A usucapião familiar é uma maneira pela qual um cônjuge ou companheiro(a) pode obter a propriedade de um imóvel de até 250m², caso tenha sido abandonado(a) financeiramente e emocionalmente pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro(a), desde que ambos tenham comprado o imóvel juntos.
“Quem casa, quer casa!” Muitos casais, em razão do casamento ou da união estável, adquirem um imóvel em conjunto para ali construírem a sua vida, ser a moradia de sua família.
Porém, não são poucas as histórias de abandono do lar por uma das partes que, voluntariamente e injustificadamente, deixa o ambiente familiar, sem prestar nenhum apoio material ou emocional.
O que fazer nestes casos? Como fica o cônjuge ou companheiro(a) que permaneceu no lar e que agora se vê responsável não apenas pelo sustento da família, mas das obrigações do imóvel também? Essa pessoa teria direito à propriedade integral do imóvel diante do abandono?
Neste artigo você vai entender a proposta da usucapião familiar, que abrange todas essas dúvidas. Continue a leitura! 😉
O que é usucapião familiar?
A usucapião familiar é uma maneira de assegurar o direito de propriedade a alguém que foi deixado sozinho(a) e contribuiu na aquisição conjunta do imóvel.
Também chamada de usucapião conjugal, a usucapião familiar surgiu em 2011 com a Lei 12.424. A lei promoveu uma alteração no Código Civil para a inserção do artigo 1.240-A.
Para compreender melhor o instituto, é preciso compreender o que é usucapião. A usucapião é uma forma de adquirir um bem móvel ou imóvel a partir do uso deste bem por determinado tempo, comportando-se como dono e sem que haja oposição à posse. Na legislação brasileira, está prevista principalmente no Código Civil.
Ou seja, trata-se de uma forma de aquisição de propriedade de um bem imóvel. Mas não qualquer bem, um bem imóvel em que a propriedade era dividida com o ex-cônjuge ou ex-companheiro(a) e que deixou de existir pelo fato de haver abandono do lar.
Por que surgiu a usucapião familiar?
O instituto foi criado por dois objetivos:
- Salvaguardar o direito à moradia daquele cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel;
- Proteger a família que foi abandonada.
A usucapião familiar foi pensada para amparar mulheres de baixa renda, beneficiárias do programa Minha Casa Minha Vida e que se viram abandonadas pelos seus parceiros conjugais, sendo as únicas responsáveis pelas obrigações que deveriam ser compartilhadas.
Porém, o instituto não se destina apenas às pessoas de baixa renda, visto que o instituto é aplicado para imóveis de até 250m². Na grande maioria das cidades, imóveis acima de 200m², a princípio, possuem quatro quartos e a depender da cidade e localização (bairro) podem custar acima de um milhão de reais.
Leia também: Entenda o que é a Usucapião Rural e quais os seus requisitos
Usucapião familiar é a mesma coisa que usucapião especial urbano?
A usucapião familiar é uma ramificação do usucapião especial urbano, pois em muito se assemelha a este tipo de usucapião urbano. Ambos são para aquisição de propriedade imobiliária de até 250m², a utilização do imóvel deve ser para moradia própria ou da família, quem vai adquirir a propriedade não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural e a usucapião não pode ter sido concedido em outra oportunidade.
A usucapião familiar se diferencia do usucapião especial urbano pelos seguintes aspectos:
- A propriedade imobiliária é adquirida em condomínio pelo casal;
- Existe a configuração de abandono do lar;
- O prazo é de 2 anos, enquanto no usucapião especial urbano é 5 anos.
O que é usucapião de herança?
Usucapião de herança não se assemelha com usucapião familiar. São dois institutos diferentes, em que pese tenha o contato por se tratar de assunto relacionado à família.
A usucapião familiar tem origem no casamento ou na união estável, devendo o imóvel ser adquirido em conjunto pelo casal. A usucapião de herança tem origem na herança, inexistindo condomínio na propriedade do imóvel entre o herdeiro e o falecido – o assunto foi tratado pelo Superior Tribunal de Justiça no Resp 1.631.859.
A usucapião de herança trata-se de caso em que o herdeiro passa a ter posse exclusiva do imóvel que é objeto de herança. Neste imóvel vive apenas um herdeiro, com a concordância de todos os outros herdeiros.
