O patrimônio de afetação é o conjunto de bens e direitos que são afetados e separados do(a) patrimônio do incorporador(a) imobiliário e vinculados para garantir um empreendimento em específico, a fim de protegê-lo de eventuais riscos que possam afetar a finalização da construção.
Quando falamos de incorporação imobiliária e imóveis adquiridos na planta, nos deparamos com muitas preocupações de pessoas quanto ao recebimento do imóvel no prazo contratual e de ocorrer uma falência da empresa de construção antes do fim das obras, por exemplo.
Mas ao longo do tempo e de situações que já ocorreram e foram enfrentadas no mundo jurídico, a legislação vem se aprimorando a fim de possibilitar medidas legais de proteção e benefícios para gerar uma maior segurança a todas as partes envolvidas em um negócio imobiliário, seja este qual for.
Em 2004 surgiu a Lei nº 10.931, que trouxe um mecanismo chamado de “patrimônio de afetação” e que nada mais é do que uma medida garantidora pelo fato de possibilitar uma certa “blindagem” patrimonial para garantir a conclusão de um empreendimento em específico, por meio da separação de bens e patrimônio que ficam vinculados à determinada construção.
Essa ferramenta que pode ser utilizada pelos incorporadores possui vários benefícios para a incorporação, mas também limitações. Além disso, a lei não a trouxe como uma obrigatoriedade, mas como uma faculdade ao incorporador e é sobre essa medida que este artigo tratará.
O patrimônio de afetação é um assunto de extrema relevância aos incorporadores, construtoras, advogados e até mesmo pessoas interessadas no ramo imobiliário.
Se você quer saber as informações mais importantes sobre o tema, continue a leitura!
O que é patrimônio de afetação?
O patrimônio de afetação pode ser definido como a possibilidade, ou seja, uma faculdade, de o incorporador separar bens, direitos e obrigações que ficarão vinculados diretamente a um empreendimento específico, a fim de que se tornem como uma garantia para que a construção se realize e chegue à sua conclusão e entrega aos adquirentes.
Isso quer dizer que, a princípio, o patrimônio de afetação possuirá uma destinação específica e não se misturará com o restante do patrimônio do incorporador. Torna-se como uma blindagem patrimonial (não absoluta, como será visto mais a frente).
Como mencionado de forma introdutória, este mecanismo foi criado pela Lei nº 10.931/2004 e está definido no artigo 31-A. a saber:
Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. (…)
Com a opção do incorporador pelo patrimônio de afetação, nasce uma nova pessoa jurídica distinta do incorporador, gerando uma incomunicabilidade de bens, direitos e obrigações, haja vista que essa nova pessoa jurídica é totalmente autônoma e possuirá sua própria gestão, contabilidade e patrimônio.
Desse modo, os bens, direitos e obrigações afetados não respondem, a princípio, por outros negócios do incorporador, mas apenas diante de eventuais situações do próprio negócio aos quais estão vinculados.
Para que serve o patrimônio de afetação?
A própria conceituação do patrimônio de afetação já define seu objetivo, qual seja, de proteger o núcleo patrimonial voltado à consecução de determinado empreendimento.
O doutrinador Eduardo Takemi Kataoka, em seu livro sobre o tema, menciona que o patrimônio de afetação consiste basicamente em:
(…) segregar os riscos diretamente associados a um empreendimento. Trata-se de exceção ao princípio de que o patrimônio do devedor é a garantia geral dos credores. É gênero do qual são espécies o patrimônio autônomo e o patrimônio separado.”
Ainda, Marcelo de Andrade Tapai, em seu estudo cita que “a criação de tal disposto surgiu da necessidade de dar garantias a quem compra imóvel na planta, especialmente em razão da tragédia financeira ocasionada pela Construtora Encol em 1999 (…)”.
Portanto, a finalidade do patrimônio de afetação é a de basicamente separar e proteger bens, direitos e obrigações de modo a vinculá-los ao “sucesso” da conclusão de um empreendimento específico. Coloca-se sucesso entre aspas porque claramente, ainda que exista uma proteção, esta não é absoluta, conforme se verá adiante.
Exemplo de patrimônio de afetação:
Uma incorporadora muito famosa do Estado de São Paulo celebrou um contrato de permuta de imóvel com uma família do interior para construir um conjunto de prédios residenciais em alguns de seus terrenos.
Considerando que a empresa é muito forte no ramo de construção civil na cidade e possui diversos empreendimentos em trâmite, a família fica com receio de a incorporadora contrair dívidas ou sofrer processos judiciais que possam afetar o desenvolvimento da incorporação em seus terrenos.
Diante disso, a incorporadora acorda com a família que instituirá patrimônio de afetação no início do desenvolvimento da incorporação, a fim de evitar que sobrevenha qualquer dívida ou outra complicação empresarial que possa afetar o negócio.
