A Propriedade Industrial é um conjunto de direitos que protegem as criações industriais. Ela é composta pelas patentes, marcas, desenhos industriais e indicações geográficas. Todos os direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial são regulados, no Brasil, pela Lei nº 9.279/96.
A Propriedade Intelectual é um grande ramo do Direito, composto basicamente pelos Direitos Autorais e pela Propriedade Industrial.
No Brasil uma grande disputa está acontecendo e sendo julgada pelo STF: as marcas Gradiente e Apple estão em processo para definir a propriedade da marca Iphone no país. O Supremo Tribunal vai decidir se a Apple continua com a vitória ou se concede o direto à Gradiente, que pediu registro de marca há alguns anos.
Confira neste artigo o que é propriedade industrial, quais são os tipos e detalhes sobre o caso do Iphone para entender, na prática, como funciona a tutela desses direitos. Vamos lá?
O que é a Propriedade Industrial?
A Propriedade Industrial abrange a proteção das patentes, das marcas, dos desenhos industriais e das indicações geográficas, que são tratados na Lei 9.279/96. No Brasil, o órgão responsável por proteger a Propriedade Industrial é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.
Quais são os tipos de propriedade industrial?
A propriedade industrial compreende:
- Patentes;
- Marcas;
- Desenho Industrial;
- Indicações geográficas.
Veja as características de cada uma delas!
Patentes
As patentes visam proteger as invenções. Na lição de Patrícia Peck Pinheiro, ele aponta que:
A patente, também conhecida como carta patente, nada mais é do que um documento que descreve determinado processo baseado na invenção, fruto da mente humana e que é suscetível de aplicação industrial em larga escala”
Elas são divididas em:
- Invenções: se caracterizam por sua novidade em solucionar problemas técnicos existentes;
- Modelos de utilidade: tem o objetivo de trazer uma melhoria funcional a uma invenção já existente.
A proteção da patente e do modelo de utilidade possuem limite de tempo, sendo 20 anos para a primeira e 15 anos para o segundo, ambos contados da data do depósito do pedido de proteção que é feito perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
A proteção de patentes e de modelos de utilidade é entendida como um importante pilar no avanço tecnológico, tão necessário aos países em desenvolvimento, na medida em que garante vantagens competitivas aos inventores e, por consequência, aos países em que é concebida a invenção.
Vale lembrar que, sendo o Brasil um país signatário da Convenção da União de Paris, invenções patenteadas aqui terão sua proteção estendida aos demais países signatários do tratado (art. 2º da CUP).
Leia também: Como fazer um registro de patente e quais as vantagens
Marcas
A proteção das marcas, que se caracterizam por sinais que buscam individualizar produtos ou serviços, também é de extrema relevância para garantir um desenvolvimento sustentável das empresas e para a proteção dos consumidores.
Denis Borges Barbosa assim define a marca como:
Assim, marca é o sinal visualmente representado, que é configurado para o fim específico de distinguir a origem dos produtos e serviços. Símbolo voltado a um fim, sua existência fática depende da presença desses dois requisitos: capacidade de simbolizar e capacidade de indicar uma origem específica, sem confundir o destinatário do processo de comunicação em que se insere: o consumidor. Sua proteção jurídica depende de um fator a mais: a apropriabilidade, ou seja, a possibilidade de se tornar um símbolo exclusivo, ou legalmente unívoco do objeto simbolizado.”
As marcas podem ser reconhecidas na sua forma nominativa, figurativa ou mista. Com o protocolo do pedido de registro perante o INPI, o interessado deverá indicar em qual classe pretende enquadrar a proteção, de acordo com uma listagem padronizada internacionalmente chamada de Classificação de Nice, que subdivide as classes em produtos ou serviços.
Há marcas que são reconhecidas como de alto renome ou notoriamente conhecidas.
As marcas de alto renome passam a gozar de proteção em todas as classes, independentemente do pedido de registro individual para cada uma delas.
Já a marca notoriamente conhecida é protegida apenas na classe para a qual obteve o certificado de registro, porém estende essa proteção para todos os países que compõem o sistema de proteção marcária, dispensando o registro individual em cada um desses países, nos termos da Convenção da União de Paris.
