Educação respeitosa, sem violência. A Lei Menino Bernardo garante às crianças e adolescentes uma educação sem o uso de castigos físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, ou qualquer outro pretexto, por qualquer pessoa que tenha a responsabilidade de cuidá-los, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
“Apanhei e não morri” ou “Apanhei e não virei um revoltado”, você já deve ter lido ou escutado estas frases que são utilizadas como contra argumento por aqueles que não apoiam a educação respeitosa. Sobre esse ponto, Marshall B. Rosenberg nos traz o seguinte:
Toda violência é o resultado das pessoas enganarem a si mesmas, acreditando que a dor delas deriva de outras pessoas e que, conseqüentemente, essas pessoas merecem ser punidas.”
A Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo primeiro, garante que:
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
Sendo assim, nascer humanizado e ser educado respeitosamente.
O bebê do ser humano necessita, após o nascimento, de um período longo de cuidado até que tenha sua independência. Por ser social, aprende pelo exemplo. Por isso nada mais pontual que o ditado africano:
É preciso uma aldeia para educar uma criança”.
Ou seja, para se educar em valores, atitudes e responsabilidade é preciso uma ação conjunta da família nuclear e da sociedade que vive com ela.
Neste sentido, é preciso que todos aqueles que cuidam ou possuem contato com o ser em formação trate-o bem. E é exatamente isso que vem garantir a Lei Menino Bernardo, a lei 13.010/14, o direito de ser criado e educado de forma respeitosa.
Continue a leitura para saber mais sobre o tema! 😉
O que é a Lei Menino Bernardo?
A lei menino Bernardo é a lei que estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.
Ao lado do Estatuto da Criança e do Adolescente, ela garante às crianças e adolescentes o direito à educação e criação sem violência.
Histórico da Lei Menino Bernardo
Em 1988 a Constituição Federal no seu artigo 226, parágrafo 7, elevou a condição de princípio a paternidade responsável para regulamentar o planejamento familiar.
Já em 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma lei necessária, louvável que dispõe sobre a proteção integral da criança e adolescente.
Em 1996 é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases Nacionais que organiza a educação escolar que tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para a cidadania e exercício do pleno emprego.
Além disso, em 2008 é promulgada a Lei empresa cidadã. Lei que ao permitir deduções fiscais às empresas, garante aos empregados prorrogação na licença parental:
- da Licença Maternidade por 60 dias;
- e a Licença Paternidade por 15 dias. Porém, para a prorrogação desta, é preciso que o pai comprove o comparecimento em curso de paternidade responsável.
Mas, todas estas leis não foram suficientes para dar a proteção absoluta à criança e adolescente. Em 2003 é apresentado à Câmera de Deputados o PL 2654/2003. Em 2006, o PL sofre alterações após nova disposição do Comitê dos Direitos da Criança – CRC/C/GC/8 da ONU.
É enviado à Presidência da República sendo renumerado para PL 7672/2010, relatado pela Deputada Teresa Surita. O texto substitutivo ao projeto inicial foi aprovado no Congresso Nacional em maio e junho de 2014.
Sobre esse ponto, vale trazer uma curiosidade: O PL 2654/2003 recebeu o nome de Lei da Palmada. Ainda quando da tramitação em 2011 adotou-se ao PL o nome Lei Menino Bernardo, em homenagem ao pequeno Bernardo Boldrini.
Ainda, na época da votação do PL, o Datafolha realizou uma pesquisa que foi publicada no jornal Folha de São Paulo. Foram ouvidas 10.905 pessoas. 54% dos entrevistados se posicionaram contra o PL enquanto 36% eram a favor.
O posicionamento contrário também existia por parte de profissionais do Direito, por compreenderem que a lei não proíbe a palmada e seria também redundante, pois há leis que protegem as crianças, além da subjetividade de alguns temas jurídicos.
Por outro lado, a comunidade de psicólogos e pedagogos abominam qualquer ato de punição física.
