O conceito de Justiça Restaurativa pode ser observado no artigo 1º da Resolução 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça, se tratando do:
Trata-se de um mecanismo de política nacional voltado para a solução de conflitos fora da dinâmica tradicional de aplicação de sanções como único resultado possível para a violação de determinada norma.
Dessa forma, fornecendo um mecanismo não apenas mais eficaz, mas que também atenta para as necessidades da vítima, do acusado e da comunidade afetada pela conduta ilícita, os trazendo efetivamente para o processo de administração da justiça.
Por isso, hoje iremos abordar o tema da Justiça Restaurativa. Não apenas o seu conceito e funcionamento, como também sua relação enquanto ferramenta de política pública dentro do sistema de justiça criminal.
Continue a leitura para saber mais! 😉
Como funciona a política nacional de justiça restaurativa?
A Justiça Restaurativa, enquanto mecanismo de política nacional dentro do sistema judiciário, se encontra organizada e regida pelas disposições da Resolução 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça.
O primeiro aspecto a ser tratado, neste sentido, são os princípios trazidos por esta normativa e que regem o seu funcionamento (artigo 2º). São eles:
Destes princípios, se observa que a política nacional de Justiça Restaurativa dentro do âmbito do Poder Judiciário possui semelhanças com os mecanismos atualmente vigentes para a solução alternativa de conflitos.
Assim, sendo destaque a maior participação dos envolvidos no procedimento restaurativo, bem como a maior atenção para as suas necessidades.
Na dinâmica tradicional de aplicação do sistema de justiça um fato ilícito é trazido ao conhecimento do Poder Judiciário que, a partir da análise da efetiva violação da norma, através do contraditório, aplica uma consequência prevista na legislação.
Esta consequência pode ter uma natureza meramente indenizatória ou tratar efetivamente de uma punição, como a realização de pagamentos pecuniários (multas) ou restrições de direitos (ex. liberdade).
Regras da resolução 225/2016
Pois bem, ao longo da resolução 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça são trazidas diversas regras para efetivação de um sistema de justiça de cunho efetivamente restaurativo, quais sejam:
Procedimento restaurativo
No procedimento restaurativo, as partes são trazidas perante o facilitador que busca abordar o conflito, sua origem e consequências, ouvindo a todos os envolvidos na direção de uma solução consensual, imparcial e voluntária, que resulte em obrigações razoáveis e proporcionais que atendam às necessidades de todos os envolvidos.
Não sendo obtida uma composição entre as partes, o sistema de justiça tradicional pode atuar sem que o procedimento restaurativo possa ser utilizado como prova ou seja valorado de maneira negativa contra o acusado.
Porém, há que se destacar que a Resolução 225/2016 é uma norma de direito administrativo. Ou seja, limitada em sua natureza, e que não pode substituir o processo legislativo no que diz respeito à criação dos mecanismos legais em que a justiça restaurativa pode ser aplicada aos casos concretos.
Neste sentido, o Direito Penal brasileiro é pioneiro na criação de mecanismos que permitem a efetivação de uma política nacional de Justiça Restaurativa a violações jurídicas de natureza criminal.
A justiça restaurativa e o Direito Penal
A atual dinâmica do sistema de política nacional voltado à realização de uma justiça de cunho restaurativo, trazido pela resolução 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça, foi inspirada em diversos documentos da Organização das Nações Unidas que tratam do tema, quais sejam (ano/número):
Estes documentos da Organização das Nações Unidas trazem as linhas gerais de um sistema de justiça restaurativa, possuindo foco especial em matérias de menor potencial ofensivo dentro do âmbito criminal
Por sua vez, o ordenamento jurídico brasileiro possui diversos mecanismos que permitem a aplicação das disposições da Resolução 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça e das diretrizes trazidas pela Organização das Nações Unidas. Isto é, aos casos concretos e em atendimento aos limites trazidos pelo princípio da legalidade em matéria de Direito Penal e processual penal.