É importante ressaltar que uma marca que não seja notoriamente conhecida também poderá estender sua proteção a outros países de forma relativamente simples.
Isso se dá através do chamado Sistema de Madri – que o Brasil passou a reconhecer apenas em outubro de 2019, por meio do qual o interessado protocola seu pedido na Organização Mundial da Propriedade Intelectual, indicando em quais países gostaria de obter a proteção. O pedido é encaminhado ao órgão de PI de cada um desses países que vai fazer a análise com base na lei nacional, deferindo ou indeferindo o pedido.
Ao contrário das patentes e dos Direitos Autorais, as marcas podem gozar de proteção por período indeterminado, desde que observados certos requisitos (artigos 142 a 146 da Lei da Propriedade Industrial).
Desenho industrial
O desenho industrial, conforme conceitua o artigo 95 da Lei de Propriedade Industrial, é:
Merece destaque a exigência que se faz para que o desenho possa ser objeto de fabricação. Ou seja, não será protegido por essa modalidade os desenhos considerados puramente artísticos, que poderão se enquadrar na modalidade de Direito Autoral.
A ideia fundamental do desenho industrial é aliar aspectos funcionais com padrões artísticos, tornando, em última análise, os produtos mais atraentes para o público consumidor.
Como ocorre com as marcas, a proteção de um desenho industrial registrado em um país poderá se estender de maneira mais simplificada a outros países por meio do Acordo de Haia, que funciona da mesma maneira que o Sistema de Madri para o registro de marcas.
A proteção conferida a um desenho industrial poderá durar até 25 anos, nos termos do artigo 108 da Lei da Propriedade Industrial.
Indicações geográficas
Por fim, as indicações geográficas se dedicam a identificar produtos ou serviços de acordo com sua localização.
Subdivide-se em indicação de procedência ou em denominação de origem e a diferença substancial entre ambas está na influência que fatores naturais do meio geográfico exercem naquele produto ou serviço.
Bons exemplos de denominações de origem são:
- O queijo Roquefort, que provém da região de Roquefort;
- O vinho espumante Champagne, que provém da região de Champagne, ambos na França.
Reconhece-se que esses produtos possuem suas características marcantes em razão da região em que são produzidos.
Assim, uma vinícola que produza seus vinhos na região de Champagne poderá se beneficiar dessa denominação de origem em seus rótulos, o que, na prática, garante ao seu produto um padrão de qualidade reconhecido pelo mercado consumidor.
Já a indicação de procedência é concedida levando-se em consideração fatores históricos que tornem determinada região reconhecida por prestar serviços ou fabricar produtos de qualidade diferenciada.
É o caso, por exemplo, do Vale dos Vinhedos, primeira indicação geográfica brasileira. Independentemente da comprovação de que fatores naturais da região influenciam na qualidade dos vinhos produzidos nessa localidade, o fato de haver registros históricos quanto ao prestígio que a região conquistou ao longo de mais de um século na produção de vinhos lhe garantiu o merecido reconhecimento.
Mais liberdade no dia a dia
Caso Apple x Gradiente:
Certamente você já ouviu falar do iPhone, o mundialmente famoso aparelho de celular da Apple. Mas, se eu te disser que a Apple poderá perder o direito de utilização da marca “Iphone” no Brasil, você acreditaria?
A Apple está no centro de uma disputa judicial envolvendo a Propriedade Industrial, notadamente a marca iPhone.
No ano 2000, a Gradiente, fabricante brasileira de produtos eletrônicos, protocolou no INPI o pedido de registro da marca “G GRADIENTE IPHONE” (processo nº 822112175).
Em novembro de 2007, o pedido da Gradiente foi deferido pelo INPI, mesmo ano em que a Apple fez o pedido de registro de seu aparelho iPhone (processo nº 829272747), que havia sido recentemente lançado no mercado mundial.
Como sabemos, um dos princípios de proteção marcária é a anterioridade. Ou seja, em regra, têm prioridade de registro o pedido que foi protocolado por primeiro junto ao órgão de registro (art. 127 da LPI).