Requisitos para a usucapião familiar:
A usucapião familiar somente é possível em relação a imóveis de até 250m² e que foram adquiridos em condomínio pelo casal, ou seja, que esteja no nome de ambos os cônjuges ou companheiros.
Para ser possível solicitar e ter concedida a usucapião familiar é preciso atender aos requisitos que estão previstos no artigo 1.240-A do Código Civil:
- Imóvel deve ser urbano e ter até 250m²;
- A propriedade deste imóvel deve ser dividida com o ex-cônjuge ou ex-companheiro;
- O ex-cônjuge ou ex-companheiro precisa ter abandonado o lar;
- Quem vai solicitar deve exercer, por dois anos ininterruptos e sem oposição, a posse direta e com exclusividade, utilizando-o para sua moradia ou de sua família;
- Quem vai solicitar não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
O que é e como provar o abandono do lar?
Como visto, um dos requisitos para concessão da usucapião familiar é o abandono do lar. Caso ele não seja provado, não haverá o reconhecimento do instituto. Mas o que é considerado abandono do lar?
De acordo com a jurisprudência, registrada pelo Enunciado 499 do V Jornada de Direito Civil – CJF, abandono do lar não é apenas o afastamento meramente físico do ex-cônjuge ou companheiro. Este afastamento precisa ser voluntário e injustificado, além disso, deve-se somar a ausência de assistência moral e material à família.
Ou seja, se o ex-cônjuge sai do lar porque a relação estava insustentável, ou como efeito da lei Maria da Penha, ou ainda que voluntária e injustificada, mas mantém o pagamento das dívidas do imóvel, não se configurará abandono do lar. De forma resumida, o abandono precisa ser da família e do imóvel.
Leia também: As medidas protetivas no ordenamento jurídico brasileiro – Lei Maria da Penha e ECA
Qual o prazo para usucapião familiar?
Para ter direito à usucapião familiar é preciso permanecer no imóvel, de forma ininterrupta (ou seja sem pausas), pelo prazo mínimo de dois anos, a contar do abandono do lar pelo cônjuge ou ex-companheiro.
Questiona-se se para os casos de casamento haveria a necessidade de dissolução do vínculo, visto que não corre a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal. Lembrando que a dissolução do vínculo se dá com a separação judicial ou divórcio.
Considerar necessário causaria um tratamento desigual com a união estável, que não precisa de decreto judicial para dissolução. Apesar disso, tratando-se de casamento, é importante também haver a decretação do divórcio para afastar a comunhão sobre o bem.
Pode o prazo para a usucapião ser reconhecido no curso do processo judicial?
Sim. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.361.226, pela Terceira Turma, considerou ser possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel se o requisito do prazo for alcançado durante a tramitação do processo judicial.
O entendimento é aplicável para a usucapião especial urbano, como a usucapião familiar é uma especialização da usucapião especial urbano também se aplica o entendimento.
Aluguei o imóvel que tenho com meu ex e voltei a residir na casa dos meus pais com meus filhos, para ter renda e conseguir sustentar a família. Tenho direito?
A lei prevê que o uso do imóvel deve ser para sua moradia ou da família, fato que não se realiza com a locação do imóvel para outras pessoas, ainda que a renda se reverta para o sustento da família.
Por outro lado, é importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça entende que o uso de imóvel para moradia e comércio, simultaneamente, não impede usucapião especial urbana.
Para autorizar, a Min. Nancy Andrigui considerou que:
O uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento do usucapiente e de sua família”.
Como dito acima, a usucapião familiar deriva da usucapião especial urbano. Por outro lado, é importante lembrar que um dos requisitos para a usucapião familiar é que o imóvel seja utilizado como moradia, mas não coloca exclusivamente. Diante disso, compreendemos ser possível a aplicação deste entendimento, caso comprovado que a área é utilizada à obtenção do sustento da família para suprir o abandono material proporcionado pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro(a)
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Aproveitar desconto *Confira o regulamentoComo entrar com a usucapião familiar?
O reconhecimento da usucapião familiar pode ser judicial ou extrajudicial.
Judicialmente, a competência para conhecimento da ação de usucapião familiar dependerá se há ou não, em conjunto, pedido de dissolução de união estável, separação ou divórcio.
Sendo pedido exclusivo, ou seja, se discute no processo só a usucapião familiar, tramitará perante as varas cíveis, isso porque o artigo 1.240-A trata de direito real e o fato de ocorrer em uma relação familiar não atrai a competência da Vara especializada, neste sentido, a Súmula 24 do TJDFT.