Assim, os terrenos entregues à incorporadora em virtude do contrato de permuta inicialmente realizado ficam afetados ao empreendimento que será desenvolvido, ou seja, ficam incomunicáveis e não se vinculam com o restante do patrimônio da incorporadora, ao passo que só poderão responder por questões advindas do próprio empreendimento fruto do negócio imobiliário firmado entre a família e a incorporadora.
Como fazer e como funciona o patrimônio de afetação?
Antes de explicar brevemente como instituir o patrimônio de afetação e como ele funciona, menciona-se ser muito importante a leitura dos artigos 31-A ao 31-E da Lei nº 4.591/64 (na qual foram incluídos os dispositivos criados pela Lei nº 10.931/04).
Como já dito brevemente neste artigo, o patrimônio de afetação é uma opção do incorporador, portanto além de não obrigatório, quem decide instituir ou não é o próprio incorporador. Ainda, a constituição pode se dar em qualquer momento, desde a fase inicial da incorporação até antes da conclusão das obras relacionadas.
Optando por constituir o patrimônio de afetação, caberá ao incorporador mencionar a opção em um documento chamado “memorial de incorporação”, o qual deverá ser arquivado no Cartório de Registro de Imóveis e incluir os bens, direitos e obrigações a serem afetados.
Dessa forma, com a instituição do patrimônio de afetação, os bens vinculados são separados do patrimônio do incorporador e este último necessita prestar contas das suas atividades diante do patrimônio protegido.
Com o intuito de gerar ainda mais segurança ao patrimônio de afetação, é possível, inclusive, a criação de uma Comissão de Representantes composta por adquirentes, por exemplo, que terão como papel a fiscalização e o acompanhamento das obras, demonstrativos financeiros e cumprimento de obrigações do incorporador (leia o artigo 31-C da Lei nº 4.591/64).
Claramente é dever do incorporador que instituiu o patrimônio de afetação agir de forma organizada e com zelo a fim de evitar qualquer possibilidade de confusão patrimonial entre seu patrimônio e o patrimônio afetado.
Todavia, a criação de uma comissão pode ser um mecanismo de maior controle e gerar mais segurança aos adquirentes e participantes de negócios imobiliários envolvendo o empreendimento a ser construído.
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Quais tipos de imóveis podem ser alvos de patrimônio de afetação?
A Lei nº 4.591/64, em seu artigo 31-A, menciona que poderão ser submetidos ao regime da afetação o terreno, as acessões objeto de incorporação imobiliária, além de bens e direitos a ela vinculados. Portanto, todos os bens, direitos e obrigações ligados à incorporação.
Todavia, relevante citar que a legislação, no artigo mencionado em seu parágrafo oitavo, traz duas hipóteses que se excluem do patrimônio de afetação, são elas:
- Os recursos financeiros que excederem a importância necessária à conclusão da obra (art. 44), considerando-se os valores a receber até sua conclusão e, bem assim, os recursos necessários à quitação de financiamento para a construção, se houver; e
- O valor referente ao preço de alienação da fração ideal de terreno de cada unidade vendida, no caso de incorporação em que a construção seja contratada sob o regime por empreitada (art. 55) ou por administração (art. 58).
Quais os benefícios do patrimônio de afetação?
Muito se fala sobre as vantagens de proteção e garantias que o patrimônio de afetação pode conceder aos compradores de imóveis na planta.
Entretanto, é importante citar que a instituição do mecanismo de proteção pode gerar também benefícios inclusive aos incorporadores.
Veja alguns benefícios da opção do patrimônio de afetação!
Separação de patrimônio:
Como já dito, separar bens, direitos e obrigações do patrimônio do incorporador, vinculando-os diretamente a determinado empreendimento e protegendo-os, assim, de dívidas de outras construções, por exemplo.
Proteção diante de falência:
Proteger determinado patrimônio de eventual falência do incorporador.
Benefícios fiscais:
A possibilidade de o incorporador optar pelo Regime Especial de Tributação (RET), que traz verdadeiras bondades fiscais, como por exemplo, a dispensa de pagamento de IRPJ, PIS/Pasep, CSLL e Cofins, de modo que o pagamento é substituído por uma alíquota fixa de 4% sobre a receita mensal.
Retenção de valores em distratos:
Retenção de até 50% do valor já pago de um adquirente, no caso de ser realizado distrato e devolução de eventual saldo em até 30 (trinta) dias contados da conclusão do empreendimento.
Garantia em operação de crédito:
Utilização do próprio patrimônio de afetação como garantia em operação de crédito destinado à obra do empreendimento vinculado.
Quando se encerra o patrimônio de afetação?
