretudo, o incentivo à produção agrícola no país. Tais formas de contratação estão vigentes até hoje, a despeito de decorridos aproximadamente 60 (sessenta) anos da promulgação da Lei.
Institutos de Direito Agrário criados pelo Estatuto da Terra
Além de principal fonte de Direito Agrário no país, o Estatuto da Terra definiu conceitos e institutos, em vigor até hoje. A escolha do legislador em definir na Lei os conceitos de Direito Agrário deu-se em virtude de que a sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro era nova. Criava-se, portanto, uma novidade, um ramo autônomo do Direito, devendo, a lei, fixar as premissas que seriam aplicadas.
Definiu-se, o conceito de reforma agrária, política agrícola, imóvel rural, da função social da propriedade, módulo rural, minifúndio, latifúndio, propriedade familiar, empresa rural, colonização, reforma agrária, dentre outros. Assim, definiu-se os seguintes conceitos e institutos:
Além disso, o Estatuto da Terra positivou princípios a serem aplicados nas relações jurídicas agrárias, em especial nos contratos de arrendamento e parceria rural, mas também aplicáveis em contratos atípicos. Isso porque, o Estatuto da Terra trata-se de norma que inaugura a aplicação do Direito Agrário, enquanto ramo autônomo do Direito, sendo a sua principal fonte.
Preceitua os arts. 95 e 96 do Estatuto da Terra:
Da leitura desses dispositivos, logo se percebe o abandono ao caráter privatista, incluindo, por exemplo, a irrenunciabilidade de direitos e a inclusão de cláusulas irrevogáveis, como, por exemplo, a conservação dos recursos naturais.
Sobre o tema, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
Esse é um diferencial no Estatuto da Terra, um forte dirigismo estatal e o caráter imperativo/cogente das suas normas, limitando a liberdade contratual das partes e a aplicação de outras normas legais. Ou seja, tratando-se de relação contratual típica, a norma a ser aplicada é o Estatuto da Terra.
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Aproveitar desconto *Confira o regulamentoQual a relação de uso e posse temporária da terra?
Para os advogados privados que atuam ou pretendam atuar no Direito Agrário, as principais regras previstas no Estatuto da Terra dizem respeito às relações de uso e posse temporária da terra, mormente a regulamentação dos contratos agrários de arrendamento e parceria rural, prevista nos artigos 92 e seguintes do Lei, bem como seu Regulamento, Decreto nº 59.566/66.
Pela extensão do tema (circunstância que caberia um artigo específico somente sobre cada um desses institutos), far-se-á comentários sobre os principais pontos, em especial os princípios que os orientam, e a importância das normas previstas no Estatuto da Terra aos institutos de Direito Agrário.
Questão de alta relevância, é que com o advento do Estatuto da Terra, o Direito comum passou a ser norma supletiva na aplicação dos contratos agrários, nos casos omissos pela legislação especial.
Particularmente, em relação ao acordo de vontades, ou seja, restringe-se à celebração ou não do contrato e o objeto deste: o imóvel rural e a atividade a ser exercida. Tudo o mais, deverá estar sujeito à legislação agrária (Estatuto da Terras e Regulamentos).
As normas previstas no Estatuto da Terra são cogentes. Essa mudança paradigmática, deixou de lado a autonomia da vontade, em favor da imperatividade das normas estabelecidas nas leis agrárias, inclusive com a irrenunciabilidade de direitos.
Estabelece o artigo 2º do Decreto n. 59.566/66:
No parágrafo único do art. 12 do mesmo Decreto, há previsão de que as partes poderão ajustar outras estipulações contratuais, mas desde que não infringem normas do Estatuto da Terra e Lei nº 4.947/66 (que também dispõe sobre contrato agrário) e o próprio regulamento.
Portanto, os contratos agrários, na forma prevista no Estatuto da Terra, possuem prazo e forma de resolução/resilição/rescisão definidas pela Lei. Tais como contratos administrativos e trabalhistas, possuem forte dirigismo estatal de modo a preservar a função social da propriedade, bem como a posição do arrendatário no contrato de arredamento, parte mais frágil da relação, e quem, efetivamente, labora no imóvel.
A função precípua do contrato agrário é preservar a função social da propriedade, no aspecto econômico, ambiental e social. Ou seja, dar destino econômico para o imóvel, plantando culturas anuais, permanentes e/ou pastagens ou criando animais. Preservar o meio ambiente, tal qual previsto nas normas que regulamentam a matéria, sobretudo Código Florestal.
E, no aspecto social, mediante sua produção agropecuária, o contratado contribui para a geração de empregos diretos e indiretos no campo, além de fomentar a economia local, seja realizando investimentos na propriedade, compra e venda de grãos e animais para cooperativas, cerealistas, açougues e frigoríficos locais, regionais, além de exportação de alimentos.