Porém, pode o juízo familiar ser o competente se houver pedido adicional de separação, divórcio ou dissolução.
Leia também: Entenda o que é divórcio impositivo e o que diz a Lei
É possível usucapião familiar extrajudicial?
Sim, é possível! Conforme prevê o artigo 1.071 do Código de Processo Civil, que acresceu a Lei de Registros Públicos o artigo 216-A.
Neste caso, constará também na ata notarial, além do atendimento ao prazo, o abandono do lar.
Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça, com a Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.824.133, definiu que o ajuizamento da ação de usucapião não está condicionado à negativa do pedido em cartório, isso porque a lei faculta a parte ajuizar ação ou requerer extrajudicialmente ou judicialmente.
Se o ex-cônjuge ou ex-companheiro manifestar, durante o prazo de dois anos, interesse no imóvel, posso requerer ainda?
Não. Para que seja configurado a usucapião familiar, é preciso existir o desinteresse pelo bem e família.
O imóvel que moramos não é meu, era só do meu cônjuge, mas ele nos abandonou e não demonstra ter interesse. Tenho direito?
Neste caso não se tratará de usucapião familiar, porém, pode se configurar usucapião especial urbano. Neste sentido prevê o Enunciado 500 do CJF.
Tem que pagar para fazer usucapião?
O parágrafo segundo da Lei 10.257/2001 confere ao autor do pedido de usucapião urbano especial os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.
Por outro lado, entendeu o Superior Tribunal de Justiça, que, havendo a pessoa condições de arcar com as despesas é inadmissível conferir isenções pecuniárias, mesmo que o parágrafo 2º do artigo 12 da Lei 10.257/2001 o permita, quando do julgamento do REsp 1.517.822.
A usucapião familiar não é uma penalidade ao cônjuge ou companheiro que saiu de casa?
Este é um tema recorrente no direito de família. O fato de um cônjuge demonstrar que não há mais interesse em continuar convivendo com o outro deveria ou não ser usado para penalizá-lo na sua esfera patrimonial? Afinal, o seu direito de propriedade não poderia ser afetado quando deixa de existir o objetivo de vida em comum entre o casal, o afeto.
Para muitos, a usucapião familiar acabou por ocasionar uma forma de punição ao cônjuge ou companheiro(a) que saiu do imóvel adquirido pelo casal, ao estabelecer para aquele que não pretende mais manter a união a taxa de abandono de lar.
Por outro lado, é importante destacar que somente será cabível a usucapião familiar se demonstrado o abandono do lar, que é manifestado pela ausência de assistência material à família e ao imóvel.
Ausência de interesse em ter um objetivo de vida em comum não significa em não ser mais responsável pelas obrigações existentes com a família, logo, abandono do lar. E, neste ponto, a jurisprudência é consistente na comprovação do abandono do lar. Não havendo comprovação, não se configurará a usucapião familiar.
Conclusão:
Ainda que com o argumento de proteção à família, à mulher, não se pode negar que o instituto da usucapião familiar retoma o assunto (superado?) de culpa na dissolução do vínculo afetivo no casamento ou na união estável. Afinal, é preciso retomar o tema da culpa na configuração do abandono do lar, manifestado pela ausência de assistência material e substancial à família.
Para quem fica no imóvel, assumindo todos os compromissos do sustento familiar (e do bem), o direito veio possibilitar que ele(a) se torne o(a) único(a) proprietário(a) do imóvel de até 250m² utilizado para moradia, desde que ali permaneça morando, de forma mansa e pacífica, sem objeção da outra parte, por dois anos, e que não seja proprietário de outro imóvel rural ou urbano.
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Advogada (OAB 93271/PR). Bacharela em Direito pela UFGD - Dourados/MS. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela UNIGRAN. Mestre em Direito Processual Civil pela UNIPAR - Umuarama/PR. Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Pan-Americana de Administração e Direito e...
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Amei o texto pela clareza e concisão,transmitindo segurança.
Boa tarde,
adquirimos um imóvel juntos porém já faz 6 anos que ele abandonou o lar, e não contribui com nada. Quando saiu de casa não pagou nem pensão ao filho que há epoca tinha 14 anos, ou seja, nunca ajudou com nada. Não nos divorciamos. Arco com tudo sozinha tanto da casa quanto do nosso filho. Posso entrar com a Usucapião Familiar? Como proceder?