Colocado de outra maneira, são os benefícios abaixo abordados que permitem a efetivação concreta da justiça restaurativa no âmbito criminal, sem que isso implique na criação de direito material ou rito procedimental/processual em desacordo com as regras vigentes.
Composição civil de danos
O primeiro destes mecanismos é a chamada composição civil de danos, prevista no artigo 72 da Lei 9.099/95.
Na composição civil de danos, às partes envolvidas em um conflito de natureza criminal de menor potencial ofensivo (pena máxima inferior a dois anos de prisão) participam de uma audiência preliminar voltada à celebração de um acordo cível que encerra a questão antes mesmo do ingresso de uma ação penal.
A possibilidade de participação das partes envolvidas (autor e vítima) no processo de composição, e o seu caráter voluntário, demonstram o alinhamento e possibilidade de seu manuseio como mecanismo para a efetivação da justiça restaurativa no âmbito criminal. Assim, substituindo a sanção penal por um consenso de natureza cível.
Transação penal
O próximo mecanismo a ser analisado é a transação penal, prevista no artigo 76 da Lei 9.099/95, reservado também para os crimes de menor potencial ofensivo.
Preenchidos os requisitos legais, o representante do Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de uma pena restritiva de direitos ou multa, evitando o processo e preservando a primariedade técnica do acusado.
Neste caso, observa-se na transação penal uma forma alternativa de solução para conflitos de natureza criminal que envolve a participação voluntária por parte do acusado ao aceitar ou rejeitar a proposta. Isto é, sem que resulte na confissão do delito ou possa ser utilizado como elemento de convicção na esfera cível.
Suspensão condicional do processo
Por fim, o último mecanismo da Lei 9.099/95, alinhado com o conceito e finalidade de uma política pública de cunho restaurativo é a suspensão condicional do processo, benefício previsto no artigo 89 da citada legislação.
Na suspensão condicional do processo a ação penal que tenha como objeto crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a 01 (um) ano de prisão podem ter a sua tramitação suspensa pelo prazo de 02 (dois) a 04 (quatro) anos.
Este é o período no qual o acusado se sujeita a uma série de regras que, caso cumpridas, resultam na extinção do processo sem a análise de seu mérito, preservando a primariedade técnica do beneficiado.
A suspensão condicional do processo oferece um mecanismo alternativo para a tutela jurídica de condutas criminosas, oferecendo uma segunda chance ao acusado, que deve seguir a série de regras que podem adquirir um caráter restaurativo, sendo exemplo a reparação do dano.
A seguir, há de ser observado que existem outros mecanismos na legislação penal que podem ser utilizados para a efetivação de um sistema restaurativo de justiça no âmbito criminal. Neste ponto, merecem destaque outros três benefícios previstos no Código Penal e no Código de Processo Penal.
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O primeiro deles é a possibilidade da conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos, nos termos do artigo 43, e seguintes, do Código Penal Brasileiro.
Dentre as penas restritivas de direitos passíveis de conversão, está a prestação de serviços comunitários (cf. artigo 43, inciso IV, e artigo 46, ambos do Código Penal Brasileiro).
As atividades a serem prestadas precisam estar alinhadas com as habilidades do condenado e devem ser realizadas em:
Como resultado, ao invés da simples aplicação de uma pena privativa de liberdade, é oferecida ao agente a oportunidade de prestar uma contrapartida para a comunidade, trazendo-a para o processo de administração da justiça e demonstrando possibilidade de sua aplicação enquanto mecanismo capaz de efetivar uma justiça efetivamente restaurativa.
Suspensão condicional da execução da pena
O próximo benefício a ser analisado é a suspensão condicional da execução da pena, prevista no artigo 77 do Código Penal Brasileiro.
Neste caso, a pena privativa de liberdade inferior a dois anos e que não possa ser convertida em penas restritivas de direitos (ex. crime doloso com violência).
