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Entenda o que é e como aplicar o princípio da consunção

Entenda o que é e como aplicar o princípio da consunção

11 jan 2024
Artigo atualizado 1 fev 2024
11 jan 2024
ìcone Relógio Artigo atualizado 1 fev 2024
Muitas vezes, nós, operadores do Direito, nos deparamos com a seguinte situação: o acusado efetuou disparos de arma de fogo, causando a morte da vítima. Diante disso, questiona-se: ele é responsável por homicídio e por portar ilegalmente a arma? É nesse momento que surge o chamado princípio da consunção.

Inserido em vários cenários e possuindo relação com diversos crimes, o princípio da consunção é tema do dia a dia forense, em especial do advogado criminal. Trata-se de princípio inserido no bojo do conflito aparente de normas, cujo objetivo é dar fluidez ao sistema normativo penal em si. 

Isso significa que todo o sistema deve ser harmônico, não havendo a aplicação de duas normas em conjunto, o que poderia gerar uma dupla punição ou o chamado bis in idem.

Diante disso, o objetivo desse artigo é trazer luz ao importante tema do princípio da consunção, abordando seu aspecto como método de solução do conflito aparente de normas, bem como sua aplicabilidade prática na vivência da advocacia.

Continue a leitura! 😉 

O que é princípio da consunção?

O princípio da consunção vem definido pela terminologia latina “lex consumens derogat legi consumptae” e determina que quando uma norma definidora de um crime passe por fases que são consideradas crimes em outra norma, a primeira absorve a segunda.

Isso significa que o bem jurídico menos extenso ou de menor valor já está salvaguardado por aquele de maior valor ou mais extenso. Assim, o bem maior protege também o menor.

Desta forma, o princípio da consunção visa a solução de conflito aparente de normas e pressupõe a existência de ilícitos penais chamados “consuntos”, que servem de fases preparatórias ou de execução, anteriores ou posteriores, de outro delito mais grave consuntivo. 

Fica assim por este absorvido, nos termos do brocardo lex consumens derogat legi consumptae, isto é, a lei consuntiva derroga a lei consunta.

Vê-se que pelo princípio da consunção, também conhecido como princípio da absorção, ainda que praticadas duas ou mais condutas subsumíveis a tipos legais diversos, pune-se apenas uma conduta, restando as demais absorvidas, quando estas constituam meramente partes de um fim único.

Entenda o que é princípio da consunção
Veja o que é princípio da consunção

Quais crimes se aplica o princípio da consunção?

O princípio da consunção é aplicado a inúmeros crimes. Porém, talvez o mais famoso e discutido seja o crime de estelionato e o documento falso.

Discute-se acerca do enquadramento típico da conduta do sujeito que falsifica um documento (público ou particular) e, posteriormente, dele se vale para enganar alguém, obtendo vantagem ilícita em prejuízo alheio.

Nesse caso, em tese, há dois crimes: estelionato e falsidade documental (CP, art. 171, caput, e art. 297 – documento público, ou art. 298 – documento particular). 

Diante disso, qual seria a responsabilidade penal do agente?

Estelionato e falsidade documental

Ciente da existência de inúmeras correntes e posicionamentos, hoje a posição que sobressai é aquela adotada pela súmula 17, do Superior Tribunal de Justiça.

Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

O crime-fim (estelionato) absorve o crime-meio (falsidade documental), desde que este se esgote naquele, isto é, desde que a fé pública, o patrimônio ou outro bem jurídico qualquer não possam mais ser atacados pelo documento falsificado e utilizado por alguém como meio fraudulento para obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio.

A grande crítica a essa súmula vem pelo fato de a pena do documento público falso ser maior do que aquela atribuída ao estelionato.

Falsificação de documento público
Art. 297 – Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º – Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
§ 2º – Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
Estelionato
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.    (Vide Lei nº 7.209, de 1984)
Fraude no pagamento por meio de cheque
VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento

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Diante disso, o questionamento fica com relação à absorção de um crime mais grave por um menos grave, o que contraria o próprio princípio em si.