Com o deferimento do registro para a marca da Gradiente, ocorrido em 2007, o INPI, por consequência, indeferiu o pedido da Apple em 2013, com base no artigo 124, inciso XIX, da Lei da Propriedade Industrial, que assim dispõe:
Isso gerou uma batalha judicial pelo direito de uso da marca iPhone no Brasil que ainda não foi definitivamente solucionada. Atualmente, o caso encontra-se no Supremo Tribunal Federal (autos de Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.266.095), cuja repercussão geral foi reconhecida em 2022.
Em resumo, o pedido da Apple, que foi quem ingressou com o processo nº 0490011-84.2013.4.02.5101, da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ, em 2012, é que o registro da marca da Gradiente deveria ser anulado parcialmente, a fim de que não seja dada exclusividade à Gradiente sobre o termo “Iphone” de maneira isolada.
O argumento principal da fabricante americana é de que o elemento nominativo “Iphone”, indicado no registro da marca “G GRADIENTE IPHONE”, teria caráter meramente descritivo para aparelhos celulares com acesso à internet (internet phone), nos termos do artigo 124, inciso IV, da LPI, que diz:
A Gradiente alega em sua defesa, entre outros argumentos, que a marca por si registrada é dotada de suficiente distintividade e não seria meramente descritiva. Além disso, deve ser respeitado o princípio da anterioridade e, portanto, não haveria qualquer causa para anular o registro.
O INPI, que também compõe o processo, por força do art. 175, da LPI, acompanha o argumento da Gradiente, defendendo a regularidade do registro.
Em primeira instância, o pedido da Apple foi julgado procedente no ano de 2013, decretando a nulidade parcial do registro da marca da Gradiente, a fim de que conste a ressalva no registro da marca “G GRADIENTE IPHONE” para que não haja a exclusividade sobre a palavra “Iphone” isoladamente.
A sentença considerou que entre o tempo do protocolo do pedido de registro da marca da Gradiente (2000), até o deferimento deste pedido (2007), houve considerável mudança no cenário de tecnologia que não poderia ser ignorado pelo INPI na análise do mérito do pedido de registro da Gradiente.
Em face da sentença, o INPI apresentou recurso afirmando que o argumento vertido na decisão violaria o sistema atributivo do direito marcário. Isso significa que a sentença estaria privilegiando aquele que não detém o registro da marca, e não aquele a quem o INPI atribuiu o direito de uso.
A Gradiente também recorreu da sentença, alegando, entre outras coisas, que os requisitos para o registro da marca devem ser aferidos no momento do depósito do pedido. Ou seja, no ano 2000, e não no momento da análise do mérito, ocorrida em 2007.
Contudo, a sentença foi confirmada no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, conforme ementa a seguir:
A Gradiente apresentou Recurso Especial e Recurso Extraordinário, enquanto o INPI apresentou Recurso Especial.
Os Recursos Especiais da Gradiente e do INPI foram, por maioria de votos, indeferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, cujo acórdão traz vários conceitos relacionados ao registro de marca, entre os quais os conceitos de marcas de fantasia, marcas arbitrárias e marcas sugestivas (ou evocativas).
As marcas de fantasia são aquelas fruto da inventividade de seu titular. Não guardam relação com palavras ou objetos existentes. O acórdão exemplifica como marcas de fantasia a Nike, a Sony, entre outras. Essas marcas merecem alto grau de proteção.
Igualmente, as marcas arbitrárias merecem alto grau de proteção e se caracterizam por serem expressões já existentes, mas vinculadas a produtos ou serviços com os quais não guardam qualquer relação. Apple é o exemplo clássico de uma marca arbitrária.
De outro lado, as marcas sugestivas ou evocativas possuem um escopo limitado de proteção, pois, como a nomenclatura já diz, sugerem ao que se referem, denotando baixo grau de distintividade ou de originalidade. Exemplos de marcas sugestivas são Unibanco e Telemar (AgInt no AREsp 1.062.073/RJ).
Abaixo, confira a ementa do acórdão que negou provimento aos Recursos Especiais da Gradiente e do INPI:
Agora, o caso está no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a existência de repercussão geral na questão e deverá decidir, em breve, se a sentença e os acórdãos recorridos serão reformados ou não.
