Sigilo médico é a obrigação que o profissional da saúde tem de manter em segredo as informações de que tenha conhecimento em razão do exercício da profissão. Existem algumas exceções em relação a essa obrigação do, possibilitando que o médico preste as informações necessárias, ainda que relativas ao exercício da medicina.
O sigilo médico é um dos preceitos éticos mais tradicionais – não só na medicina, mas na maioria das profissões. Porém, nem sempre é respeitado como deveria.
Apesar de existirem exceções, o desafio atual também conta com o grande uso da tecnologia como aliada dos profissionais, mas que pode prejudicar a manutenção dos dados sensíveis dos pacientes e trazer prejuízos para os profissionais da saúde que não apresentarem os cuidados necessários.
Nesse artigo veremos o que é o sigilo médico e porque é tão importante que existam regras acerca dos dados dos pacientes; quais são as normas que regem o sigilo médico e em quais casos esse sigilo pode ser quebrado; além de entender em quais casos o advogado pode ter acesso a essas informações e como a tecnologia impacta nessa situação.
Continue a leitura! 😉
O que é sigilo médico?
O sigilo médico é a obrigação que o profissional da saúde possui de guardar toda e qualquer informação que venha a ter em virtude do exercício da medicina.
Antes mesmo da edição de resoluções e códigos de ética médica, o sigilo já era tratado como obrigação do profissional, no juramento de Hipócrates que, originalmente afirma que:
(…) àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.”
Assim, se o médico só tomou conhecimento de determinado fato porque é médico, ele não pode revelar tal fato – a não ser nas hipóteses legais que serão mencionadas mais abaixo.
Qual a importância do sigilo médico?
O sigilo médico existe como uma forma de proteger os direitos fundamentais do indivíduo.
Dentre esses direitos fundamentais estão:
- O direito à privacidade;
- O direito à intimidade;
- O direito à honra;
- O direito à imagem.
É comum que pacientes que são diagnosticados com determinadas doenças, não desejem que terceiros saibam desse diagnóstico. Isso é direito dele, e é obrigação do médico respeitar esse limite.
Além disso, o sigilo médico traz mais confiança para a relação médico e paciente, permitindo que o paciente exponha os sintomas, problemas e dificuldades. Isso possibilita ao médico o conhecimento sobre a realidade do paciente, facilitando o diagnóstico e tratamento.
Quais as principais normas do sigilo médico?
O Código de Ética Médica – Resolução CFM n. 2.217/2018 – é a primeira norma que dispõe sobre o segredo médico, trazendo de pronto as vedações:
Em caso de violação dessas normas, o médico pode sofrer um processo ético-disciplinar, cujas penalidades previstas vão desde a advertência confidencial até a suspensão ou cassação do exercício da medicina
Além do CEM, o Código Penal também prevê, no art. 154, a penalidade criminal em casos de violação do segredo profissional:
E, também o Código de Processo Penal, no art. 207, proíbe o depoimento de pessoas que, em razão da profissão, devam guardar segredo:
Na seara cível, o Código de Processo Civil não é diferente do Penal, dispondo no art. 388 a desobrigação da parte de depor quando versar sobre fatos que deva guardar sigilo; e no art. 404 a possibilidade de não exibir documento que pode divulgar fato que deva guardar sigilo:
Além das normas positivadas, é importante ter conhecimento das resoluções e pareceres que são editados pelo CFM sobre temas específicos, como a possibilidade de gravação de consulta e casos que envolvem menores de idade. E acompanhar o entendimento que é firmado em jurisprudência sobre os casos mais específicos.
Quais são as principais exceções legais ao sigilo médico?
O Código de Ética Médica prevê apenas 3 hipótese para a quebra do sigilo:
- Motivo justo;
- Dever legal;
- Consentimento por escrito do paciente.
Motivo justo:
O motivo justo ou justa causa é um critério subjetivo, que não é exatamente definido na doutrina e jurisprudência, então, cabe ao médico ponderar em cada caso se há motivos suficientes que justifiquem a quebra do sigilo.
Um caso que o professor Osvaldo Simonelli apresenta em sua obra como exemplo é de um médico psiquiatra que constata que o paciente está prestes a cometer um crime contra alguém. Nessa situação, o médico pode se valer da permissão da quebra de sigilo por motivo justo, a fim de proteger um terceiro.
Dever legal:
O dever legal decorre de uma obrigação imposta pela legislação como, por exemplo, a notificação de doenças compulsórias (prevista na Portaria n. 204 de 2016 do Ministério da Saúde) como dengue, covid-19 e cuja omissão é penalizada pelo art. 269 do Código Penal.
Consentimento por escrito do paciente
E a terceira hipótese é o consentimento por escrito do paciente, que, como a própria expressão já diz, se houver autorização ou pedido expresso do paciente, o médico pode entregar documentos ou revelar informações quando solicitado, sem que incorra em sanções por quebra de sigilo.
O ponto importante aqui é ter sempre a autorização expressa e por escrito, não sendo válido o consentimento verbal ou por qualquer outro meio.
Mais liberdade no dia a dia
Questionamentos comuns sobre exceções legais ao sigilo médico:
Com relação às exceções, dentre os questionamentos mais comum estão os seguintes:
E se o médico for chamado em um processo judicial para ser testemunha?
O médico continua com o dever de guardar sigilo mesmo nos casos que é testemunha. Nessa situação, ele deverá comparecer à autoridade e declarar o seu impedimento de prestar o depoimento, em razão do exercício da profissão. (art. 73 parágrafo único do CEM)
E se for necessário juntar o prontuário do paciente, para corroborar com a defesa do médico em um processo?