Nesse sentido, em já antigo julgamento, o Superior Tribunal de Justiça aplicou a referida súmula, conforme se observa abaixo.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ESTELIONATO, FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO, FALSIDADE IDEOLÓGICA, USO DE DOCUMENTO FALSO E QUADRILHA OU ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO 17 DA SÚMULA DESTA CORTE. ENTENDIMENTO JÁ OBSERVADO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR DA DEFESA. ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL NA DOSIMETRIA DA PENA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE PELA VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE, DAS CIRCUNSTÂNCIAS E DAS CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA DO AGENTE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. FRAÇÃO DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA. ITER CRIMINIS PERCORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO NESTA VIA. REEXAME DOS ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS. CONTINUIDADE DELITIVA. FRAÇÃO ADEQUADA AO NÚMERO DE DELITOS COMETIDOS. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Aplica-se o princípio da consunção quando o delito meio é instrumento ou etapa necessária à execução do delito fim, devendo, por isso, ser pelo último absorvido.
2. Seguindo tal entendimento, o enunciado n. 17 da Súmula desta Corte, estabelece que, quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.
3. No caso, o disposto no referido enunciado já foi devidamente observado pelas instâncias de origem, tanto que a agravante foi apenada apenas pela prática dos seis estelionatos, sem que, em relação àqueles fatos, tenha havido a punição cumulada pelos delitos de falsificação de documento e uso de documento falso, ante a aplicação do princípio da consunção.
4. Entretanto, em relação aos demais fatos criminosos nos quais não houve a prática de estelionato, mas apenas dos crimes autônomos previstos no artigo 304, c/c artigo 297, ambos do Código Penal, não há que se falar em consunção ou absorção, porquanto derivam de fatos diversos e não representaram meio necessário para a prática de qualquer delito.
5. Em relação ao quantum de aumento de pena na primeira fase da dosimetria, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que os parâmetros para a exasperação da reprimenda devem observar o critério da discricionariedade juridicamente vinculada, a qual, por sua vez, está submetida aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da suficiência da reprovação e da prevenção ao crime.
Por tais razões, não se admite a adoção de critério meramente matemático, atrelado apenas ao número de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Deve-se, na verdade, analisar os elementos que indiquem eventual gravidade concreta do delito, além das condições pessoais de cada agente, de forma que uma circunstância judicial desfavorável poderá receber mais desvalor que outra, exatamente em obediência aos princípios da individualização da pena e da própria proporcionalidade. Assim, assentou a jurisprudência desta Corte que o réu não tem direito subjetivo à utilização das frações de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima ou mesmo outro valor. Tais parâmetros não são obrigatórios, porque o que se exige das instâncias ordinárias é a fundamentação adequada e a proporcionalidade na exasperação da pena (AgRg no HC nº 707.862/AC, Relator Ministro OLINDO MENEZES – Desembargador Convocado do TRF/1.ª Região -, Sexta Turma, DJe de 25/2/2022).
6. No caso, verifica-se, da análise das circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal, que a pena-base foi exasperada em razão da gravidade concreta da conduta atribuída à agravante, a qual claramente desbordou das elementares inerentes ao tipo penal.
7. Na escolha do quantum de redução da pena, em razão da tentativa (art. 14, inciso II, do Código Penal), o magistrado deve levar em consideração o iter criminis percorrido, ou seja, quanto mais próxima a consumação do delito, menor será a diminuição da pena. E, para rever tal entendimento, é necessária a incursão em matéria fático-probatória, tarefa inviável na via estreita do writ.
8. A fração aplicada em razão da continuidade delitiva está em consonância com os parâmetros aplicados pela jurisprudência desta Corte, ante a exasperação da pena na fração de 1/2, pelo cometimento de seis delitos. Com efeito, esta Corte firmou a compreensão de que a fração de aumento no crime continuado é determinada em função da quantidade de delitos cometidos, aplicando-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações (HC n. 342.475/RN, Sexta Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 23/02/2016).
9. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no HC n. 756.132/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 1/9/2023.)

