O usufruto é um Direito Real que permite uma terceira pessoa usar, gozar e usufruir dos frutos e utilidades de bem alheio, sem que se altere a sua substância.
Já imaginou desfrutar dos benefícios de uma propriedade sem, necessariamente, ser o dono dela? Essa é a realidade do usufruto, um conceito intrigante do Direito que oferece a alguém a chance de usar e aproveitar temporariamente bens e recursos de propriedade de outrem.
Seja uma casa, um carro, ou até mesmo uma plantação, o usufruto abre um mundo de possibilidades e nuances legais que vale a pena explorar. Entenda mais sobre esse instrumento legal que equilibra direitos e responsabilidades, navegando entre a posse e a propriedade de bens.
O que é Direito Real?
O Direito das Coisas é o conjunto de normas que busca regulamentar as questões jurídicas entre a pessoa e as coisas, os bens. Dentro do Direito das Coisas estão os Direitos Reais, que disciplinam os direitos e atributos inerentes à propriedade.
O que é Usufruto?
O usufruto pode ser brevemente conceituado como um Direito Real que permite que uma terceira pessoa possa usar, gozar e usufruir dos frutos e utilidades de bem alheio, sem que se altere a sua substância.
Ou seja, confere a uma pessoa, chamada usufrutuário, o direito de usar e usufruir temporariamente dos bens e dos frutos de propriedade de outra pessoa, conhecida como nu-proprietário. É um direito temporário que pode ser estabelecido por um determinado período ou pelo resto da vida.
Entendendo o conceito de usufruto
O seu conceito não está explicitamente presente no Código Civil, mas seu objeto e suas características, sim. Trata-se de um instituto do Direito Civil, cuja relevância resultou na criação do Título VI, do Código Civil de 2002, que destinou quatro capítulos para sua disciplina.
Em uma conceituação resumida mas muito acertada, trazida pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Dabus Maluf, pode-se dizer que:
O usufruto é o direito real dado a uma pessoa, durante certo tempo, que lhe permite retirar de coisa alheia os frutos e utilidades produzidos, sem alterar-lhe a substância.”
Porém, a doutrina o conceitua de formas distintas. Me parece certeira a definição clássica do saudoso jurista Caio Mário da Silva Pereira:
Usufruto é o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa sem alterar-lhe a substância, enquanto temporariamente destacado da propriedade.”
Conclui, ainda, que este entendimento abrange a compreensão clássica do usufruto, como “o direito de usar a propriedade de terceiros para usufruir dos benefícios conferidos pela substância”, traduzido do latim “usus fructus est ius alienis rebus utendi fruendi salva rerum substantia”.
Natureza do usufruto
É importante deixar claro que o usufruto pode abranger bens de diversas naturezas. Apesar de sua utilização ser mais comum nos bens imóveis, é plenamente possível a instituição de usufruto em diversos tipos de bens, tais como bens móveis, softwares, marcas e patentes, quotas societárias, dentre outros.
Os sujeitos envolvidos no usufruto são, em regra, dois: o beneficiário, que é chamado de usufrutuário, e o proprietário do bem, que institui o usufruto em favor de terceiro, chamado de nu-proprietário.
Para compreender a nu-propriedade que é resguardada ao dono do bem, deve-se rememorar os principais atributos inerentes à propriedade. São eles: usar, gozar, reaver e dispor.
Quando há a constituição de usufruto em favor de um beneficiário, o nu-proprietário detém a posse indireta da coisa, podendo única e exclusivamente dispor do bem, como o direito real de propriedade lhe permite.
Costuma-se dizer que o nu-proprietário conserva o direito à substância da coisa. Ao usufrutuário, que exerce a posse direta do bem, são conferidos os demais atributos da propriedade, podendo usar, gozar e reaver o bem.
Portanto, o usufrutuário exerce os direitos reais de propriedade sobre coisa alheia, enquanto a substância do bem mantém-se do dono.
