Quando abordamos o ônus da prova, tratamos de quem tem a incumbência de provar determinado fato ou alegação num processo judicial. O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que, em regra, quem faz alguma acusação tem a responsabilidade de comprovar que a alegação é verdadeira.
O ônus da prova serve como guia das partes para que elas formem o processo e instruam seus argumentos, uma vez que a prova serve para guiar o magistrado e convencê-lo das alegações postas em discussão.
O instituto do ônus da prova é muito comum no direito processual, tanto civil como penal. Mas você sabe como isso se aplica na prática? É algo que merece ser diferenciado do conceito de dever e obrigação.
O que é ônus da prova?
Conforme o ordenamento jurídico brasileiro, ônus da prova é a responsabilidade que um indivíduo ou uma parte, em casos jurídicos, tem de demonstrar que as suas afirmações e pedidos são verdadeiros. Isso é possível através de documentos ou testemunhas que justifiquem o que o julgado apresenta.
Conceito de dever e obrigação
O nome advém da expressão em latim onus probandi, que significa exatamente ônus de provar. Apesar de o significado da palavra ônus trazer todos os aspectos, no meio jurídico há que se estudar a etimologia do significado.
O dever é algo imposto pelo legislador, e o descumprimento de tal ordem impõe uma sanção. Ou seja:
A existência de um dever pressupõe justamente que o sujeito não possa escolher se quer ou não cumprir aquilo que determina a regra.”
(RAMOS, Vitor de Paula, 2015, p. 55).
Da mesma forma ocorre com a obrigação, já que a não observância da mesma leva a uma consequência negativa.
Já o ônus da prova, se não cumprido, não implica sanção ou consequência negativa. Na verdade, trata-se de interesse da própria parte à qual recai a incumbência, pois abster-se de produzir determinada prova é escolha, não imposição. É um encargo.
Entretanto, a escolha por não demonstrar a prova pode gerar consequências à parte, no decorrer do processo.
Qual a importância do ônus da prova?
A busca pela verdade processual é o grande intuito quando tratamos de produção de provas, por isso o ônus é tão importante. No direito, há a distinção entre “verdade real” – aquela que existe no mundo – e a “verdade formal”.
A verdade formal é considerada por doutrinadores, tais como Humberto Theodoro Junior, como aquela que é apresentada no processo. Existe ainda a máxima do direito processual: “o que não está nos autos, não está no mundo”. Por isso a verdade formal.
Além disso, outro importante aspecto da prova é a finalidade. Não basta produzir provas única e exclusivamente para convencimento do juiz. As partes também devem ter o convencimento:
(i) de que efetivamente são titulares das situações jurídicas que, em princípio, pensam ter e (ii) da demonstrabilidade em juízo das alegações de fato subjacentes a tais situações jurídicas.”
(DIDIER JR., Fredie, 2015, p. 56).
Como é o ônus da prova no novo CPC?
O novo CPC inovou o ônus da prova em alguns aspectos, mas manteve a essência do instituto, já previsto no CPC de 1973.
A incumbência está disposta principalmente no art. 373, caput e incisos (falaremos dos parágrafos no próximo tópico), prevendo que o Autor deve provar os fatos constitutivos de seu direito, e o Réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos do Autor:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”
Quanto à incumbência do ônus, o art. 429 determina que se tratando de falsidade de documento, a prova cabe à parte que alegar; e, tratando-se de impugnação à autenticidade, incumbe provar a parte que produziu o documento:
Art. 429. Incumbe o ônus da prova quando:
I – se tratar de falsidade de documento ou de preenchimento abusivo, à parte que a arguir;
II – se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o documento.”
Por fim, o novo CPC trouxe também os fatos que não dependem de prova:
Art. 374. Não dependem de prova os fatos:
I – notórios;
II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III – admitidos no processo como incontroversos;
IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.“
Distribuição estática do ônus da prova
A distribuição estática do ônus da prova já era a melhor opção de acordo com o CPC de 1973, no art. 333:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”
No entanto, era uma posição muito criticada, pois ignorava as peculiaridades de cada caso concreto. Muitas vezes, recaia sobre a parte hipossuficiente a obrigação de demonstrar as verdades fáticas ou tornava a prova impossível de ser produzida.
Saiba mais sobre a declaração de hipossuficiência aqui no Portal da Aurum.
A partir daí, surgiu a ideia de distribuição dinâmica do ônus da prova – também conhecida como Teoria das cargas probatórias dinâmicas –, sendo que o ônus probatório deve recair sobre a parte que dispor de maiores e melhores condições, prezando pelos princípios da cooperação e da boa-fé processual (entenda sobre o princípio da boa-fé).
O entendimento chegou à doutrina e passou a ser aplicado, pacificando a jurisprudência no sentido de que a dinamização da distribuição do ônus da prova pudesse ser aplicada mesmo em relações que não fossem de consumo.
Com a mudança no CPC, em 2015, o entendimento foi positivado no art. 373, parágrafo 1o, prevendo o que já estava sendo aplicado:
Art. 373. (…)
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.”
A nova redação do artigo incluiu também o parágrafo 3o, dispondo que a distribuição do ônus probatório pode ser modificada por convenção das partes, inclusive durante o processo.
A inversão do ônus da prova
Como falamos acima, via de regra, a distribuição do ônus da prova é estática.