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Percebe-se, portanto, que até hoje o Superior Tribunal de Justiça aplica a referida súmula, apesar das críticas realizadas pela doutrina.

Homicídio e porte ilegal de arma de fogo.

Outra situação de aplicação do princípio da consunção envolve os crimes de homicídio e porte ilegal de arma de fogo. Nesse caso, o crime de homicídio encontra-se descrito no famoso artigo 121, do Código Penal.

Homicídio simples
Art. 121. Matar alguem:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.


Por sua vez, o porte legal de arma de fogo, encontra-se descrito no artigo 14, da Lei 10.826/2003.

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Importante deixar registrada a possibilidade de alteração típica, seja pela aplicação do homicídio qualificado, nas hipóteses do artigo 121, §2º, do CP, seja pela aplicação do artigo 16, da Lei 10.826/2003, quando a arma de fogo for de uso restrito ou proibido.

Com efeito, nessa situação a jurisprudência entende pela possibilidade de aplicação do princípio da consunção, desde que tal discussão seja levada ao Tribunal de Júri e os jurados assim entendam.

Além disso, é necessário que as condutas tenham sido praticadas em um mesmo contexto fático, guardando entre si uma relação de dependência ou de subordinação. Assim, o porte da arma de fogo deve ter como fim exclusivo a prática do crime de homicídio para ser absorvido como fato anterior impunível. 

Ausente essa vinculação com o crime fim, não há falar em consunção, havendo, pois, crime autônomo de porte ou posse de arma de fogo.

Nesse sentido: 

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CRIMES AUTÔNOMOS. CONCLUSÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PELA INDEPENDÊNCIA DAS CONDUTAS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIADE NA VIA ELEITA. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A absorção do crime de porte ilegal de arma de fogo pelo delito de homicídio pressupõe que as condutas tenham sido praticadas em um mesmo contexto fático, guardando entre si uma relação de dependência ou de subordinação. Desse modo, o porte da arma de fogo deve ter como fim exclusivo a prática do crime de homicídio para ser absorvido como ante factum impunível. Ausente essa vinculação com o crime fim, não há falar em consunção, havendo, pois, crime autônomo de porte ou posse de arma de fogo.
2. Somente é possível a aplicação do princípio da consunção quando o acórdão recorrido descreve, suficientemente, a situação fática que demonstra a presença dos seus requisitos. Na hipótese, a conclusão das instâncias ordinárias – soberanas na análise do acervo fático-probatório dos autos – foi no sentido de que as condutas de porte ilegal de arma de fogo e de homicídio qualificado foram independentes, não se aplicando ao caso o princípio da consunção.
3. Evidenciado que o Tribunal de origem rechaçou a tese de que o porte da arma de fogo tinha como fim exclusivo a prática do crime de homicídio, de modo que pudesse ser por ele absorvido, afastando a relação de subordinação entre as condutas, não é possível a aplicação do princípio da consunção por esta Corte, em sede de habeas corpus, pois tal exame demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, providência que cabe ao Tribunal do Júri, órgão competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e os a eles conexos.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 807.595/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 27/4/2023.)

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Diante disso, resta clara a possibilidade de aplicação do princípio da consunção nos crimes de homicídio e porte ilegal de arma de fogo, desde que clara a relação de dependência ou de subordinação entre as condutas. Assim, o porte de arma de fogo deve ser destinado, de modo claro e objetivo para a prática do crime de homicídio.

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Quando não se aplica o princípio da consunção? 

A jurisprudência tem entendido que nos casos envolvendo embriaguez ao volante – artigo 306, do Código de Trânsito Brasileiro, e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor – artigo 303, do Código de Trânsito Brasileiro, resta inaplicável a aplicação do princípio da consunção.