Uma curiosidade interessante é que o usufrutuário, na condição de possuidor direto da coisa, titular do direito de reaver o bem e manter sua posse, pode até mesmo proteger sua posse frente ao nu-proprietário. Ou seja, o direito de reaver e conservar a posse do bem objeto de usufruto é oponível contra qualquer pessoa.
Entretanto, há de se compreender as diferentes espécies para sua correta utilização.
Quais as espécies de usufruto?
Quando utilizado da forma correta e estrategicamente, o usufruto é uma poderosa ferramenta legal de planejamento patrimonial.
Entretanto, para que sua utilização seja eficaz, é necessário o entendimento das espécies existentes, que podem ser distinguidas a partir da sua duração, do objeto, da extensão, dentre outros.
As espécies mais comuns de usufruto podem ser classificadas quanto à sua duração, sendo temporário ou vitalício; e quanto ao objeto, que pode ser próprio ou impróprio.
Dentro da classificação quanto à duração, a espécie mais recorrente é o chamado usufruto vitalício.
Usufruto vitalício
No usufruto vitalício, como o próprio nome sugere, a extinção do usufruto ocorre com a morte do usufrutuário.
Havendo a extinção do usufruto, todos os atributos da propriedade retornam ao proprietário do bem, que deixa de ser nu-proprietário e volta a exercer plenamente o seu direito real de propriedade.
Usufruto temporário
Na hipótese de usufruto temporário, a gravação do ônus real do usufruto deve indicar com precisão o termo ao qual ensejará a sua extinção. Portanto, há um prazo determinado ou determinável para sua duração.
Objeto
Quanto ao objeto, a classificação do usufruto próprio é utilizada para aquele que incide sobre coisa infungível ou inconsumível. Isso quer dizer que, extinguindo-se o usufruto (pelo falecimento do usufrutuário ou pelo término do prazo), o usufrutuário deverá restituir propriamente o bem dado em usufruto.
Já no chamado usufruto impróprio, aquele que recai sobre bens fungíveis e consumíveis, com o advento do termo o usufrutuário terá o dever de devolver o equivalente em gênero, qualidade e quantidade. Se não for possível, deverá restituir o seu valor, estimando-o ao tempo da restituição (art. 1392, CC).
Demais espécies de usufruto
Além dessas espécies, o jurista Carlos Roberto Gonçalves identifica outras classificações:
- origem: voluntário ou legal.
- extensão: universal, particular ou pleno.
- titulares: simultâneo ou sucessivo.
São espécies que, a depender da situação, podem conceder maior abrangência ao instituto, para que seja utilizado da maneira mais correta ao contexto fático.
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Usufruto no Código Civil
No que se refere à presença do instituto do usufruto no Código Civil de 2002, a importância do instituto fica refletida na reserva de um título próprio para o tema.
Há de se registrar, ainda, que o Código Civil de 1916 já previa o usufruto em seu art. 713 em diante. O “novo” Código Civil fez modificações pontuais na disciplina, retirando alguns artigos e ampliando outros, trazendo o tema à realidade dos dias atuais.
Portanto, para alguns artigos que não foram modificados, deve-se manter o entendimento doutrinário já construído.
O Título VI, que trata do usufruto, é dividido em capítulos para uma melhor divisão da disciplina. Em primeiro, são trazidas as disposições gerais acerca do tema. O capítulo II elenca os direitos do usufrutuário, sintetizados pelo art. 1.394.
Art. 1.394 do Código Civil
Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.”
Esse artigo resume com precisão os direitos inerentes ao usufrutuário, refletindo os atributos da propriedade que são divididos entre usufrutuário e nu-proprietário.
Neste caso, o usufrutuário recebe (ou retém) a posse direta, uso, administração e a percepção dos frutos.
Capítulo III do Código Civil
O Capítulo III elenca, em contrapartida, os deveres do usufrutuário. Dentre as responsabilidades inerentes ao beneficiário do usufruto, é importante destacar que este deve arcar com as despesas ordinárias de conservação da coisa dada em usufruto.
Além disso, ao usufrutuário cabe dar ciência ao nu-proprietário de qualquer lesão produzida contra a posse da coisa.