O encerramento do patrimônio de afetação está disposto no artigo 31-E da Lei nº 4.591/64:
Art. 31-E. O patrimônio de afetação extinguir-se-á pela:
I – averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento;
II – revogação em razão de denúncia da incorporação, depois de restituídas aos adquirentes as quantias por eles pagas (art. 36), ou de outras hipóteses previstas em lei; e
III – liquidação deliberada pela assembleia geral nos termos do art. 31-F, § 1º.
Inciso I: Conclusão da Incorporação ou trâmites finais
Como explica o livro coordenado por Marcus Vinícius Motter Borges, a princípio “o patrimônio de afetação se extingue com o fim da incorporação imobiliária, por meio da averbação da construção e transmissão da propriedade ou do direito de aquisição das unidades (…) e, quando for o caso, no pagamento do valor contraído pelo incorporador junto à instituição financiadora (…)”.
Portanto, pode-se dizer que o patrimônio de afetação se encerra ao final, isto é, na fase de conclusão do empreendimento envolvido, quando ocorre a entrega da construção aos adquirentes e permutantes, ainda que existam algumas unidades de propriedade do incorporador ou que ainda não foram objeto de negócios.
Porém, a lei dispõe de duas hipóteses de extinção antes da conclusão e trâmites finais da incorporação, dispostas nos incisos II e III.
Inciso II: Denúncia da incorporação
Também ocorre o encerramento do patrimônio de afetação no caso de o(a) incorporador(a) desistir do empreendimento e depois de restituir aos adquirentes e permutantes os valores por eles pagos.
Inciso III: Liquidação da incorporação
Por fim, pode ser extinto o patrimônio de afetação no caso de a Assembleia Geral da incorporação decidir por liquidar a incorporação diante de falência do(a) incorporador(a), situação na qual também deverá ocorrer a restituição dos valores pagos por adquirentes e permutantes.
Quais os riscos associados ao patrimônio de afetação?
O patrimônio de afetação foi criado, na verdade, para gerar uma segurança e proteção no negócio a ser realizado, ainda que tenha sido colocado na legislação como uma faculdade ao incorporador.
Mas observa-se que o patrimônio de afetação não possui uma segurança absoluta, isso porque, apesar de trazer ferramentas de proteção, na prática, os procedimentos são mais demorados e uma falência da incorporadora, por exemplo, ainda que não atinja o patrimônio afetado, gerará atraso na construção dentre outras consequências que atingirão, querendo ou não, os adquirentes e permutantes.
Sendo assim, o instituto é favorável, mas cabe aos interessados nesse tipo de negócio imobiliário a pesquisa sobre a empresa envolvida na construção de determinado empreendimento e buscar conhecer os trâmites do próprio empreendimento de interesse, de modo a se envolver em um negócio que lhes traga mais confiança e tranquilidade.
Qual o papel do advogado na estruturação do patrimônio de afetação?
O advogado que atua na área imobiliária pode ser uma peça chave e importante para analisar riscos, possibilidades e estratégias na estruturação do patrimônio de afetação de alguma incorporação.
Nesta situação, a consultoria e assessoria jurídica são bem interessantes para que a incorporadora tenha, além de outros profissionais de conhecimentos específicos, um auxílio jurídico técnico e pontual, que compreenda a construção a ser desenvolvida, o patrimônio a ser vinculado, possíveis problemas, decisões envolvendo situações semelhantes, entre outros.
Conclusão:
Diante de tudo o que foi apresentado neste artigo, observa-se que o patrimônio de afetação foi criado para transmitir maior segurança aos compradores de imóveis na planta, mas também trouxe diversas vantagens aos incorporadores.
Todavia, ainda que uma incorporação tenha optado pelo patrimônio de afetação, isso não quer dizer que o negócio é cem por cento garantido e seguro. Por isso, é de extrema importância que os interessados em negócios imobiliários que envolvam incorporação busquem conhecer as peculiaridades dos empreendimentos e incorporações que possuem interesse.
Do mesmo modo, aos advogados e profissionais da área jurídica é essencial o entendimento sobre as incorporações imobiliárias e o patrimônio de afetação a fim de possibilitar uma prestação de serviços técnica, eficaz e estratégica aos incorporadores e compradores de imóveis.
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Conheça as referências deste artigo
AGHIARIAN, Hercules. Curso de Direito Imobiliário. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
BORGES, Marcus Vinícius Motter (coordenador). Curso de Direito Imobiliário Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. p. 458.
KATAOKA, Eduardo Takemi. A recuperação judicial e o patrimônio de afetação. Revista dos Tribunais do Rio de Janeiro, v. 6, jul-ago. 2014.
TAPAI, Marcelo de Andrade. Direito Imobiliário. 2. ed. Rio de Janeiro: Método, 2022. p. 149.
Advogada (OAB/PR nº 106.750). Sócia-fundadora do escritório Vieiro & Horning Advogados que atua em todo o país. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR....
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