Sobre Direito Agrário, afirma Arnaldo Rizzardo (Curso de Direito Agrário, edição 2015):
Visa o direito agrário à regulamentação das regras que tratam do uso e proveito da propriedade rural. Constitui o conjunto de normas que disciplina a atividade do homem sobre a terra e as relações entre as pessoas tendo como centro a terra produtiva ou a atividade agrária. Busca regulamentar e dirigir a atuação do homem sobre a natureza enquanto explora suas riquezas.”
E prossegue o professor ao comentar sobre os princípios que orientam o Direito Agrário:
- O condicionamento da propriedade à função social, princípio que visa promover a justiça social, bem como incentivar a utilização mais adequada da propriedade com a finalidade do desenvolvimento da sociedade. De observar que, se a propriedade não cumpre a função social, não é garantida, mas fica passível de ser retirada por meio de desapropriação, a fim de que passe a ser utilizada por quem, em princípio, melhor possa aproveitá-la.
- A predominância do interesse público sobre o individual, tanto que a legislação do direito agrário assenta-se sobre três grandes princípios informadores, os quais são a função social da propriedade, a justiça social e a prevalência do interesse público;
- A proteção da propriedade familiar e da pequena e média propriedade;
- A permanência na terra daqueles que a tornam produtiva com o seu trabalho e o da família;
- A proteção do trabalhador rural;
Em seu art. 103, preconiza a aplicação do Estatuto “de acordo com os princípios da justiça social”. Estabelece como elemento importante a conciliação da liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.
Realiza-se a justiça social por meio da distribuição da terra e da conciliação da liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.
O objeto e a finalidade do contrato agrário é o uso ou posse do imóvel rural para implementação de atividade agrícola ou pecuária, nas modalidade de arrendamento ou parcerias rurais, segundo disposições previstas nos arts. 92 a 94 do Estatuto da Terra, observados as disposições específicas dos arts. 95 e 96, também do Estatuto da Terra.
Preceitua o art. 1º do Regulamento:
O regulamento conceitua os contratos agrários de arrendamento e parceria rural, nos seguintes termos:
O contrato agrário, portanto, é um instrumento de acesso à terra por aqueles que não possuem terras, a fim de cultivá-la diretamente, desenvolver o seu negócio agrário e promover distribuição de renda e justiça social.
A preocupação do legislador foi garantir uma forma de acesso à terra, e, ao mesmo tempo, criar um microssistema legislativo que protegesse o arrendatário ou parceiro-outorgado.
O Estatuto da Terra e a Reforma Agrária
Quando se pensa no Estatuto da Terra, também vem à tona a reforma agrária. É importante que se diga que a promulgação do Estatuto da Terra coincide com o início do Regime Militar (1964 a 1985), de caráter autoritário e nacionalista. Teve início com a derrubada do governo de João Goulart, em abril de 1964.
Jango já defendia as “reformas de base”, dentre as quais a reforma agrária em que propunha uma alteração na estrutura fundiária brasileira, visando garantir terras a pequenos proprietários rurais.
E de fato, à época, o número de latifúndios improdutivos era enorme no país, motivo pelo qual impunha-se uma ação governamental, visando corrigir tais distorções. Nessas circunstâncias é que o Estatuto da Terra é promulgado em 30 de novembro de 1964, pelo Presidente Castelo Branco, definindo a forma em que a reforma agrária se daria no país.
Cria-se o IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (em substituição ao SUPRA – Superintendência de Reforma Agrária, criado em 1962) e forma da execução e administração da reforma agrária.
Definiu o Estatuto da Terra:
O certo é que o Estatuto da Terra foi um importante instrumento para a reforma agrária no país, seja arrecadando e distribuindo imóveis improdutivos, seja estimulando quem possuía imóveis improdutivos a dar-lhes função social.
Por sua vez, o IBRA foi substituído pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), criado em 1970, com a missão precípua de realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União.
Projetos de assentamentos rurais foram realizados em inúmeras regiões do país, alguns com sucesso outros nem tanto. Conflitos fundiários ainda abundam no país, mas a realidade socioeconômica hoje difere daquelas do legislador de 1964.
O número de imóveis improdutivos hoje é muito menor do que há 60 anos atrás. Novas técnicas de agropecuária permitem alta produtividade no campo e o Brasil é referência mundial em produção agrícola em região tropical e em exportação da sua produção.
O uso da ciência e tecnologia (muitas delas estimuladas pelo Poder Pública, a exemplo da EMBRAPA) fez uma verdadeira revolução no campo, permitindo se falar hoje em agricultura 4.0 (agricultura de precisão, uso de GPS, drones, maquinário de alta tecnologia, sementes de alta fertilidade e produção, culturas resistentes a pragas e intempéries, etc.)