Art. 1410 do Código Civil
Por último, o quarto capítulo é reservado a disciplinar a extinção do usufruto, que, conforme o Art. 1.410, pode ocorrer:
I – pela renúncia ou morte do usufrutuário;
II – pelo termo de sua duração;
III – pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;
IV – pela cessação do motivo de que se origina;
V – pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;
VI – pela consolidação;
VII – por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;
VIII – Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).”
No caso de bens imóveis, o usufruto registrado à margem da matrícula do imóvel deverá ser cancelado no Cartório de Registro Geral de Imóveis.
Como funciona o usufruto?
Via de regra, o direito se constitui através da lei ou mediante a vontade das partes.
A lei pode determinar que uma pessoa seja usufrutuária de um bem, a exemplo do art. 1689, I, CC, que determina que os pais serão usufrutuários dos bens dos filhos menores, enquanto no exercício do poder familiar.
Outra hipótese de constituição se dá mediante manifestação de vontade das partes, geralmente por contrato ou testamento. Neste caso, as partes instituem o direito de usufruto a uma pessoa, unicamente diante da vontade expressa das partes.
Contudo, há ainda uma outra hipótese de constituição de usufruto mediante usucapião. Trata-se da previsão do art. 1.931, CC/02, que possibilita que a pessoa tenha o seu direito a usufruto reconhecido por sentença de ação de usucapião, uma vez preenchidos os requisitos legais para tanto.
Como é a renúncia do usufruto?
Pode ser constituído mediante manifestação expressa da vontade do titular do bem, a extinção do usufruto também pode ocorrer simplesmente mediante manifestação expressa de vontade do usufrutuário. Refere-se, então, a uma hipótese de renúncia do usufruto.
Em se tratando de bens imóveis, é exigível que a renúncia seja formalizada expressamente por escritura pública em Cartório de Notas quando o imóvel tiver valor superior a 30x o maior salário mínimo vigente no país.
Para que seja lavrada a escritura pública, é necessário que o usufrutuário tenha capacidade e a disponibilidade do direito que se pretende renunciar.
Uma situação recorrente no direito patrimonial de ordem privada ocorre quando os pais, numa ideia de planejar a sucessão do seu patrimônio, doam o imóvel aos seus filhos e reservam para si o usufruto do bem, resguardando sua perpetuidade como patrimônio familiar.
Todavia, diante do surgimento de problemas financeiros no seio familiar, se faz necessário alienar o bem. Nesse caso, é comum que no mesmo instrumento em que é feita a venda do imóvel, os usufrutuários renunciem ao seu direito real, possibilitando a venda do imóvel.
Pontos de atenção para advogados e advogadas
Para nós, advogados e advogadas, importa direcionarmos especial atenção às espécies de usufruto existentes para que possamos potencializar os efeitos que buscamos com a utilização do instituto.
Apesar da utilização do instituto seja, em sua maior parte, sobre bens imóveis, mediante escrituras públicas de doação com reserva de usufruto, ou mediante instituição de usufruto em favor de algum familiar, a sua aplicação pode ser otimizada quando se domina as espécies e as características do usufruto.
Contudo, atenção à doutrina! Apesar de caracterizar a hipótese de usufruto sucessivo — onde há a instituição em favor de uma pessoa, para que depois de sua morte transmita-se o direito real a terceiro — trata-se de espécie não admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Logo, havendo a morte do usufrutuário, impõe-se a sua extinção.
Por outro lado, é admitido que o próprio ato constitutivo do usufruto amplie os direitos do usufrutuário. A melhor doutrina entende que os direitos constantes do art. 1.394, CC, constituem o mínimo assegurado ao usufrutuário, pois são elementares ao instituto. Dessa forma, é plenamente possível que sejam complementados e ampliados mediante acordo de vontades.
Além disso, merece destaque também a natureza personalíssima do direito real de usufruto. O caráter personalíssimo é reconhecido pacificamente pela jurisprudência e doutrina, independentemente do ato constitutivo e da forma de instituição do usufruto.