O Ministro Dias Toffoli, relator do recurso, entendeu o seguinte ao reconhecer a repercussão geral (Tema 1205):
Entendo, assim, ser extremamente recomendável que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie, na sistemática da repercussão geral, sobre a possibilidade de, em razão da demora na concessão do registro de marca pelo INPI e surgimento, durante isso, de uso mundialmente consagrado da mesma marca por concorrente, o depositante deixar de ter exclusividade sobre ela, tendo-se presentes os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.”
A Procuradoria Geral da República já manifestou o entendimento de que o recurso da Gradiente deve ser indeferido, sugerindo a fixação da seguinte tese:
A mora na concessão do registro de marca pelo INPI, concomitante ao surgimento de uso mundialmente consagrado da mesma marca por concorrente, mitiga o direito à exclusividade quando ensejar evidente”
Por fim, há outros dois processos envolvendo as partes (autos nº 0121438-67.2013.4.02.5101 e 5067776-25.2021.4.02.5101, da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro), que foram julgados em 2022 em primeira instância desfavoravelmente à Gradiente, que apresentou recurso pendente de julgamento no Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
No processo nº 0121438-67.2013.4.02.5101, movido pela Gradiente em face da Apple, a juíza indeferiu o pedido de nulidade de registros da Apple junto ao INPI, e no processo nº 5067776-25.2021.4.02.5101 a juíza decretou a caducidade do registro da Gradiente, nos termos do artigo 143, inciso II, da LPI, in verbis:
Caso o STF mantenha as decisões recorridas pela Gradiente relacionadas aos autos de origem nº 0490011-84.2013.4.02.5101, a empresa continuará a ser detentora da marca G GRADIENTE IPHONE, mas não poderá utilizar a expressão IPHONE de forma isolada.
Porém, esse direito da Gradiente ainda poderá ser anulado, haja vista a pendência do processo nº 5067776-25.2021.4.02.5101, cuja sentença decretou a caducidade do registro da marca G GRADIENTE IPHONE.
Leia também: O que é princípio da anterioridade tributária, tipos, exceções e importância
Caso Fiat:
Outro caso envolvendo conflito de marcas também ganhou notoriedade e envolve a fabricante de carros FIAT.
O INPI indeferiu o pedido de registro da marca FIAT FREEDOM (processo nº 909703957, para designar veículos) por considerar haver colidência com a marca FREEDOM, previamente registrada no processo nº 905415663, designativa de pneus.
A FIAT, não satisfeita, recorreu ao Judiciário, mas em primeira instância obteve indeferimento na Justiça Federal do Rio de Janeiro (atos unº 047864-76.2020.4.02.5101).
A meu ver as marcas, embora designam produtos do mesmo ramo, não servem para designar os mesmos produtos, como nesse caso de pneus x veículos.
Além disso, o conjunto marcário, composto pelos elementos nominativos e figurativos, possuem suficiente distinção para evitar a confusão no público consumidor. Por isso, respeitosamente, partilho de opinião diversa da manifestada pelo INPI e pela Justiça Federal do Rio de Janeiro neste caso.
Conclusão:
A Propriedade Intelectual é um ramo do Direito muito interessante de se atuar e estudar. Essa área tem ganhado ainda mais relevo nas últimas décadas em razão da crescente globalização e inovação tecnológica. A inteligência artificial não me deixa mentir.
Mas, no Brasil, há poucos especialistas em Propriedade Intelectual, o que a torna um campo fértil para quem está procurando uma área de atuação.
Por isso, fica a dica para que, quem queira saber um pouco mais sobre Propriedade Intelectual, em especial Propriedade Industrial, faça os cursos gratuitos oferecidos pelo INPI.
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Conheça as referências deste artigo
BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Edição, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2003.
PINHEIRO, Patrícia Peck (coord.). Manual de Propriedade Intelectual, São Paulo, 2013.
Advogado (OAB/PR 52.439). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sócio fundador da Tisi Advocacia, em Curitiba-PR, com atuação em Direito Empresarial, Direito Civil, Propriedade Intelectual e Direito Desportivo....
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