Viva com liberdade
Quanto antes você contrata, menos você paga
Aproveitar desconto *Confira o regulamentoQuem foi o Menino Bernardo?
Como dito acima, apesar da existência de diversas leis de proteção a crianças e adolescentes, infelizmente não são capazes de proteger plenamente as crianças e adolescentes.
Em 2014, na cidade de Três Passos (RS) o menino Bernardo Boldrini, de 11 anos, foi assassinado por superdosagem de medicamentos. O crime por si só já surpreende.
Porém, são os envolvidos no fato que choca. Os acusados do crime são o pai, a madrasta e dois amigos do casal que ao final do processo, em março de 2019, foram condenados.
Bernardo era vítima de violência e já havia procurado ajuda, mas infelizmente não foi o suficiente para protegê-lo plenamente.
O que mudou com a Lei Menino Bernardo?
As alterações que a lei Menino Bernardo trouxe são de duas naturezas, vamos conferir cada uma delas abaixo!
Mudanças de natureza legal
A lei 13.010/14 altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.064/90) ao mudar a redação do artigo 13 e acrescentar novos artigos: 18-A, 18-B e 70-A.
No artigo 13, que trata de casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente, define que os casos serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
No artigo 18-A há a definição do direito à educação não violenta e a conceituação das espécies de violência.
Já o artigo 18-B trata das sanções aplicáveis, enquanto o artigo 70-A cuida da responsabilidade dos entes públicos na elaboração de políticas públicas de prevenção e proteção.
A Lei altera também o artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, acrescentando um parágrafo, o nono, que prevê que os conteúdos sobre violência contra criança e adolescente são temas transversais nos currículos escolares.
Dessa forma, devendo a escola e os demais responsáveis pela elaboração e distribuição de materiais didáticos atenderem e adequarem seus materiais.
Leia também no Portal da Aurum: O que você precisa saber sobre homoparentalidade
Mudanças de natureza comportamental
Apesar da existência do ECA desde 1990, é com a Lei Menino Bernardo em 2014 que se firma o (tardio) reconhecimento pela sociedade da compreensão que as crianças e adolescentes devem ser educadas e criadas sem violência como sujeito de direito que são.
Apesar de não ser assim definida na lei, motivar e promover a parentalidade responsável que, dentre outras características, é a educação respeitosa.
O que é paternidade responsável?
Aqui vamos fazer uma adequação. Apesar da Constituição Federal apresentar o termo “paternidade responsável”, devemos considerar como parentalidade responsável, pois é tanto direcionado para mães e pais.
Parentalidade responsável pode ter mais de um significado, sendo assim:
- decidir responsável e conscientemente de ter ou não filhos;
- reconhecimento do estado de filiação;
- quantos filhos o casal deseja ter;
- dever parental;
- a forma e cuidado na formação da criança e adolescente.
E, é neste último significado que iremos nos atentar neste artigo.
A lei é protege apenas às crianças e adolescentes?
Sim. A lei 13.010/2014, lei menino Bernardo, protege as crianças e adolescentes. Ou seja, pessoas entre idade de 0 a 18 anos e, excepcionalmente em alguns casos, até os 21 anos.
Mas é importante registrar que o tratamento respeitoso de cuidado e trato deve existir a todas as pessoas independentemente da idade, com atenção especial aos idosos.
Assim, temos que a lei 13.010/2014, a Lei menino Bernardo, protege as crianças e adolescentes contra qualquer ato de educação, repreensão, disciplina e cuidado violento. Todo cuidado e educação deve acontecer sem castigo físico, tratamento cruel ou degradante.
O que a lei considera como castigo físico?
Por castigo físico a lei define que é toda ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em sofrimento físico ou lesão.
O que a lei considera como tratamento cruel ou degradante?
Por tratamento cruel ou degradante a lei compreende que será toda conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize.
Quem deve cumprir a lei Menino Bernardo?
Ela é direcionada aos pais, aos integrantes da família ampliada ou extensa, aos responsáveis, aos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Quais são as consequências para quem viola a lei 13.010/2014?
