A Lei Uniforme de Genebra, promulgada pelo Decreto 57.663 de 1966, é um conjunto de regras que padroniza as normas para contratos de compra e venda internacional, buscando estabelecer diretrizes justas e equilibradas para todas as partes envolvidas, independentemente do país onde ocorra a transação.
Conhecida popularmente como LUG, a Lei Uniforme de Genebra se fez necessária a partir do grande crescimento e rápido desenvolvimento do comércio internacional.
Com isso, tornou-se necessária a adoção de medidas extraterritoriais, sendo fundado o Instituto do Direito Internacional, no qual representantes de países se reuniram na intitulada “Conferência Diplomática de Haia” e se depararam com a necessidade de uniformizar a legislação acerca de letras de câmbio e notas promissórias, como documentos utilizados para a efetivação de pagamento de bens e serviços.
Neste sentido vale destacar a exposição de Rubens Requião:
A ideia de recolocar a letra de câmbio, como a nota promissória, como direito comum a todos os povos, tal como se originou na Idade Média, teve seu início de concretização no século XIX. Os esforços nesse sentido se iniciaram em 1873, com a fundação do Instituto de Direito Internacional, em Gand. Reuniões internacionais se sucederam, o que levou, afinal, à Conferência Diplomática de Haia, de que resultou um projeto de lei uniforme. Embora os trabalhos fossem adiantados, não se concretizou, tendo a matéria sido retomada, sob os auspícios da Sociedade das nações, após a I Guerra Mundial (2003, p. 383).”
No Brasil, o consenso foi instaurado em 1966, quando surgiu a Lei Uniforme de Genebra. Confira neste texto o que diz a Lei e os principais artigos comentados! 😉
O que é a Lei Uniforme de Genebra?
A promulgação do Decreto 57.663 trouxe em sua bagagem a Lei Uniforme de Genebra, composta por dois documentos: o documento principal – anexo I, com as determinações gerais e padronizadas e o anexo II com as “reservas”, que Requião brevemente define como:
reserva significa uma declaração unilateral, qualquer que seja sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar os efeitos jurídicos de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado”.
Dos 23 artigos contidos na LUG, 13 foram realizados reservas. Isto porque, desde 1908 com o Decreto 2.044, a legislação brasileira já possuía um direito cambiário proveniente do sistema alemão bastante evoluído e, na opinião de muitos doutrinadores, a promulgação da LUG instalou uma certa dubiedade quanto à regulamentação da letra de câmbio e da nota promissória.
Ao se fazer o uso do instituto das reservas, prevalece apenas sobre elas o Decreto 2.044, e aqueles que foram abdicados da reserva vigora o determinado na LUG revogando-se o contido no referido decreto.
Assim, supletivamente, aplicam-se as normas do Decreto nº 2.044/1908, se não conflitarem com o vigente Código Civil ou com a Lei Uniforme de Genebra.
Dispositivos do decreto nº 2.044/1908 em vigor
Em resumo, continuam vigentes somente os dispositivos do Decreto nº 2.044/1908, referentes às matérias não reguladas pela Lei Uniforme ou por terem adotado reservas.
Diante da omissão da Lei Uniforme em várias situações, e das reservas do seu Anexo II, eis os dispositivos que continuam vigorando do Decreto nº 2.044/1908, relacionados a assuntos não regulados pela Lei Uniforme:
Assinatura do título
Preenchimento da letra de câmbio
Mandato para preencher o título
Época do vencimento
Endosso por procuração
Pluralidade de sacados
Assinatura do sacado ou de procurador
Aceite puro
Garantia do aval
Modo de assinatura
Vencimento antecipado
Momento da apresentação do título
Local de pagamento do título
Apresentação do título em havendo pluralidade de sacados
Protesto por falta de pagamento
Requisitos do protesto
Recusa da devolução da letra entregue para o aceite
Responsabilidade do Oficial de Protestos
Ação de anulação
Pluralidade de tomadores ou endossatários
Capacidade jurídica para assumir obrigações cambiárias
Autonomia das obrigações cambiais
Direito à indenização a favor do portador
A ação cambial
Matérias arguíveis como exceções
A denominação ‘nota promissória’
Preenchimento da nota promissória
Viva com liberadade
Quanto antes você contrata, menos você paga
Aproveitar desconto *Confira o regulamentoO que diz a Convenção de Genebra?
A Convenção de Genebra é o nome que se dá a vários tratados internacionais assinados entre 1864 e 1949, sendo os mais famosos firmados para estabelecer os crimes de guerra, como também oferecer proteção para militares capturados ou feridos.
Já a respeito aos títulos de crédito, desejando evitar as dificuldades originadas pela diversidade de legislação nos vários países em que as letras circulam e, aumentar assim a segurança e rapidez das relações do comércio internacional, a convenção assinada em 07 de junho de 1930, é composta por três convenções:
- Para adoção de uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias;
- Destinada a regular certos conflitos de leis em matéria de letras de câmbio e notas promissórias e protocolo;
- Relativa ao Imposto do Selo em matéria de letras de câmbio e notas promissórias.
