O foro privilegiado, ou foro por prerrogativa de função, diz respeito a regras de competência que estabelecem condições específicas para o processo e julgamento de determinadas pessoas, no exercício de certos cargos ou funções públicas.
O termo “foro privilegiado” leva a interpretação de que se trata de um privilégio, uma vantagem estabelecida para pessoas que estejam em cargos e condições de poder.
Na realidade, o seu objetivo é garantir o exercício de funções públicas de forma livre e independente.
Não se trata de privilégio pois, ao deslocar a competência originária para um órgão superior, o acusado acaba tendo reduzidas as oportunidades de manuseio da via recursal, recebendo a vantagem apenas de que seu feito será originariamente julgado de forma colegiada, protegendo-o contra decisões arbitrárias e potencialmente contrárias à jurisprudência dominante das Cortes Superiores.
O que é foro privilegiado e quem tem direito?
O foro privilegiado, ou foro por prerrogativa de função, nada mais é do que o deslocamento da competência para processar e julgar determinado feito, geralmente atribuída a juízes de primeira instância, para outros órgãos dentro do Poder Judiciário (Tribunais, STJ e STF).
No que diz respeito à matéria criminal, o foro por prerrogativa de função é regido por regras específicas da Constituição Federal e do Código de Processo Penal. Vejamos:
- STF: Presidente da República, Vice-Presidente, membros do Congresso Nacional, seus próprios membros e o Procurador Geral da República, nas infrações penais comuns (art. 102, I, ´a´, CF).
- STF: Ministros de Estado, Comandantes das Forças Armadas, membros de Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomática, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade (art. 102, I, ´b´, CF).
- STJ: Governadores dos Estados e do Distrito Federal, nos crimes comuns (art. 105, I, ´a´, CF).
- STJ: Desembargadores dos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, membros de Conselhos ou Tribunais de Contas Estaduais e os do Ministério Público da União que oficiem em Tribunais (art. 105, I, ´a´, CF), nos crimes comuns e de responsabilidade.
- Tribunais Regionais Federais: juízes federais de sua área de atuação, nos crimes comuns e de responsabilidade (art. 108, I, ´a´, CF).
- Tribunais de Justiça: Prefeitos, nos crimes comuns de competência Estadual (art. 29, X, da CF e Súmula 702 do STF) e juízes de primeira instância que nele oficiem (art. 84, do CPP).
Como funciona o foro privilegiado?
Com relação à competência dos Tribunais Regionais Federais e de Justiça, é importante trazer o entendimento de Guilherme de Souza Nucci, no sentido de que estes órgãos possuem atribuição para julgar seus membros de primeiro grau independente do local do delito cometido.
Desta forma, versa o doutrinador que um juiz que cometa um crime comum em outro Estado será julgado por seus pares, perante o Tribunal de Justiça em que atua. Da mesma forma, segue, se um juiz federal comete um crime comum, será julgado perante o Tribunal Regional Federal em que oficia.
Foro privilegiado lei:
A seguir, observa-se a leitura dos dispositivos legais e constitucionais, a respeito do tema, a existência de uma lacuna, referente à competência para julgamento do Presidente da República e Governadores, por crimes de responsabilidade.
Trata-se da hipótese em que a competência para processar e julgar o feito é deslocada do juiz de primeira instância para órgão externo ao próprio Poder Judiciário.
No caso de crime de responsabilidade praticado por estes agentes públicos, a competência para instaurar, processar e julgar o feito é atribuída ao Poder Legislativo, como no caso do impeachment de Presidente da República, conforme estabelecido nos artigos 51 e 52 da Constituição Federal.
Com efeito, da mesma forma que um juiz de primeira instância não pode julgar um Ministro de Estado por crime de responsabilidade (competência do STF), este mesmo magistrado não pode julgar o Presidente da República por este mesmo ato, ou seja, havendo em ambos os casos uma prerrogativa de função decorrente do cargo exercido, variando apenas a autoridade responsável pelo processo e julgamento.
Por fim, um último ponto relacionado com a prerrogativa de função em matéria criminal diz respeito à alteração da competência de acordo com o exercício efetivo do cargo (começo e fim) e o momento da prática da conduta delitiva.
O plenário do Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Penal 937, estabeleceu que uma vez encerrada a instrução processual, por meio da abertura de prazo para a apresentação de alegações finais, posterior exercício de cargo público com prerrogativa de função não desloca a competência.
Desta forma, restou reforçado que a prerrogativa de função deriva do cargo exercido, restringindo as hipóteses em que a competência é alterada, por ato anterior à posse ou nomeação.
O entendimento traz em sua natureza uma contradição.
Gustavo Badaró observa a existência de um tratamento jurídico diferenciado entre membros do Poder Executivo e Legislativo em relação aos do Poder Judiciário.
Destaca que, na Questão de Ordem estabelecida na Ação Penal 937, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal estabeleceu que a prerrogativa de função, mesmo para crimes comuns, somente atinge atos praticados durante o exercício do cargo.
A seguir, demonstra o doutrinador que o Superior Tribunal de Justiça abriu precedente na Ação Penal 878/DF, mantendo a prerrogativa de função para Desembargadores independente do ato ter relação com o cargo.
Observa-se da ementa da Questão de Ordem na Ação Penal 937 que a Corte Suprema considerou ser “indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo”, fixando a tese de que o “foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”.
A decisão restringe expressamente previsão constitucional dos dispositivos acima mencionados e possui em sua própria ementa motivação de política criminal, levantando aspectos relacionados com a quantidade de processos e impunidade.
Por outro lado, a leitura da ementa do acórdão da Questão de Ordem na Ação Penal 878/DF demonstra a ausência desta distinção, trazendo ao STJ a competência para julgar Desembargador pela prática de crime comum, estranho ao cargo exercido (lesão corporal).
Desta forma, assiste razão o doutrinador ao apontar a existência de tratamento diferenciado ao tema entre os Tribunais Superiores, oferecendo uma interpretação mais favorável a membros do Poder Judiciário.
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O tema do foro por prerrogativa de função é polêmico, mas cumpre função constitucional ao proteger agentes públicos de decisões arbitrárias praticadas por juízes de primeira instância.
Cumpre destacar que membros da magistratura possuem independência funcional para interpretar e aplicar as normas jurídicas, existindo poucas consequências para o magistrado de primeira instância que, dentro dos limites estabelecidos pela legislação e pela Constituição, decida de maneira contrária à jurisprudência dominante a respeito de determinado tema.
Esta dinâmica cria um elemento de insegurança jurídica para o agente público que, no exercício de sua atividade, pode ser afastado do seu cargo, preso e condenado, por decisões de juízes singulares que podem não estar alinhadas com o entendimento jurisprudencial majoritário a respeito do tema. Os efeitos para a liberdade e independência funcional são evidentes.
O foro por prerrogativa de função, ao deslocar a competência para órgãos colegiados, permite a diluição de entendimentos singulares, dentro de decisões colegiadas, aumentando a possibilidade de que a decisão final esteja alinhada com o entendimento dominante a respeito do tema, conferindo maior segurança para o agente público, no exercício de suas funções.
Conclui-se, portanto, que a prerrogativa de função é um instrumento fundamental de governabilidade, não se tratando de privilégio para agentes públicos, mas de instrumento de segurança jurídica que confere maior proteção para o exercício de cargos e funções públicas de forma livre e independente.
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Conheça as referências deste artigo
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 12ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 11ª edição. São Paulo: Editora Thomson Reuters Brasil, 2023.
Advogado (OAB/SP 318.248). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Pós-graduado em Direito...
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