De acordo com a gravidade do caso, a lei estabelece àquele que violar a lei Menino Bernardo:
- encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
- encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
- encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
- obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
- advertência.
As medidas acima serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais ou em prejuízo de outras sanções cabíveis.
E ao Estado, há alguma responsabilidade?
Com certeza e nos três níveis de atuação:
- União;
- Estado;
- Distrito Federal e Município.
Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente ganha um novo artigo, o 70-A que estabelece uma atuação articulada na elaboração de políticas públicas e execução de ações destinadas a coibir o uso de violência na criação e educação e para difundir formas não violentas.
São exemplos de ações a serem desenvolvidas:
- promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;
- integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;
- formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;
- apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente;
- inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a garantir os direitos da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, e de atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo;
- promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Ainda, o artigo traz um importante registro. As famílias com crianças e adolescentes com deficiência terão prioridade de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e proteção.
Conclusão
A lei menino Bernardo, Lei 13.010/14, é a lei que, ao lado do Estatuto da Criança e Adolescente, vem garantir às crianças adolescentes educação e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.
Como destaca Marshall B. Rosenberg, quando somos violentos com alguém é porque há uma dor.
A violência vem da crença de que as outras pessoas causam a nossa dor e, portanto, merecem punição.”
Apesar da existência da lei, no primeiro semestre de 2021, o número de denúncias de violência contra crianças e adolescentes ultrapassou 50.000, sendo 81% dentro de casa (Dados do Disque 100).
É importante destacar que a educação violenta está diretamente ligada a problemas psicológicos, automutilação e suicídio entre os jovens. Segundo o médico psiquiatra Humberto Müller, na audiência pública promovida pela Câmara de Deputados sobre o tema:
4% dos adolescentes brasileiros apresentam sinais depressivos e 1 a cada 4 crianças já apresentou indícios da doença”.
Educar por medo, com violência, não ensina, pois a criança não aprende a razão da existência da regra, pelo contrário. Educar respeitosamente é ter conexão, comunicação e cooperação.
É considerar a criança e adolescente como sujeito de direito que são. Cuidar de nossas crianças e nossos adolescentes é cuidar do futuro.
Mais conhecimento para você
Se você gostou deste texto e deseja seguir a leitura em temas sobre direito e advocacia, vale a pena conferir os seguintes materiais:
- Veja o que é expropriação, como fazer e o que diz o novo CPC
- Agenda para advogados: 7 motivos para escolher o Astrea
- Entenda o que é e o que diz a Lei Uniforme de Genebra
- Tudo que você precisa saber sobre o marco temporal de terras indígenas
- Terceirização de Petições: o que é e como funciona na prática?
- O que você precisa saber sobre união estável [+Modelo]
- Entenda o que é imunidade diplomática e quem tem direito
- Entenda o que é e como funciona o mandato coletivo
- Entenda como funciona a medida protetiva
- Saiba o que é mandado de injunção
- Conheça as classificações dos Direitos da Personalidade
- Entenda os limites da liberdade de imprensa
- Conheça as hipóteses de extinção da punibilidade
- Saiba como funciona e quais os prazos do período de graça
- O que é e quais são os tipos de Liberdade Provisória?
- Entenda o que é NIRF e veja como consultar!
Assine grátis a Aurum News e receba uma dose semanal de conteúdo no seu e-mail! ✌️
Este conteúdo foi útil pra você? Conta aqui nos comentários 😉
Conheça as referências deste artigo
BRASIL, Congresso Nacional. Lei 8069/1990.
BRASIL, Congresso Nacional. Lei 13.010/2014.
Marshall B. Rosenberg – Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Editora Ágora, 2006.
Advogada (OAB 93271/PR). Bacharela em Direito pela UFGD - Dourados/MS. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela UNIGRAN. Mestre em Direito Processual Civil pela UNIPAR - Umuarama/PR. Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Pan-Americana de Administração e Direito e...
Ler maisDeixe seu comentário e vamos conversar!
Deixe um comentário