Além disso, hoje a preocupação ambiental é premente no Brasil e no mundo. No passado, áreas cobertas de vegetação primária poderiam ser consideradas “improdutivas”, caso não fosse destinada economicamente. Hoje é considerada de preservação ou pode significar ativo ambiental. Tais circunstâncias inviabilizam, por exemplo, projeto de reforma agrária em áreas florestais.
Portanto, quem quer que pense em reforma agrária hoje no país deve estar voltado com olhos para o futuro, com a mente na terceira e quarta década do Século XXI e não presa ao tempo da promulgação do Estatuto da Terra.
Constituição Federal, Estatuto da Terra e atualizações
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Terra deve ser interpretado à luz da Lei Fundamental, haja vista a hierarquia superior da norma constitucional.
A Constituição Federal, por exemplo, incluiu capítulo próprio denominado “Da política agrícola e fundiária e da reforma agrária” (artigos 184 a 191), estabelecendo critérios para a reforma agrária, conceituando a função social da propriedade, a forma em que se dará a política agrícola e a destinação de terras públicas.
Ou seja, há hoje no Brasil um arcabouço constitucional superior ao próprio Estatuto da Terra, a ser aplicado no Direito Agrário, dada a autonomia da Constituição Federal. Tal fato, todavia, não diminui a importância da principal norma de Direito Agrário do país.
Além disso, de 1964 para cá, inúmeras outras leis foram editadas a exemplo da Lei nº 6.383/76 (Terras Devolutas), Lei nº 8.171/91 (Lei da Política Agrícola), Lei nº 8.629/93 (Lei da Reforma Agrária), Lei nº 11.326/06 (Lei da Agricultura Familiar), Lei nº 12.651/12 (Código Florestal), Lei nº 13.288/16 (Lei dos Contratos de Integração), etc.
Muitas dessas normas dispõem sobre temas que estão presentes no Estatuto da Terra, e, portanto, devem ser objeto da consulta do agrarista.
Em tempos mais recentes, o Estatuto da Terra sofreu uma alteração relevante em 2007. Por isso, vozes se levantam para a alteração da norma, adequando-a ao Século XXI. As críticas principais giram em torno de mais autonomia da vontade dos contratantes, formas de pagamento em contratos agrários, flexibilização de formas de notificações, etc.
Em 2019, por exemplo, promulgou-se a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19) em que se conferiu maior autonomia à livre iniciativa e ao exercício da atividade econômica. Todavia, tais princípios devem ser aplicados com reservas às normas de direito agrário, em especial naquilo que conflitem com o Estatuto da Terra e seu caráter cogente e dirigista.
De fato, é necessária a alteração da norma, de modo a modificar aquilo que já foi derrubado por legislação posterior e pela própria Constituição Federal.
Questiona-se se não seria o caso de promulgação de nova lei, aproveitando-se dos institutos criados e consolidados pelo Estatuto da Terra e que já foram incorporados à jurisprudência nacional. Há debates acerca da criação do Estatuto do Produtor Rural e até mesmo de um ramo autônomo denominado Direito do Agronegócio, afastado da imperatividade do Estatuto da Terra.
O certo é que o Direito Agrário possui particularidades acerca da sua incidência, em especial quanto à agrariedade, composta dos seguintes fatores: o uso do solo e seus acessórios (elemento de localização); pertinência a bens vegetais e/ou animais (elemento voltado ao ciclo agrobiológico); e avaliação econômica da atividade desenvolvida (elemento econômico).
Como tal, a atividade agrária demanda um sistema de proteção próprio e a existência de um ramo autônomo do Direito. E o Estatuto da Terra foi editado sob esse prisma: uma norma com conteúdo técnico à luz da agrariedade de seu objeto de incidência. Por isso, qualquer norma que venha a modificá-lo ou substituí-lo deverá ter esse mesmo propósito, sob pena de esvaziamento do Direito Agrário no Brasil.
Conclusão
Como vimos, os objetivos da criação do Estatuto da Terra eram, basicamente, a execução de uma reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura. Três décadas depois, podemos dizer que o segundo teve mais êxito.
E para quem deseja conhecer mais sobre o Estatuto da Terra e o Direito Agrário, sugiro buscar inicialmente os livros clássicos para compreensão do campo de incidência do Direito Agrário.
Para tanto, destaco os seguintes autores: Raymundo Laranjeira, Octávio Mello Alvarenga, Fernando Pereira Sodero, Silva C. B. Opitz e Oswaldo Optiz, Antonino Moura Borges, Benedito Ferreira Marques, Arnaldo Rizzardo e Darcy Walmor Zibetti.
Boas leituras!
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Advogado (OAB 30.897/SC | OAB 85.247/PR). Bacharel em Direito pela UNISINOS - Universidade do Vale dos Rio dos Sinos. Sócio-fundador de Kohl & Leinig Advogados Associados. Sou especialista em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio e também em Direito...
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Parabéns Paulo
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