O Incidente de Assunção de Competência (IAC) é um instrumento de prevenção, ou eliminação de divergência jurisprudencial existente no Tribunal, que julgará o caso sobre um tema de direito (material ou processual) de grande relevância jurídica e com poucos casos repetidos.
Prevenir e eliminar a divergência jurisprudencial é um cuidado que existe no mundo jurídico. Ao realizá-lo promove-se os princípios constitucionais de acesso à justiça, celeridade e segurança jurídica. Para tanto, encontramos regras no Código de Processo Civil, Regimentos Internos dos Tribunais, Enunciados de Fóruns especializados.
Por mais que se busque proteger a existência de divergências de entendimento nos Tribunais Superiores, ainda existem, com maior ou menor incidência de discussão. O que fazer diante de uma situação de entendimentos divergentes entre câmaras, turmas ou seções de um mesmo Tribunal?
Existente, de forma tímida no CPC/73, no § 1º do art. 555, a uniformização de jurisprudência é renovada em 2015, com o Novo Código de Processo Civil de 2015, a partir do diálogo de aproximação entre o civil law e o common law.
Cesar Zucatti Pritsch considera que o Incidente de Assunção de Competência é um dos institutos do atual CPC que mais se aproxima do sistema de precedentes vinculantes dos países de common law, elevando a aplicação do stare decisis dentro da práxis brasileira.
Com isso, há na legislação instrumentos destinados a prevenir a divergência jurisprudencial como o Incidente de Resolução Demandas Repetitivas (IRDR) e o Incidente da Assunção de Competência.
Neste texto você vai entender mais o que é o IAC e qual seu objetivo, além das diferenças com o IRDR. Confira! 😉
O que é Incidente de Assunção de Competência (IAC)?
O Incidente de Assunção de Competência é um instrumento encontrado no Código de Processo Civil que tem o objetivo evitar divergência de entendimentos em um mesmo Tribunal sob um tema.
É feito a partir de padrões de decisões necessários, provocando o Tribunal a se posicionar de maneira uniforme.
O IAC é um recurso?
Não. O Assunção de Competência não é recurso, nem ação autônoma de impugnação, nem outra forma de impugnação atípica de decisão judicial.
Como o próprio nome diz, é um incidente processual. Conforme nos ensina Dinamarco, o incidente processual é:
O IAC possui um objetivo bem específico: garantir a uniformização de jurisprudência.
Qual é o objetivo do Incidente de Assunção de Competência (IAC)?
A razão principal do incidente de Assunção de Competência é assegurar Segurança Jurídica perante os julgamentos realizados no Tribunal, que podem ser resumidos em três pontos:
Há um deslocamento da competência originária para um outro órgão ou turma, com maior composição, indicado pelo Regimento Interno do Tribunal. O resultado firma um posicionamento do Tribunal em relação da matéria.
O Incidente de Assunção de Competência para evitar a existência de divergência o faz a partir da expansão do debate da tese, o que permite garantir a segurança jurídica e a previsibilidade de uniformização de entendimento. Destacam Leonardo Cunha e Freddie Didier:
Ou seja, a principal função do IAC é promover a composição da divergência, ou preveni-la. E, vindo a existir, em razão de não atendimento, cabe Reclamação ao Tribunal.
Incidente de Assunção de Competência (IAC) no novo CPC:
O incidente de Assunção de Competência é apresentado com um capítulo específico do novo CPC – Capítulo III do Título IV do CPC, no artigo 947 e seus quatro parágrafos.
Apesar de prevenir o sistema jurídico processual da existência de divergência jurisprudencial, é válido lembrar que o Incidente de Assunção de Competência não faz parte do Microssistema da formação de precedentes obrigatórios.
Ainda assim, encontramos a participação de Amicus Curiae, a intervenção do Ministério Público, reforço do dever de motivar, publicidade e regras de superação (previstas nos §§ 2º, 3º e 4º do art. 927 do CPC-2015).
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Em quais casos é possível o Incidente de Assunção de Competência (IAC)?
Para que seja possível a instauração do Incidente de Assunção de Competência (IAC) é preciso que o processo esteja em análise pelo Tribunal, em grau de recurso ou em competência originária (sendo válido também nos Tribunais Superiores – STJ e STF). Logo, não é possível Incidente de Assunção de Competência (IAC) em juízo singular.