Além disso, pode ser suspensa em sua execução por 02 (dois) a 04 (quatro) anos. Isso desde que o apenado se submeta a uma série de requisitos, incluindo a possibilidade de prestação de serviços comunitários no primeiro ano da vigência deste benefício.
A possibilidade de prestação de serviços comunitários no primeiro ano de cumprimento da suspensão condicional da execução da pena segue a mesma lógica restaurativa aplicada às penas restritivas de direito, emprestando ao benefício seu caráter restaurativo.
Ademais, tanto a suspensão condicional da pena quanto a do processo possuem a possibilidade da criação de obrigações adicionais. Dessa forma, permitindo que a sua aplicação concreta evolua no sentido empregar mais elementos de cunho restaurativo.
E, também, permitindo seu maior manuseio enquanto ferramenta passível de efetivar as diretrizes e objetivos trazidos pelo Conselho Nacional de Justiça e Organização das Nações Unidas com relação ao tema.
Acordo de Não Persecução Penal
Por fim, o último benefício a ser analisado é o Acordo de Não Persecução Penal, trazido ao ordenamento jurídico por meio da introdução ao Código de Processo Penal do artigo 28-A, por meio da Lei 13.964/2019.
Na hipótese de delito cuja pena mínima seja inferior a 04 (quatro) anos, o representante do Ministério Público poderá propor um acordo ao acusado antes do oferecimento de denúncia, pressupondo a confissão da prática delitiva.
O acordo poderá conter diversas obrigações a serem cumpridas pelo beneficiário, dentre elas a reparação do dano causado pela conduta e a prestação de serviços comunitários. Não bastando, existe a flexibilidade para a fixação de obrigações adicionais com potencial restaurativo, desde que:
Por intermédio das alternativas expostas acima, o sistema de justiça criminal possui mecanismos com previsão legal expressa que permitem a aplicação concreta de uma política nacional de justiça restaurativa.
Para que esta aplicação ocorra, é necessário a adequação destes mecanismos, de seus requisitos e possibilidades, aos objetivos do Conselho Nacional de Justiça e as orientações da Organização das Nações Unidas com relação ao tema.
A partir disso, os titulares para o manuseio de cada um destes benefícios, dentro dos limites da discricionariedade a eles oferecida pela legislação, devem priorizar a adoção de obrigações de caráter efetivamente restaurativo.
Assim, oferecendo uma resposta plena e eficaz ao fenômeno da criminalidade que respeite a voluntariedade da parte beneficiada e permita a participação/benefício da vítima e comunidade.
Leia também: O que é considerado cárcere privado e qual a pena – Art. 158 CP!
Conclusão
A análise das diretrizes gerais de uma política nacional de Justiça Restaurativa, nos termos trazidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pela Organização das Nações Unidas, em conjunto com os mecanismos presentes na legislação pátria, demonstram a possibilidade concreta de reorientação do sistema de justiça brasileiro para um enfoque progressivamente restaurativo.
Desta forma, o emprego da ação penal como instrumento de análise de culpabilidade e aplicação de sanções, bem como o manuseio exclusivo da pena privativa de liberdade como resposta adequada ao delito, acabam relegados para as condutas dotadas de maior gravidade.
Aos crimes dotados de menor gravidade os mecanismos de justiça restaurativa oferecem uma alternativa viável ao cárcere com aplicação de obrigações razoáveis e proporcionais como resposta ao delito, oferecendo um retorno para a vítima e para comunidade, lesadas pela conduta ilícita praticada.
Resta agora adequar os mecanismos já vigentes com as diretrizes criadas pelo Conselho Nacional de Justiça em sua resolução 225/2016, permitindo a adoção progressiva de obrigações restaurativas quando do oferecimento de benefícios na esfera criminal que ofereçam alternativa à aplicação de penas privativas de liberdade.
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Advogado (OAB/SP 318.248). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Pós-graduado em Direito...
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