Nesse caso, o médico pode apresentar o prontuário do paciente, mas deixando claro que deve ser observado o sigilo profissional. Nos processos judiciais, é imprescindível que o documento seja juntado em segredo de justiça, por exemplo.
E se o paciente já tiver falecido?
Ainda assim, a guarda do sigilo é obrigatória. O médico não pode expor informações de pacientes que vieram a óbito (art. 73 parágrafo único do CEM)
E se o fato for de conhecimento público, por exemplo o motivo de falecimento de uma figura pública?
Mesmo que o fato seja de conhecimento de todos, o médico deve guardar sigilo com relação a detalhes e informações que a ele foram repassadas em razão do exercício da profissão (art. 73 parágrafo único do CEM)
No caso do menor de idade, o médico pode passar aos pais e responsáveis as informações do paciente, certo?
Na verdade, depende. Se o menor de idade tiver discernimento, o médico não pode passar as informações dele aos pais. Nesse caso, o médico somente fica autorizado a quebrar o sigilo quando houver autorização do paciente; ou houver risco de dano ao paciente; ou o paciente não tiver discernimento.
E se a paciente era gestante e cometeu um aborto?
Nesse caso, o médico não pode ser delator da paciente, já que, se ele a denunciar, ela poderá sofrer um processo penal. Portanto, nesses casos (em que o paciente pode ser processado) o médico tem o dever de guardar sigilo.
É importante que o médico saiba em quais hipóteses pode quebrar o sigilo profissional, para não incorrer em erro e noticiar, equivocadamente, fato que deveria manter em segredo.
Como a tecnologia impacta o sigilo médico?
Atualmente, não se pode falar em sigilo de informações sem citar a Lei Geral de Proteção de Dados.
A LGPD foi criada justamente com o objetivo de proteger os dados pessoais e a privacidade do indivíduo e se aplica perfeitamente aos pacientes, já que todos os dados e informações médicas são considerados sensíveis e, consequentemente, sigilosos.
Em relação às questões da LGPD na saúde, tem um artigo que traz informações mais específicas, você pode acessar aqui.
De toda forma, o que é importante saber é que, com o aumento da tecnologia, os dados dos pacientes ficam ainda mais expostos e a contenção dessa exposição é ainda mais desafiadora.
Dentre os casos mais comuns, vemos:
- A possibilidade e facilidade de gravação das consultas (que sim, é possível, com ou sem anuência/conhecimento do médico – segundo CFM, mas que podem expor informações particulares;
- A possível exposição de mensagens trocadas em aplicativos de mensagens;
- O acesso à base de dados do médico/ da clínica/do consultório, por terceiros que não o próprio médico – como secretárias e recepcionistas, por exemplo – o que não deveria acontecer;
- O uso desenfreado de redes sociais para publicidade médica – que é permitida com ressalvas – que muitas vezes expõe casos clínicos e pacientes para demonstrar autoridade e bons resultados.
Ou seja, o uso da tecnologia pode ajudar e facilitar o trabalho na esmagadora maioria das vezes, mas é preciso que o profissional esteja apto a utilizá-la sem que isso traga prejuízos e, principalmente, sem que tenha qualquer risco de violação do sigilo.
Em que situações um advogado pode solicitar informações médicas sob sigilo?
Em primeiro lugar, é importante lembrar que as informações que o advogado possui acesso em razão do trabalho, também estão sob sigilo, conforme prevê os arts. 25 a 27 do Código de Ética e Disciplina da OAB.
Isso porque, na maioria das vezes, o advogado vai precisar acessar os documentos médicos, prontuários e informações sobre a relação médico-paciente para elaborar defesas, por exemplo.
Ou então para fundamentar eventuais ações judiciais, para prestar consultorias sobre como o médico deve agir em determinadas situações e até mesmo para elaboração de documentos que visem uma atuação preventiva, como termo de consentimento livre esclarecido, contratos, pareceres, entre outros.
Conclusão:
Considero que é sempre mais fácil entender uma proibição quando é possível entender os motivos que levaram a norma a existir.
No caso do sigilo médico, como vimos no artigo, a guarda das informações é importante por diversos motivos, como a proteção do paciente e o respeito à sua privacidade.
A quebra do sigilo pode ocorrer, mas apenas nas 3 hipóteses mencionadas: motivo justo; dever legal; com o consentimento do paciente – ainda que sejam situações que aceitam uma certa subjetividade.
De toda forma, as normas são claras: além da sanção penal, a quebra de sigilo também traz sanções ético disciplinares que podem levar, inclusive, à cassação da licença para praticar medicina.
Atualmente, a tecnologia e as redes sociais podem se tornar dificultadores na manutenção do sigilo já que a exposição de dados é muito mais fácil e comum.
Além disso, os médicos devem se adequar à LGPD, uma vez que os dados dos pacientes são considerados sensíveis, não podendo ser guardados em qualquer local físico ou virtual.
Assim, é importante que o advogado que atua tanto na área da LGPD como no direito médico entenda as proibições e possibilidades e também lembre-se que a sua atuação também está adstrita ao sigilo profissional.
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Conheça as referências deste artigo
SIMONELLI, Osvaldo. Direito médico. 1ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2023. P. 177 a 190.
Advogada (OAB 158955/MG) desde 2015, com escritório em Belo Horizonte/MG. Bacharela em Direito, pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Tributário, pela Faculdade Milton Campos. Especialista em Direito Médico e Hospitalar, pela Faculdade Unyleya e pelo IPDMS. Pós...
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