A instauração do Incidente de assunção de Competência (IAC) pode acontecer em qualquer tipo de processo, com a única condição de que o processo tenha a sua matéria de direito (material ou processual) de grande repercussão geral e sem repetição em múltiplos processos e, ainda, esteja sendo julgada (em tramitação).
É preciso que se perceba o seguinte. No caso sub judice, haverá a atuação de dois órgãos julgadores colegiados.
Por isso, é importante conhecer, além das regras previstas no Código de Processo Civil, o Regimento Interno do Tribunal em que será provocado o incidente processual, com o objetivo de identificar a competência para processamento do incidente.
A exemplo do AIC no STJ, a análise poderá caber à Corte Especial ou a Seção – que representam o órgão colegiado maior, a depender do momento processual provocado.
Cabe IAC na Justiça do Trabalho?
Sim, é totalmente possível o Incidente de Assunção de Competência em todos os graus da Justiça do Trabalho.
Inclusive é válido destacar que o Fórum Permanente de Processualistas Civis trata sobre o assunto nos Enunciados n. 335, 167 e 171, in verbis.
Neste caso, se o incidente de assunção de competência for proferido por Tribunal Regional do Trabalho, caberá recurso ordinário ou recurso de revista, para o Tribunal Superior do Trabalho, a depender da causa que tenha sido julgada.
Caso o julgamento tenha sido proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, caberá recurso extraordinário, desde que preenchida uma de suas hipóteses de cabimento.
Mais liberdade no dia a dia
Quem pode pedir o Incidente de Assunção de Competência (IAC)?
A legitimidade de propositura ou instauração do IAC é múltipla.
Quais são os pressupostos do Incidente de Assunção de Competência IAC?
Vamos analisar os pressupostos do Incidente de Assunção de Competência (IAC) fazendo um comparativo com o Incidente de Resolução Demandas Repetitivas (IRDR), outro procedimento que possui o mesmo objetivo de uniformizar jurisprudência.
O IAC sempre deverá ser provocado perante o Tribunal, em grau de recurso ou na sua competência originária.
Por outro lado, o IRDR, ainda que o seu conteúdo seja analisado pelo Tribunal, para sua provocação não precisa que o processo esteja tramitando perante os Tribunais Superiores. Ele pode ser provocado já no primeiro grau, juízo singular, suspendendo-se o processo até que a matéria seja analisada pelo Tribunal.
Ao contrário do IRDR, que é preciso que o direito analisado produza risco ou ofensa à isonomia e à segurança jurídica, para o IAC, a matéria de direito não precisa produzir risco ou ofensa. Por outro lado, precisa ser relevante e de grande repercussão geral.
Este é o grande diferencial entre o AIC e o IRDR, pois neste, é necessária a existência de múltiplos processos.
Trata-se do pressuposto negativo para instauração do incidente. O Incidente de Assunção de Competência (IAC) é para processos específicos com temas não reincidentes em volume.
Neste sentido, destaca-se o julgado do TJSE, de relatoria do Des. Cezário Siqueira Neto, que buscou analisar a admissibilidade de Incidente de Assunção de Competência (AIC) de processos oriundos dos Juizados Especiais, mas que não foi possível, por não atender um requisito
Em resumo, o IAC tem natureza preventiva, ao possibilitar evitar a formação de divergência jurisprudencial, sob temas de grande relevância e repercussão geral, porém debatidos em poucos processos, cujo resultado vincula a todos os membros do Tribunal e juízes a ele submetidos.
Como se dá o julgamento do IAC?
Em sendo o Tribunal provocado, após a análise dos pressupostos, é definida a competência do colegiado para analisar o Incidente de Assunção de Competência, conforme Regimento Interno do Tribunal.
Feito o direcionamento da competência, o tema é analisado e julgado. Como resultado do julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC), teremos um acórdão (art. 947, parágrafo 3), logo recorrível.
Permite oposição de embargos de declaração, Recurso Especial ou Extraordinário, a depender se proferido pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Superior e, caso seja pelo Supremo Tribunal Federal, caberá apenas embargos de declaração.