Art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro.  Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:      (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)
Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Art. 303, do Código de Trânsito Brasileiro. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:
Penas – detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Nesse caso, em específico, se tem dois crimes distintos, cujas ações penais são iniciadas de modos diversos.  O crime de conduzir veículo automotor sob influência de álcool é de ação penal pública incondicionada e o bem jurídico tutelado é a incolumidade pública. 

Enquanto no delito de lesão corporal, o bem jurídico tutelado é a integridade física da vítima que pode ou não autorizar o início de ação penal, não podendo o crime de ação penal pública estar sujeito à conveniência do particular.

Além disso, o delito de direção sob o efeito do álcool não é menos grave, até porque tem pena máxima superior, e não constitui fase preparatória ou meio normal para a prática do delito de lesão corporal na condução de veículo automotor.

Nesse sentido, temos recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sobre o tema.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DELITOS AUTÔNOMOS.
1. Destacou o Tribunal de origem que o paciente, “embriagado, colidiu o veículo automotor que conduzia contra o pilotado pela Vítima Ivanildo Santin, causando-lhe lesões corporais e ocasionando ferimentos também em Emanuele Caroline de Souza, Jean Carlos Cordeiro e Jéssica Salete de Castro, que estavam no interior do automóvel guiado pelo Recorrente.”
2. E “Ainda que a embriaguez possa ter influenciado na causação do acidente (há indicativo de que outras causas, como o sono e a alta velocidade também foram relevantes para o abalroamento), não se tratou de meio para o alcance de um fim, de modo que não é aplicável o princípio da consunção aos fatos invocados pelo Apelante”.
3. Inexiste ilegalidade a ser sanada, pois “o crime de embriaguez ao volante e as lesões corporais culposas no trânsito, no entender das instâncias ordinárias, ocorreram em contextos diferentes, não havendo mesmo a demonstração de que o acidente de trânsito que provocou os ferimentos nas vítimas teria sido causado pela ingestão de bebidas alcoólicas. Ademais, trata-se de delitos que tutelam bens jurídicos distintos” (HC 466.842/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 16/04/2019).
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC n. 739.936/SC, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 21/10/2022.)

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Dessa forma, a jurisprudência é firme no sentido de inaplicabilidade do princípio da consunção, aos crimes de embriaguez ao volante – artigo 306, do Código de Trânsito Brasileiro, e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor – artigo 303, do Código de Trânsito Brasileiro.

Jurisprudência do STJ em recurso repetitivo sobre o princípio da consunção

O Superior Tribunal de Justiça, em agosto de 2016, realizou o julgamento do tema repetitivo n.º 933.

O referido tema versa sobre a aplicação do princípio da consunção aos crimes de descaminho – artigo 318, do CP – e uso de documento falso documento falso – artigo 304, do CP.

Facilitação de contrabando ou descaminho
Art. 318 – Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334):
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.         (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)
Uso de documento falso
Art. 304 – Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.

No referido julgado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela aplicação do princípio da consunção, fixando a seguinte tese: 

Delimitada a tese jurídica para os fins do art. 543-C do CPC, nos seguintes termos: Quando o falso se exaure no descaminho, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido, como crime-fim, condição que não se altera por ser menor a pena a este cominada”.

Tal situação se aplica, uma vez que o delito de uso de documento falso, cuja pena em abstrato é mais grave, pode ser absorvido pelo crime-fim de descaminho, com menor pena comparativamente cominada, desde que etapa preparatória ou executória deste, onde se exaure sua potencialidade lesiva.

Resolve-se o conflito aparente de normas, neste caso, pelo critério da consunção, de modo que um tipo penal descarta o outro porque consome ou exaure o seu conteúdo proibitivo, isto é, porque há um fechamento material. 

Em outras palavras, verifica-se que o conteúdo de injusto principal consome o conteúdo de injusto do tipo secundário, porque o tipo consumido constitui meio regular (e não necessário) de realização do tipo consumidor, sendo irrelevante que a pena em abstrato cominada ao tipo consumido seja superior àquela imposta ao tipo consumidor.