No entanto, a exceção é a inversão de tal incumbência, por força de lei. Especificamente por força do Código de Defesa do Consumidor.
De acordo com o art. 6o VIII do Código de Defesa do Consumidor, são direitos do consumidor, dentre outros:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…)
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.”
Em regra, as ações que tratam de relações de consumo, têm aplicada a inversão do ônus da prova. Tais relações são previstas no Código de Defesa do Consumidor como aquelas em que as partes são:
- Consumidor: “pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, inclusive a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que intervém nas relações de consumo.
- Fornecedor: “pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” – de produtos ou serviços, caracterizados como bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, ou “atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Conheça os princípios do direito do consumidor.
A partir dessa caracterização, é possível entender melhor a inversão do ônus do prova. A ideia do CDC com a inversão do encargo probatório nas relações de consumo foi criada diante da hipossuficiência do consumidor.
Como falamos antes, o consumidor é quem adquire produto ou serviço como destinatário final, ou seja, normalmente é quem compra um ou outro produto sem habitualidade e frequência contínua.
Para esse consumidor, é muito mais difícil produzir provas que para o fornecedor, que muitas vezes é uma empresa de grande porte e que têm acesso à documentação e informações com muito mais facilidade do que um mero consumidor.
Exemplo de inversão do ônus da prova
Um exemplo que eu gosto de utilizar é da relação de consumo entre passageiros e companhias aéreas.
Pensem comigo: o passageiro consegue acessar os motivos operacionais que levaram a um cancelamento de voo? Provavelmente não. Ou, se conseguir, pode ter grande dificuldade e muitos empecilhos. É muito mais fácil que a companhia aérea demonstre os fatos que dizem respeito às manobras internas, já que a rotina da empresa é exatamente esta.
Mas cuidado! A inversão do ônus da prova no CDC nem sempre é automática. O grande erro é pensar que, já que o ônus é da empresa, então não precisarei juntar documentos em minha ação.
A inversão do ônus da prova só deve ocorrer se o consumidor demonstrar a verossimilhança das alegações (legação e nexo dos fatos alegados) e a real hipossuficiência probatória.
Mas é o fato de não ser automática que muitas companhias (neste exemplo) conseguem se livrar de uma condenação. Não é porque o ônus probatório não é obrigação do consumidor que vamos distribuir uma ação sem nenhuma prova.
Aquelas provas que estão ao alcance do consumidor devem ser produzidas e juntadas aos autos do processo.
Além disso, o CDC ainda dispõe sobre informações publicitárias de que a prova da verdade cabe a quem patrocina:
Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.”
E, mais uma vez, a fim de proteger o consumidor, estabelece que cláusulas contratuais que versem sobre inversão do ônus da prova de forma a prejudicar o consumidor são nulas de pleno direito:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…)
VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor.”
Por fim, ao meu ver, juntar as provas que estão ao alcance do consumidor demonstra ainda mais o interesse dele na demanda, além de deixar claro que ele fez o possível para evitar a ação judicial.
Ônus perfeito e imperfeito
Perfeito e imperfeito são classificações doutrinárias, atribuídas ao ônus para determinar as consequências.
O ônus perfeito é aquele que, se não observado, gera uma consequência negativa ao onerado (à parte que deveria provar), como por exemplo o ônus de apelar da sentença. Caso não seja feito o recurso, será certificado o trânsito em julgado da sentença, podendo ser executada.
Já o ônus imperfeito é aquele que pode gerar um resultado desfavorável à parte. Atenção: pode, não significa que vai gerar tal resultado.
O ônus da prova é considerado imperfeito pelo motivo que falamos acima: não é uma obrigação, ou seja, se a parte não produzir a prova, não significa que vai ser derrotada na ação.
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O que é ônus da prova?
O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que, quando se trata do ônus da prova, falamos de quem tem a incumbência de provar determinado fato ou alegação num processo judicial. Ou seja, quem faz a acusação tem a responsabilidade de comprovar que a alegação é verdadeira.
Qual a diferença entre ônus perfeito e ônus imperfeito?
O ônus perfeito é aquele que gera uma consequência ao onerado. Já o ônus imperfeito é aquele que pode gerar um resultado desfavorável à parte.
Conclusão
Desta forma, concluímos que a prova é encargo, e não obrigação. O novo CPC trouxe mudanças quanto à distribuição do ônus da prova, abrindo espaço para uma distribuição dinâmica, esta que já vinha sendo aplicada na prática processual.
Ademais, a inversão do ônus da prova nem sempre é automática, ainda que tratemos de relações de consumo. Ou seja, a parte deve comprovar o que está ao seu alcance.
Existem fatos que não necessitam de prova, e outros que já têm definido em lei qual parte deve se incumbir de provar. Nesses casos, o ônus da prova é extremamente importante para o regular andamento do processo.
E, por fim, a produção de provas não serve somente para convencimento do juiz e sim para as próprias partes também.
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Advogada (OAB 158955/MG) desde 2015, com escritório em Belo Horizonte/MG. Bacharela em Direito, pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Tributário, pela Faculdade Milton Campos. Especialista em Direito Médico e Hospitalar, pela Faculdade Unyleya e pelo IPDMS. Pós...
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excelente artigo muito esclarecedor,obrigada
Oi Jaqueline, que bom que gostou!
Muito obrigada
Muito bem esclarecido. Obrigada.