Outro detalhe é a inexistência de suspensão nacional dos processos para análise do Incidente de Assunção de Competência.
Por essa mesma razão, não se aplica ao incidente de assunção de competência o disposto no § 3º do art. 982 do CPC-2015, não sendo possível haver a suspensão nacional de processos que tratem do mesmo tema, já que esta é uma regra direcionada à gestão e julgamento de casos repetitivos, não se aplicando à assunção de competência.
Tem efeito vinculante a decisão do Incidente de Assunção de Competência (IAC)?
Conforme estabelece o artigo 3º:
Ou seja, o efeito vinculante da decisão levará em consideração qual foi o órgão colegiado que analisou o Incidente de Assunção de Competência. Retomando ao exemplo de AIC no STJ, se o acórdão foi proferido pela Corte Especial estarão vinculados todos os órgãos do Tribunal, bem como os Tribunais inferiores.
Por outro lado, se foi proferido pela Seção estarão vinculados às Turmas e Ministros que a compõem.
O entendimento vigorará até que haja a sua superação a partir de uma nova análise do tema feita pelo mesmo órgão Colegiado que prolatou. O resultado implicará em um novo precedente que o substituirá.
O primeiro IAC no STJ
Em 2017, o Superior Tribunal de Justiça recebeu o seu primeiro Incidente de Assunção de Competência após a sua revisão no CPC/15.
O processo, originariamente distribuído para a Terceira Turma, foi julgado pela Segunda Seção, e teve por objetivo discutir os seguintes temas: cabimento da prescrição intercorrente e a eventual imprescindibilidade de intimação prévia do credor; necessidade de oportunidade para o autor dar andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão veiculada na demanda. Trata-se do AIC no REsp Nº 1.604.412 – SC (2016/0125154-1).
Como destacou o Min. Bellize, que propôs de ofício o AIC em razão dos posicionamentos existentes entre as Terceira e Quarta Turmas, que são especializadas em direito privado:
Com efeito, o novel incidente, nascido de disposição expressa do Código de Processo Civil, destina-se, entre outros fins, à prevenção e composição de divergência jurisprudencial, cujos efeitos são inegavelmente perversos para a segurança jurídica e previsibilidade do sistema processual”.
Todo tribunal já teve IAC provocado?
Não. Em consultas aos sítios eletrônicos dos Tribunais, verificou-se que:
Por outro lado, o Tribunal de Santa Catarina, conforme último dado publicado em fevereiro de 2023, possui 26 processos de AIC admitidos e julgados.
Conclusão
O Incidente de Assunção de Competência é um instrumento encontrado no Código de Processo Civil que tem o objetivo evitar divergência de entendimentos em um mesmo Tribunal sob um tema.
Deve ser utilizado em processos específicos. Somente permite a instauração do incidente de Assunção de Competência os processos que possuam um tema de direito de grande repercussão geral, desde que não haja múltiplos processos similares e que estejam ainda em trâmite.
A provocação é feita a partir da necessidade de se definir padrões de decisões, provocando, assim, o Tribunal a se posicionar de maneira uniforme, garantindo segurança jurídica.
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Conheça as referências deste artigo
CUNHA, L. C. da. DIDIER JÚNIOR, F. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais – Volume 3, Editora JusPODIVM, 13ª edição.
DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 242.
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Os Perfis do incidente de assunção de competência no CPC/2015. Revista dos tribunais. Vol. 297/2019. p. 213/231. Novembro de 2019. DTR/2019/41015.
PRITSCH, Cesar Zucatti. IRDR, IAC e Stare Decisis horizontal: sugestões regimentais para evitar a criação de jurisprudência conflitante. Revista eletrônica do Tribunal Regional da 4ª Região. Ano XIV, Número 214. Junho de 2018.
TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 39
Advogada (OAB 93271/PR). Bacharela em Direito pela UFGD - Dourados/MS. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela UNIGRAN. Mestre em Direito Processual Civil pela UNIPAR - Umuarama/PR. Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Pan-Americana de Administração e Direito e...
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Muito bom!
Bem explicado, gostaria de poder receber os demais componentes como IRDR, Reclamação, Precedentes, Embargos, todos os recursos. Parabéns!