É importante destacar que o próprio STJ já se pronunciou no sentido de não ser obstáculo para a aplicação do princípio da consunção, a proteção de bens jurídicos diversos ou a absorção de infração mais grave pelo de menor gravidade.

Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA E RESISTÊNCIA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CONDUTAS AUTÔNOMAS. AUSÊNCIA DE NEXO DE DEPENDÊNCIA OU SUBORDINAÇÃO ENTRE OS DELITOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. De acordo com a atual jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, a aplicação do princípio da consunção pressupõe a existência de ilícitos penais (delitos meio) que funcionem como fase de preparação ou de execução de outro crime (delito fim), com evidente vínculo de dependência ou subordinação entre eles; não sendo obstáculo para sua aplicação a proteção de bens jurídicos diversos ou a absorção de infração mais grave pelo de menor gravidade. Precedentes.
2. No caso, inaplicável o princípio da consunção ante o delineamento fático do caso, no qual o porte de arma de fogo constituiu-se conduta autônoma relativamente ao delito de resistência, mormente pela circunstância de que a abordagem feita pela polícia ocorreu de forma aleatória quando realizam patrulhamento de rotina; o que evidencia a ausência de nexo de dependência ou subordinação entre os delitos.
3. Recurso parcialmente provido para, cassando o acórdão recorrido, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, afastada a incidência do princípio da consunção, aprecie as demais teses da apelação defensiva.
(REsp n. 1.294.411/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 10/12/2013, DJe de 3/2/2014.)

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Tem-se, portanto, a aplicação do princípio da consunção ao delito de descaminho e uso de documento falso, em especial quando um tipo penal constitui meio para a prática do outro crime.

Conclusão:

O presente artigo teve por objetivo analisar o conceito do princípio da consunção. Analisou o conceito, bem como a sua aplicabilidade como meio de solução de conflito aparente de normas.

Houve, ainda, a análise da aplicação prática do princípio da consunção, em algumas situações em que a jurisprudência dos tribunais superiores, em especial STJ, já firmaram entendimento.

Por outro lado, analisou-se a não aplicação do princípio da consunção e os motivos pelos quais inaplicável ao citado caso concreto.

Ao fim, discutiu-se a aplicação do princípio da consunção, frente à julgado afeto ao rito dos julgamentos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de importante julgado para a comunidade criminal.

Assim, observa-se que o princípio da consunção constitui importante instrumento prático à vivência do aplicador do direito, em especial por envolver questões práticas e essenciais ao dia a dia forense.

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Conheça as referências deste artigo

COSTA JUNIOR, Paulo José. Comentários ao Código Penal. Vol. 03. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial. 7. Ed. Salvador: JusPODIVM, 2015.

ESTEFAM, André; Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito Penal : Parte Especial / 12. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022.

GONZAGA, João Bernardino – Direito penal indígena, São Paulo, M. Limonad, 1970

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 3: parte especial: artigos 213 a 361 do código penal. 19. ed. – Barueri [SP]: Atlas, 2022.

MARQUES, José Francisco. Tratado de Direito Penal. São Paulo, Editora Saraiva, 1961

MARTINS, José Salgado. Sistema de direito penal brasileiro. Rio de Janeiro, J. Konfino, 1957

MASSON, Cleber. Direito Penal: parte especial: arts. 121 a 212 / Cleber Masson. – 11. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018. 

MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1o a 120), v. 1 / Cleber Masson. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.

SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal: parte geral, 6ª ed., Curitiba: ICPC, 2014.

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal: parte geral. São Paulo: RT, 1997


Social Social Social

Advogado Criminalista com ênfase no Tribunal do Júri e Professor do Instituto de Ensino Superior e Formação Avançada de Vitória (IESFAVI); Pós graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera - Uniderp, graduado em Direito pela Universidade Jorge Amado....

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