Os textos originais das convenções assinados foram redigidos em inglês e em francês e, por recomendação trazida pela Ata Final da Conferência, que a tradução fosse feita de comum acordo com aqueles que adotassem a mesma língua oficial.
Estas convenções formam e regulamentam a Lei Uniforme de Genebra, traduzida em sua íntegra por Portugal, na qual foi adotada pelo governo brasileiro com todos os equívocos nela constantes.
Leia também: o que é endosso, modalidades, tipos e a diferença entre cessão civil.
Principais artigos da Lei Uniforme de Genebra
Conforme vimos, a Lei Uniforme de Genebra está disciplinada no Decreto 57.663/66, que traz, em seu Anexo I, a legislação sobre letras de câmbio e notas promissórias, damos destaque para alguns principais artigos:
Art. 70 da Lei Uniforme de Genebra
O Decreto nº 2.044/1908 estabelecia 5 anos para o credor promover a ação cambial, sendo este o principal ponto do artigo 70 da LUG, que fixa o prazo de 3 anos, a contar da data de vencimento, para o credor do título cambial. Este prazo estabelecido também se aplica ao avalista do emitente, conforme complementa o artigo 78 da referida legislação.
Segundo o STJ:
A jurisprudência desta Corte orienta que ‘o art. 70 da Lei Uniforme de Genebra, aprovada pelo Decreto 57.663/1966, fixa em três anos a prescrição do título cambial. A prescrição da ação cambiariforme, no entanto, não fulmina o próprio crédito, que poderá ser perseguido por outros meios’ (REsp 1.169.666/RS, Rel. Min. Hermam Benjamin, DJe 4.3.2010)”.
E ainda:
Artigo 71 da Lei Uniforme de Genebra
No artigo 71 da Lei Uniforme de Genebra está interligado com o artigo anterior, considerando que este também se refere ao prazo, determinando que a interrupção da prescrição ocorre apenas para aquele ingressar com a ação de execução do título, não se estendendo aos demais credores, se houver.
Note-se a jurisprudência:
STJ. REsp n. 1.835.278/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 6/10/2020, DJe de 15/10/2020.
A interrupção provoca o reinício do prazo prescricional, uma vez verificada. A suspensão apenas abre um lapso de tempo na prescrição que corre, reiniciando quando desaparecer a causa que a provocou.
As hipóteses de interrupção e suspensão estão no direito comum, aplicando-se ao direito cambiário.
Acrescenta-se que o protesto do título não tem o efeito de interromper a prescrição. Tem-se acentuado que somente o protesto judicial provoca a interrupção, tanto que adveio a Súmula nº 153 do STF, de 1961, nos seguintes termos:
Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição”.
Artigo 75 da Lei Uniforme de Genebra
Os requisitos da nota promissória são os do art. 75 da Lei Uniforme. Faltando algum desses requisitos, desde que essenciais, deve-se aplicar a regra do § 4º do art. 54, desconstituindo o título. Unicamente esse dispositivo contém a desconstituição, não incidindo o art. 10 da Lei Uniforme, diante da reserva do art. 3º do Anexo II.
Já o artigo 75 da referida lei, trata a respeito das características necessárias no corpo da nota promissória para que possua valor cambial, que, segundo o artigo seguinte, o não preenchimento de algum desses requisitos não produzirá efeito como nota promissória.
Conclusão
Diante dos aspectos analisados acima, verificamos que a Lei Uniforme de Genebra foi desenvolvida com o objetivo de padronizar os aspectos e a aplicação das letras de câmbio e das notas promissórias, a fim de aumentar a segurança e rapidez das relações do comércio internacional.
Contudo, com o passar do tempo, foram criadas diversas outras legislações que abordam o tema, como a Lei nº 7.357 de 1985 e o Código Civil de 2002, mas que não revogam a LUG, uma vez que são utilizadas de forma complementar ou em assuntos silenciados pela Lei Uniforme.
Note-se que a LUG também é utilizada de forma complementar para suprir as omissões das legislações concernentes a outros títulos de crédito, tais como duplicatas, cédula de crédito rural, cédula de crédito bancária, entre outros.
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Conheça as referências deste artigo
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2.
MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro – Teoria Geral da Empresa e Títulos de Crédito. Disponível em: Minha Biblioteca, (13th edição). Grupo GEN, 2021.
Advogada (OAB 140844/SP). Bacharela em Direito pelas Faculdades Integradas de Guarulhos (FIG). Especialista em proteção de e bens e Holding Patrimolial. Pós-graduada em Direito Empresarial (Universidade Presbiteriana Mackenzie), Direito Societário (Fundação Getúlio Vargas - GVlaw) e Direito Tributário (Escola Brasileira...
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