Aos advogados que atentam ao tema, importa conhecer a natureza inalienável do usufruto. Sobre este tema, o art. 1.393, CC, dispõe que:
Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.”
A alienação do usufruto só é permitida ao dono da coisa mediante consolidação. Contudo, a alienabilidade também é flexibilizada pela possibilidade de cessão do seu exercício por título gratuito ou oneroso.
Perguntas frequentes sobre usufruto
O que é um nu-proprietário?
O nu-proprietário é o proprietário do bem, mas não tem o direito de usar ou desfrutar do bem enquanto durar o usufruto.
O usufruto pode ser usado para todos os tipos de bens?
Sim, o usufruto pode ser estabelecido sobre qualquer tipo de bem, móvel ou imóvel, desde que este seja suscetível de exploração econômica.
É possível vender um imóvel com usufruto?
Sim, é possível vender um imóvel com usufruto. Caso o nu-proprietário e o(s) usufrutuário(s) concordem com a venda, ambos podem assinar a escritura de compra e venda; sendo que o usufruto será extinto no mesmo ato mediante cessão (onerosa ou gratuita) ou renúncia.
Quem é responsável pela manutenção do bem?
O usufrutuário é responsável pela manutenção e conservação do bem. Se não o fizer, o nu-proprietário pode pedir judicialmente a extinção do usufruto.
Quanto custa a constituição de usufruto de um imóvel?
Depende! No caso de uma simples instituição de usufruto intervivos, os custos serão o de uma escritura; da averbação perante o Cartório de Registro Geral de Imóveis competente; e o ITBI, que também varia de acordo com o município (em média 3% do valor venal do imóvel). Saiba mais aqui!
É possível instituir o usufruto de ações de uma empresa?
Sim! É possível que alguém seja usufrutuário de quotas de uma sociedade. Este formato tem se tornado uma estratégia comum de planejamento sucessório, quando um sócio doa, em vida, ou cede suas quotas aos herdeiros, reservando o usufruto vitalício para si.
Uma dica aos advogados e advogadas: As quotas podem ser gravadas com cláusula de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade, o que servirá para proteger o patrimônio de eventuais credores ou de comunicação diante do casamento de algum herdeiro.
Conclusão
À luz do exposto neste artigo, foi possível vislumbrar a grandiosidade do tema, provando das suas peculiaridades e possibilidades. Foi apresentado seu conceito doutrinário como um direito real sobre coisa alheia, suas principais espécies e características.
Embora complexo, trata-se de instituto de aplicação eficaz, que permite configurações patrimoniais que se encaixem perfeitamente à estratégia de sucessão patrimonial eleita.
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Conheça as referências deste artigo
Instituições de Direito Civil, v. IV, Direitos Reais, 18ª Ed., por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 290.
Código Civil Comentado, 6 Ed. revista – Coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva – São Paulo, Saraiva, 2008, p. 1496.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – 5. Ed. – São Paulo: Editora Saraiva. 2010. p. 484/485.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – 5: Direito das Coisas / 7ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012,
TARTUCE, Flávio. Direito das coisas. Volume 4. 8ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016.
Advogado (OAB 31211/ES). Possuo LL.M em Direito Societário pela FGV e especialização em Direito e Negócios Imobiliários pela IBMEC-SP. Sou sócio do Aguilar Advogados Associados, escritório de advocacia que atua há 20 anos na esfera cível. Também sou membro da...
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Olá!
Primeiramente, quero lhe dizer que você escreveu um ótimo artigo.
Gostaria também de saber se vc atende via internet, na forma de auxiliar com algumas questões que temos e eventualmente formatar o contrato social da nossa empresa para que ela sirva de Holding Familiar também, com propósitos sucessórios.
Eu gostaria de saber se o nu-proprietário não tem direito (em todos os casos de usufruto) de receber aluguel de um imóvel.
Olá, Vania!
Não. Em tese, o usufrutuário deve receber o aluguel do imóvel.
Excelente artigo! Brilhante!
Muito obrigado, Dr. Washington! Espero ter contribuído.